Depoimentos confirmam mecanismos da evasão

Apesar da expectativa gerada pela vinda da CPI Mista do Banestado a Curitiba, os depoimentos apresentados ontem durante a audiência pública no plenarinho da Assembléia Legislativa pouco acrescentaram às informações que já haviam sido colhidas: “Não são muitas, mas há alguma novidade”, avaliou o relator, deputado José Mentor (PT-SP).

Segundo ele, “está se confirmando a forma como as coisas ocorreram. O Banco do Estado do Paraná tinha uma política agressiva de captação de recursos em função das dificuldades financeiras em que se encontrava. Também se desvenda a forma como o Banco Central exercia seu papel de fiscalizador dessas operações todas”.

Mentor disse que a comissão tem interesse em obter informações consistentes do doleiro Alberto Youssef, preso na Polícia Federal desde o início do mês, e que está aberta a um eventual acordo, onde ele poderia depor como réu-colaborador, com as vantagens previstas em lei. Segundo ele, o assunto deverá ser discutido, em que pese a resistência manifestada pelos advogados de Youssef. Questionado à respeito da convocação do ex-governador Jaime Lerner (PSB), conforme sugestão do procurador da República Luiz Francisco de Souza, Mentor explicou que a CPI está se baseando nos levantamentos do procurador Celso Três, “que foi quem primeiro investigou e denunciou a evasão de divisas através de Foz do Iguaçu. Ele faz um trabalho consistente, sério e responsável” e que até agora não há qualquer indício que leve à necessidade de convocação do ex-governador: “A CPI está aqui para buscar a verdade dos fatos, não para fazer de nomes famosos a sua virtude.”

Participaram da audiência, além de Mentor, os senadores Magno Malta (PL-ES) e Ideli Salvatti (PT-SC), os deputados Doutor Hélio (PT-SP) e Ireni Lopes (ES-PT), além dos paranaenses Paulo Bernardo (PT), José Borba (PMDB), Clair Martins (PT), Íris Simões (PTB) e Eduardo Sciarra (PFL).

Depoimentos

Antes de dar início a oitiva dos 29 convocados, os membros da CPI se reuniram com os advogados dos depoentes, que resistiam à assinatura do termo de compromisso uma vez que muitos deles já respondem à processos judiciais. O advogado de Alberto Youssef, Antônio Augusto Figueiredo Bastos adiantou que seu cliente, conduzido pela Polícia Federal à Assembléia já no início da manhã, compareceria perante comissão mas não daria nenhuma informação: “Ele responde a processos, está preso. E nós entendemos que o foro adequado para a ação é a Justiça, não uma comissão parlamentar de inquérito que traz as pessoas aqui para dizerem aquilo que já disseram diante do juiz”.

O advogado do ex-diretor do Banestado Gabriel Nunes Pires Neto, também preso pela Polícia Federal acusado de dar aval a empréstimos sem as devidas garantias, adotou posição semelhante. Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha lembrou que Pires já prestou depoimento à CPI estadual e nada tem a acrescentar à comissão mista.

Durante a manhã foram ouvidos ex-diretores e ex-funcionários do Banco Araucária, liquidado pelo Banco Central, que também tinha autorização para operar as contas CC5. Destes, o depoimento considerado mais importante foi o do ex-diretor Fernando Silva Peixoto. Ele admitiu conhecer “Paco”, citado em várias operações irregulares sob investigação. Peixoto disse que ele era responsável pelo aliciamento de “laranjas”.

Além de Fernando Peixoto, a lista de convocados pela CPMI incluia Reinaldo Silva Peixoto, Reinoldo Tuleski, Hunberto Ciccarino Filho, Pierre Cicero da Cunha e Nilton Cordoni Júnior, todos do banco Araucária. Do Banestado foram convocados o ex-presidente Domingos Murta Ramalho, José Luiz Boldrini, Milton Pires Martins, Valmor Picollo, Valter Benelli, Aldo de Almeida Júnior, Gabriel Pires Neto, Sérgio Elói Druszcz, Oswaldo Rodrigues Batata, Alaor Alvim Pereira, Ércio de Paula Santos e Gilson Girardi.

Completam a lista João Batista Almeida, Luiz Carlos Ranieri, Osvaldir de Souza Teixeira, Valdir Werle, ex-gerente da casa de câmbio Elcatur Altemir Antônio Castelli, Odilon Bacellar Netto, ex-operador de câmbio dos bancos Bemge e Rural, Alberto Youssef, Afonso Celso Braga, Afonso Celso Braga Filho, o ex-secretário estadual da Fazenda Miguel Salomão e seu filho Fábio Salomão.

Exumação começa hoje

Uma equipe de médicos gaúchos e peritos da Polícia Federal de Brasília faz hoje em Curitiba, no Cemitério Parque Iguaçu, a exumação do cadáver que seria do ex-secretário dos Esportes e ex-presidente da Banestado Leasing, Osvaldo Magalhães dos Santos Junior. Ele morreu em 1988 em um acidente de automóvel na estrada entre Curitiba e Palmeira. Os médicos vão coletar material para fazer um exame de DNA, por determinação do juiz da 2.ª Vara Criminal Federal, Sérgio Moro. O juiz atendeu a um pedido da CPI do Banestado, que no curso das investigações sobre denúncias de irregularidades na Leasing levantaram suspeitas sobre a morte do ex-secretário.

O material coletado pelos médicos será levado para exame no Instituto Geral de Perícia do Rio Grande do Sul. A família se dispôs a colaborar para que possa ser feito o exame comparativo com o DNA de um outro integrante da família. O relator da CPI, o deputado Mário Bradock (PMDB), pretende acompanhar os trabalhos de exumação. Segundo Bradock, que é delegado de polícia, deve demorar quatro meses para o exame ficar pronto.

A CPI passou a questionar a morte de Magalhães dos Santos ao requisitar documentos ao Instituto Médico Legal de Ponta Grossa – para onde o corpo foi levado logo após o acidente – e ao Instituto Médico Legal em Curitiba -para onde o corpo foi transferido. Os deputados constataram que vários procedimentos de identificação do corpo não foram realizados. Entre eles, exames de arcada dentária, de impressão digital e ainda o registro fotográfico do corpo e também do acidente na rodovia. (Elizabete Castro)

Convocados não falam

A intenção dos integrantes da CPMI era finalizar os trabalhos às 23h. No entanto, até as 20h30 de ontem apenas onze dos 29 convocados haviam prestado depoimento. No início da tarde foi ouvido Valter José Benelli, ex-gerente de divisão do Banestado, seguido de Aldo de Almeida Júnior, ex-diretor da área internacional do banco. As perguntas para ele foram principalmente relacionadas à realização de auditorias.

Segundo Almeida, o banco passava por auditorias freqüentemente, mas ele afirmou que seria impossível controlar quatrocentas agências e treze mil funcionários. Ele contou que para impedir práticas irregulares eram distribuídas cartilhas. O ex-diretor garantiu ainda que havia alertado sobre o mal uso de contas correntes. “Todas as contas laranjas que chegaram ao conhecimento da diretoria foram fechadas”, disse.

Em seu depoimento, Ércio de Paula Santos – ex-gerente do Banestado em Nova York no período de maio de 1993 a junho de 1997 – reservou-se ao direito de permanecer calado, alegando que não faria qualquer declaração que pudesse incriminá-lo. Mesmo assim os integrantes da Comissão fizeram perguntas sobre o doleiro Alberto Youssef, sobre abertura de contas e remessa de dinheiro.

Logo após foi a vez de Youssef, que está preso na Polícia Federal há vinte dias, depor. Ele não assinou o termo de compromisso e, afirmando que já havia prestado esclarecimentos à 2.ª Vara Criminal Federal, também não falou. “Já estou preso e sendo processado. Não tenho nada a dizer a esta comissão”, alegou. Ás 20h30 a comissão deu início à oitiva do ex-diretor de Câmbio do Banestado, Gabriel Nunes Pires Neto. (Fabiane Prohmann)

Rumo desagrada delegado

O delegado da Polícia Federal José Castilho Neto – que chefiou equipe enviada aos Estados Unidos para levantar as operações em contas CC5 da agência do Banestado em Nova York – manifestou descontentamento com o rumo tomado pelas investigações: “Do jeito que os trabalhos vão até agora, não se chegou nem perto dos donos do dinheiro. Investigou-se apenas a base da pirâmide criminal. No caso da apreensão de um caminhão carregado de entorpecentes, não se pode limitar a apuração ao motorista, esquecendo o dono da carga”, exemplificou.

Segundo ele, o rastreamento internacional foi interrompido na primeira camada de contas: “Na minha opinião, o cerne desta investigação é o rastreamento do fluxo do dinheiro. Ao final da trilha fatalmente será encontrado seu dono”. Ele concorda que o doleiro Alberto Youssef é uma peça chave no processo, mas pondera que é apenas o motorista do caminhão: “É o primeiro passo. Se não tivesse sido interrompido o trabalho que começamos no ano passado, já teríamos o mapa completo da lavagem de dinheiro no país”.

Conforme seus cálculos, a evasão chega a US$ 45 bilhões no período de 1996 a 1998. Desse total, cerca de US$ 15 bilhões teriam sido levantados pela Polícia Federal em 1997. A Receita Federal teria mapeado mais US$ 30 bilhões somente em 1998. Para o delegado, não seria posível uma sangria dessa proporção sem a conivência de altas autoridades da República.

Embora o resultado das investigações de sua equipe nos Estados Unidos tenha influenciado decisivamente na criação da CPI Mista do Banestado, Castilho foi afastado da força-tarefa sob a alegação de que não havia recursos disponíveis para dar prosseguimento às apurações. A equipe foi recomposta em janeiro deste ano, por requisição do procurador da República Luiz Francisco de Souza, mas o trabalho de rastreamento das contas não foi retomado. Castilho também coordenou a última etapa da Operação Macuco, iniciada em Foz do Iguaçu pelo procurador da República Celso Três. (SCP)

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