‘Essa é a parte cinza da operação’, diz delator sobre atuação de lobista do PMDB

O lobista Julio Gerin Camargo confirmou em depoimento à Justiça Federal que o pagamento de propina era a regra do jogo em todos os contratos das diretorias de Abastecimento e de Serviços e que pagou US$ 30 milhões a Fernando Soares, o Fernando Baiano, por dois contratos que somaram US$ 1,2 bilhão fechados na Diretoria de Internacional da Petrobras. As três áreas eram cotas de indicação do PP, PT e do PMDB, respectivamente, no esquema de corrupção que cobrava de 1% a 5% de “comissões” em contratos da estatal com 16 empreiteiras acusadas de cartel e fraudes em licitação pela Operação Lava Jato.

“Eu paguei propina naqueles contratos onde eu representava empresas e no sentido de atender a regra do jogo. Paguei propina tanto na área de Abastecimento como na área de Serviços”, afirmou Camargo, ao ser perguntado pelo juiz federal Sérgio Moro – que conduz os processos da Lava Jato -, em audiência nesta quarta-feira, 13, quando foi interrogado como réu.

Representante na Petrobras de contratos da japonesa Toyo Engineering – um braço do grupo Mitsui CO -, Camargo é denunciado nesta ação penal por ter pago US$ 30 milhões em propina em dois contratos da Diretoria de Internacional – cota do PMDB no esquema.

Apesar de admitir os pagamentos em troca de “informações privilegiadas”, respaldadas por contratos genéricos de representação comercial, Camargo fala em “comissões” e não propina. Para a força-tarefa do Ministério Público Federal, o que ele chama de comissão, pode ser interpretado como corrupção.

O intermediário dessa propina era o acusado de ser operador do PMDB Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano. Ele agiria em nome do ex-diretor de Internacional Nestor Cerveró – ambos réus no processo como elos dos PMDB no esquema. Segundo Camargo, os dois tinham um “compromisso de confiança”.

Foi por meio de Fernando Baiano que o lobista diz ter conseguido marcar depois de 15 dias uma reunião entre representantes da japonesa Mitsui & Co e da sul-coreana Samsung Heavy Industries Co. com o ex-diretor de Internacional, na sede da Petrobras, no Rio.

“Encontramos nessas reuniões um clima sempre muito favorável, de proatividade no fechamento do negócio”, contou ao juiz, o lobista que atuou oficialmente em nome da Samsung nesta operação com a Internacional.

São dois contratos para construção e aluguel de duas sondas de perfuração marítima para exploração de petróleo, para uso na África e no Golfo do México. Os contratos foram assinados em 2006 e 2007, pela Samsung, no valor total de US$ 1,2 bilhão.

Camargo explicou que na época foi procurado ao mesmo tempo pela Mitsui e pela Samsung, que entrariam juntas na operação. A primeira, japonesa, se associaria à Petrobrás para o afretamento do equipamento e a Samsung construiria as duas sondas em parceria com esse consórcio Petrobrás/Mitsui.

O delator afirma que fechou contrato para recebimento de US$ 53 milhões de “comissionamento” da Samsung, dos quais US$ 30 milhões seriam a parte de Fernando Baiano no negócio. Moro quis saber para que Soares precisava desse dinheiro.

“Essa é a parte cinza da operação, que eu não posso dizer com precisão o que houve. Havia efetivamente uma posição de força do senhor Fernando Soares junto a área de Internacional. Essa posição de força pode ser devido a um relacionamento de amizade, a uma performance profissional como pode ser a um relacionamento de propina.”

Camargo disse que “não foi testemunha nem pode comprovar que houve propina”. “Eu paguei o Fernando como uma remuneração profissional à empresa dele.” Questionado pelo procurador da República Deltan Dallagnol, o lobista disse que Fernando Baiano – mesmo sem ser funcionário da Petrobrás, nem ter contrato para representar a Samsung – forneceu informações privilegiadas que possibilitaram a contratação da empresa sul-coreana sem licitação.

O juiz Sérgio Moro perguntou, então, se o suposto lobista do PMDB prestou algum serviço técnico para a Samsung ou para ele. “Não.”

O delator deu detalhes de como recebia os valores em conta que mantinha no Uruguai, em nome de uma empresa offshore (Piamonte) controlada por ele, e depois repassava a Fernando Baiano conforme as solicitações para contas indicadas.

“Pessoalmente ele me entregava as referências para depósitos”, explicou Camargo. Segundo ele, os pagamentos da Samsung foram parcelados, sendo que as últimas parcelas dos dois contratos de sonda deixaram de ser quitadas.

“Recebi todos os pagamentos com exceção do último, com alegação que parte do trabalho não foi feito e não éramos merecedores”.