“Cobrança pink” ocultava operações subfaturadas

O nível de organização interna desenvolvida pelo Banestado para identificar o subfaturamento de importações pela qual eram feitas duas operações – uma oficial, em papel branco, e outra, usada para evasão de divisas, em papel cor-de-rosa (chamados “cobrança pink “) – foi um dos pontos dos depoimentos de ontem que mais chamou a atenção do presidente da CPI do Banestado, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT).

“O estilo da documentação surpreendeu a CPI. São anotações em pedaços de papel, não são papéis oficiais do Banestado. E aquilo valia como remessa de dinheiro” disse Antero sobre os documentos que foram entregues pelos deputados estaduais Neivo Beraldin (PDT) e Mário Bradock (PMDB), presidente e relator, respectivamente, da CPI estadual do Banestado à CPI do Congresso.

O relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), explicou à imprensa ao final da reunião secreta da comissão que os funcionários do Banestado anotavam o valor real das transações nos papéis “pink”, enquanto que os papéis brancos recebiam um valor irreal, que desse um caráter de regularidade à operação.

“Esse mecanismo é uma novidade para a CPI. A folha branca apontava a exportação com valor menor e o papel pink , na cor rosa, apontava o valor real. A entrada de divisas acontecia pelo valor menor e a diferença era depositada fora do país. Realmente é um mecanismo novo para nós aqui, enquanto sistemática e procedimento. Sabíamos que havia o superfaturamento das importações e o subfaturamento das exportações, mas a maneira como se operava isso, não” declarou Mentor.

Antero também classificou as informações sobre o subfaturamento de exportações como “fato novo”. Os deputados paranaenses ofereceram à CPI um disquete com os nomes de empresas que se utilizaram do subfaturamento.” Significa que esse tipo de prática pode ter levado a grande evasão fiscal. Essa é mais uma inovação que mostra a criatividade do esquema que ocorreu naquela região”, observou o presidente da CPI.

Estados Unidos

Sobre a viagem de uma subcomissão da CPI aos Estados Unidos, Antero afirmou que as informações requeridas pelo acordo Multilateral Legal Agreement Treaty (MLAT) para a abertura de informações protegidas por sigilo seguem hoje para as autoridades americanas. O presidente da CPI reclamou da demora na tradução dos documentos.” Finalmente o documento foi traduzido. Não entendo essa demora toda, já que as informações foram entregues no dia 27 (de julho). Não é possível que para traduzir um documento demore tudo isso. Mas temos paciência. Estamos convivendo com as dificuldades e conseguimos cumprir mais uma etapa” disse Antero.

Ele também esclareceu que a comissão já deliberou que o delegado da Polícia Federal (PF) José Castilho Neto não fará parte do grupo da CPI que irá aos EUA. Porém, o senador disse não estar informado se o delegado vai aos Estados Unidos por indicação de algum dos órgãos do Executivo (Ministério da Justiça, Ministério Público e PF) que comporão a comitiva.

Por uma questão de autonomia, as instituições irão definir os seus membros. A CPI definirá a sua comissão, que deverá ter entre cinco e seis parlamentares – informou.

Falhas no controle do BC provoca questionamentos

Em seu depoimento à CPI Mista do Banestado, o relator da CPI do Paraná, Mário Sérgio Bradock, questionou se haveria algum interesse nas gestões da ex-diretora de Fiscalização Teresa Grossi e do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco na falta de controle das “operações temerárias” efetuadas no Banestado, que geraram enormes prejuízos para a instituição. Ele informou que a CPI do Paraná chegou a pedir a quebra dos sigilos bancários das duas autoridades.

– Existe uma fita em que Teresa Grossi diz que havia se implantado uma quadrilha no Banestado sem que nada fosse feito. Eles eram responsáveis por fiscalizar e não o fizeram. Houve no mínimo prevaricação por parte das autoridades do Banco Central – declarou Bradock. A CPI do Congresso vai ouvir Grossi ainda neste mês.

O relator destacou a falta de controle dos carros-forte que atravessavam a Ponte da Amizade entre Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Leste, no Paraguai, inclusive com a conivência de setores da Polícia Civil. A situação só mudou, disse Bradock, quando o procurador da República no Paraná Celso Antônio Três começou a investigar o caso. A partir de então, o esquema deixou de usar carros-fortes e passou a usar aviões em Toledo (PR). Bradock narrou ainda a simulação de um assalto a um carro-forte no Paraguai, cujo dinheiro nunca foi reclamado pelos supostos donos.

O presidente da CPI da Assembléia Legislativa do Paraná, Neivo Beraldin, entregou à comissão documentos, entre os quais correspondência entre gerentes no Paraná e em Nova York que atesta que as contas estrangeiras tinham nomes de fantasia. O deputado também entregou extratos, relatórios de viagem e outros documentos obtidos pelas auditorias internas realizadas no Banestado, que, na sua opinião, são reveladores e demonstram relações entre as movimentações financeiras no banco e doleiros.

Beraldin ressaltou ainda a existência de um esquema de subfaturamento de exportações realizado principalmente nas agências do Banestado em Maringá e Londrina (PR). Uma exportação no valor de US$ 1 milhão, exemplificou, movimentava apenas US$ 100 mil em instituições norte-americanas.

Irregularidades tornaram banco uma “lavanderia”

Criado como um banco de desenvolvimento, o Banestado se transformou nos oito últimos anos de sua existência – segundo o relator da CPI da Assembléia Legislativa do Paraná que investigou as irregularidades no banco estadual, Mário Sérgio Bradock – em “uma grande lavanderia de dinheiro para que se fizesse todo tipo de falcatruas”. A declaração foi feita pelo deputado durante reunião da CPI do Banestado realizada na manhã de ontem, em Brasília.

As irregularidades cometidas, acrescidas de más administrações, disse ele, teriam sido atitudes premeditadas que levaram à privatização do Banestado. Outras ações, como a subavaliação dos imóveis que faziam parte do patrimônio do banco, teriam sido intencionalmente adotadas, a seu ver, para que o banco quebrasse, o que culminou com a venda da instituição por R$ 1,6 bilhão ao banco Itaú.

– As coisas ficaram de tal maneira que, para que toda a malandragem ficasse debaixo do tapete, a solução seria quebrar o banco. Não haveria outra opção senão vendê-lo – afirmou Bradock.

As “gestões absurdas”, segundo o relator, foram acompanhadas de grande fragilidade da contabilidade do Banestado, que não tinha fiscalização do Banco Central (BC) e que ficava a cargo de uma só pessoa, Eraldo Ferreira, que foi ouvido pela CPI do Paraná, e forneceu detalhes sobre as operações.

Segundo o presidente da CPI paranaense, deputado Neivo Beraldin, o contador do Banestado é capaz de revelar todo o esquema de lavagem de dinheiro e subfaturamento de exportações que existiu no banco desde 1993. Eraldo já tem data marcada para depor no Senado.

As CPIs possuem, em CD, toda a movimentação do Banestado entre 1996 e 1999. Precisamos apenas cruzar informações com as da Receita Federal, constatar essa situação de crime de lesa-pátria – afirmou Beraldin, em sintonia com o que já haviam afirmado à CPI o delegado da Polícia Federal José Castilho Neto e o procurador da República Luiz Francisco Souza.

Permissão infringiu a lei

Em entrevista à imprensa, o relator da CPI Mista do Banestado, deputado José Mentor (PT-SP), disse que, com base no que já foi apurado até o momento pela comissão, é possível afirmar que as autorizações especiais, fornecidas pelo Banco Central, para que os carros-fortes transportassem dinheiro em espécie pela fronteira do Brasil com o Paraguai constituíram uma alteração que infringiu a lei.

– A lei foi agredida com a alteração que foi perpetrada pelo BC. Nós já ouvimos o ex-diretor do BC Gustavo Franco quando a operação foi implantada e, com relação ao início da operação, eu percebo que a comissão já tem assentada a idéia de como tudo começou, como, quando e por que ela foi modificada. A responsabilidade do Banco Central já está contornada, está delineada, restando agora saber quanto cada um contribuiu para isso – afirmou o relator.

O deputado acredita que os próximos depoimentos, dos ex-diretores de Fiscalização do Banco Central Teresa Grossi e Cláudio Mauch, permitirão saber por que, depois de as irregularidades terem sido alertadas ao BC, não houve por parte do banco a interrupção dos procedimentos irregulares.

– Esse aspecto justifica ouvir os outros diretores – acentuou Mentor.

Já o presidente da CPI, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), não quis antecipar uma avaliação sobre a atuação no caso da ex-chefe da Fiscalização do Banco Central, Teresa Grossi, que, segundo a CPI do Paraná, teria sido no mínimo omissa.

Antero ressaltou ainda que a CPI já marcou a audiência dos principais depoentes indicados pelos deputados da CPI paranaense, como Teresa Grossi, o ex-diretor de Fiscalização do BC Cláudio Mauch, o ex-funcionário do Banestado Eraldo Ferreira, e os ex-diretores do Banco Araucária Ruth Wathely Bandeira e Alberto Dalcanale.

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