Acusado de integrar o esquema de corrupção da Petrobras, o Grupo Engevix recebeu da Eletronorte a missão de fazer o primeiro dirigível de carga a serviço do governo brasileiro. A empreiteira é dona de 50% da Airship do Brasil, empresa que já obteve da estatal, após a Operação Lava Jato, R$ 3 milhões para entregar em 2016 um zepelim que servirá para construir, manter e inspecionar linhas de transmissão. Os outros 50% da empresa pertencem ao Transportes Bertolini Ltda.

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O contrato com a Eletronorte, que prevê repasses de R$ 37 milhões, foi assinado em fevereiro, com dispensa de licitação, sob o argumento de que a Airship tem notório saber e é a única empresa no Brasil capaz de desenvolver um projeto assim. A fornecedora nunca fabricou um dirigível de carga nos moldes previstos, mas tem experiência na construção de balões-guindaste e aeróstatos (tipo de aeronave não tripulada, sustentada com gás mais leve que o ar).

O projeto envolve também a construção de uma fábrica em São Carlos (SP), já em curso, onde será feito o dirigível. Para isso, além da verba da estatal do setor elétrico, a empresa obteve financiamento de R$ 102,7 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A instituição não informa quanto já repassou por meio do empréstimo.

Os R$ 3 milhões já pagos pela Eletronorte foram transferidos entre agosto e dezembro, a título de custear a compra de materiais e a realização de testes. A Eletronorte adianta que a Engevix continuará no projeto, apesar do escândalo de corrupção, pois nenhuma irregularidade foi detectada. Nos últimos anos, o presidente da Airship foi o vice-presidente da empreiteira, Gerson de Mello Almada, preso desde novembro, por envolvimento no esquema de corrupção da Petrobrás.

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“Se ela (a Engevix) tem alguma coisa fora do conceito ético, moral, não é no projeto da Airship. Posso garantir. Mostro a cara e mostro tudo”, afirma o diretor de Operação da Eletronorte, Wady Charone Júnior, que se intitula o pai da ideia do dirigível do setor elétrico.

Segundo o diretor, o projeto é auditado “com rigor” pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pela própria Eletronorte. “Todos os contratos da Engevix estão sob suspeita. Até concordo com essa teoria. Mas, então, vá examinar tudinho”, acrescenta, dizendo que a estatal está aberta a quaisquer outras investigações.

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A Airship foi fundada em 2005 numa parceria entre a Engevix e a Transportes Bertolini – grupo do setor de logística, que não está entre os investigados da Lava Jato. Dono da outra metade do capital, o sócio assumiu a presidência da empresa em novembro, dois dias antes de a Polícia Federal prender executivos envolvidos no esquema da Petrobrás.

Funcionário de carreira da Eletronorte, nomeado para o cargo na cota do PT, Charone diz que teve um “click” anos atrás, ao fazer um serviço em linhas de transmissão, e começou a pensar sobre o uso do zepelim. Sem “saber de nada” sobre essas aeronaves, pesquisou com especialistas e concluiu que a tecnologia era viável para o setor elétrico. Mais tarde, o projeto foi aprovado pela Eletrobrás, o que permitiu a celebração do Contrato.

A promessa é que o dirigível decole pela primeira vez em julho de 2016 e, a partir daí, passe a fazer consertos, inspeções e construções de redes. A ideia é diminuir os custos e dar agilidade aos serviços, além de evitar impacto ambiental. Para levar e trazer uma torre das que sustentam cabos de energia para o meio da floresta amazônica, é necessário hoje desmatar e abrir estradas, o que pode custar de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões.

“A ‘sacada’ é essa: quem trabalha de baixo para cima, vai trabalhar de cima para baixo. Muda a lógica”, resume Charone, dizendo que nenhuma outra empresa do mundo usa zepelins com essa finalidade.

As manutenções e inspeções da rede podem ser feitas com helicópteros, mas a operação seria mais cara. Além disso, eles teriam menos autonomia de voo. O novo dirigível voaria a até 120 km/h, com menor consumo de combustível e capacidade para carregar 30 toneladas.

O diretor diz que a Eletronorte sondou fabricantes em países como a Alemanha e os Estados Unidos, mas nenhum faz dirigíveis com essa capacidade de carga. Como o dirigível será construído com verba específica de um programa de pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico, a legislação que disciplina esses investimentos, segundo Charone, impõe a contratação de instituições e empresas brasileiras. “A Airship era a única que tinha a documentação necessária para fazer”, diz ele.

O jornal O Estado de S.Paulo procurou a Airship e enviou questionamentos por e-mail. A empresa não respondeu. Por meio de sua assessoria de imprensa, justificou que os funcionários que podem falar sobre o projeto estavam de recesso.

Em nota, o BNDES informou que “as liberações para o referido projeto estão sendo efetuadas com o rigor usual”. Segundo o banco, desembolsos de recursos estão condicionados à comprovação de que a parcela liberada anteriormente foi utilizada nas finalidades definidas no projeto.