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Criminalista vê retrocesso em proposta de Moro para fim de embargos infringentes

A Associação dos Advogados de São Paulo entregou, nesta sexta-feira, 23, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), um documento em que aponta inconstitucionalidades no pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Entre as críticas mais apontadas pelo documento, estão a condenação após segunda instância. Os trabalhos foram coordenados pelo ex-presidente da entidade, Antonio Claudio Mariz de Oliveira.

Também ex-presidente da AASP e autor do capítulo que analisa a proposta de Moro de acabar com um recurso da defesa chamado ‘embargos infringentes’, o criminalista Sérgio Rosenthal avalia que o projeto, em seu conjunto, ‘é um verdadeiro retrocesso no campo dos direitos e garantias individuais e não representa, de modo algum, a solução do problema da criminalidade que tanto aflige a população brasileira, mais se assemelhando a uma campanha de marketing’.

“Com efeito, não há no referido projeto de lei qualquer medida capaz de evitar a prática de crime, soando assim falaciosa, com todo respeito, a atmosfera criada em torno do mesmo com a indisfarçável intenção de convencer o público leigo de que as alterações legislativas propostas constituiriam uma resposta eficaz do governo ao avanço da criminalidade”, diz o criminalista.

Inicialmente, é necessário consignar que as sugestões de reforma da legislação penal e processual penal apresentadas recentemente pelo ex-juiz federal e, por ora, Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Fernando Moro, sob o slogan “pacote anticrime”, não representam, de modo algum, a solução do problema da criminalidade que tanto aflige a população brasileira.

Com efeito, não há no referido projeto de lei qualquer medida capaz de evitar a prática de crime, soando assim falaciosa, com todo respeito, a atmosfera criada em torno do mesmo com a indisfarçável intenção de convencer o público leigo de que as alterações legislativas propostas constituiriam uma resposta eficaz do governo ao avanço da criminalidade.

Nesse sentido, conquanto contemple sugestões que eventualmente poderão contribuir para o aperfeiçoamento da legislação atualmente em vigor, o “pacote” apresentado, em alguns aspectos representa verdadeiro retrocesso no campo dos direitos e garantias individuais e, em vários outros, mais se assemelha a uma campanha de marketing.

Bons exemplos disso são a pretensão de tornar obrigatória a submissão de condenados por crimes dolosos à identificação do perfil genético mediante extração de DNA quando do ingresso no sistema prisional (o que claramente viola a Constituição Federal) e a menção, totalmente desnecessária, a nomes de grupos criminosos (como o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, etc.), no artigo em que se propõe alterar o conceito de organização criminosa.

É lamentável, ainda, que tais propostas não tenham sido levadas a prévio debate perante especialistas em segurança pública e operadores do Direito, especialmente entidades representativas da advocacia, antes de serem encaminhadas ao Congresso Nacional, assim como é estarrecedor o entendimento de alguns apoiadores do projeto, de que aqueles que ousam criticar as medidas sugeridas são a favor do crime, contra o governo e contra “os cidadãos de bem”, sendo imprescindível que todos os temas abordados sejam devidamente escrutinados e amplamente debatidos.

Por fim, é importante registrar que não houve por parte do governo qualquer preocupação com a ressocialização do preso, talvez o maior fator de incremento da criminalidade no país, uma vez que, como se sabe, ao egresso do sistema penitenciário brasileiro (verdadeira escola do crime, dominada por facções) não é oferecida qualquer oportunidade de reabilitação social.

Feitos esses breves comentários, passa-se à análise específica de uma das alterações propostas no projeto, denominada medida para alteração das regras do julgamento dos embargos infringentes:

Mudança no Código de Processo Penal:
“Art.609.

§ 1º Quando houver voto vencido pela absolvição em segunda instância, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de dez dias, a contar da publicação do acórdão, na forma do art. 613.

§ 2º Os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência e suspendem a execução da condenação criminal.”

Como se verifica do acima transcrito, por meio desta medida se busca restringir o alcance dos embargos infringentes (atualmente cabíveis contra qualquer decisão não unânime, desfavorável ao réu, emanada em segunda instância) à exclusiva hipótese de haver voto vencido pela absolvição, eliminando-se assim a possibilidade de reexame nos casos em que a divergência se centrar em outras questões, como a redução da pena aplicada, a alteração do regime de cumprimento ou qualquer questão de direito que possa até mesmo levar à anulação do processo.

Trata-se, ao nosso ver, de alteração totalmente injustificável, uma vez que visa a limitação de importantíssimo recurso criado para garantir que a resposta estatal, em caso de divergência de entendimento entre os julgadores em segunda instância seja a mais justa e acertada possível.

Veja-se o seguinte exemplo:

Ao proferir sentença condenatória, o magistrado de primeiro grau aplica ao acusado uma pena de quatro anos de reclusão, em regime aberto.

Ao julgar recurso de apelação apresentado pelo Ministério Público, o Tribunal, por dois votos a um, aumenta a pena para oito anos de reclusão e fixa o regime fechado para o seu cumprimento.

O voto vencido em segunda instância é no sentido de se manter a pena como aplicada em primeiro grau (quatro anos de reclusão, em regime aberto).

Nessa hipótese, consideradas as duas instâncias, haveriam dois julgadores decidindo em um sentido e dois julgadores decidindo em outro (muito mais favorável ao acusado).

Não parece apropriado, diante disso, permitir que o processo seja melhor examinado, especialmente quando se pretende tornar regra a prisão do acusado após o julgamento em segunda instância?

Mas, ainda que assim não fosse, não parece justo que a decisão exarada em segundo grau possa ser reanalisada quando um dos julgadores entende que a solução adotada pelos outros dois não é correta, ainda que não se trate de hipótese de absolvição?

Não é salutar que, nessas circunstâncias, a lei permita o reexame da questão e a busca da decisão mais justa?

Qual o sentido de se suprimir um meio de defesa conferido ao cidadão brasileiro desde a promulgação do Código de Processo Penal, em 1941, e que com razoável frequência acarreta a alteração da decisão anteriormente adotada?

De que forma impossibilitar o reexame de decisão que determina o imediato encarceramento de um cidadão, contra o expresso entendimento de um de seus três julgadores, pode contribuir para o combate à criminalidade?

Diante do exposto, não nos parece razoável que se proceda à alteração pretendida.

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