No Santa Cândida

Acampamento Lula Livre é motivo de tensão entre moradores e militantes

Simpatizantes de Lula estão acampados na região há 80 dias e os moradores não têm mais sossego. Átila Alberti.

A disputa entre os moradores do Santa Cândida e simpatizantes do ex-presidente Lula sentou nos balcões da Assembleia Legislativa do Paraná nesta semana. Os seguranças tiveram que separar os dois grupos: os que foram para escutar Ney Leprevost (PSD) reclamar da vigília ficaram no segundo andar, e servidores públicos ligados aos movimentos sociais que protestavam pela data-base do funcionalismo se acomodaram no primeiro. Golpearam-se com gritos de coxinhas e mortadelas.

As divergências são notórias e se manifestam no cara a cara, na internet (#LulaLivre x #DesocupaSantaCândida) e nos tribunais. Para alguns, direito à livre manifestação; para outros, excesso de política que tira a privacidade da própria casa. Essa coexistência inesperada dura quase 80 dias e tem como saldo antagônico solidariedade e insultos. Houve cartazes queimados, queixas em distritos policiais e juizados, ataque a tiros, conflito com torcida organizada, e doações de alimentos e encontro de gerações da esquerda.

Há sobretudo um tremendo impasse na rotina do bairro da Superintendência da Polícia Federal (PF), onde Lula cumpre pena de 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O pequeno espaço entre as ruas Guilherme Matter e Barreto Coutinho é margeado por casas, mas depois de 7 de abril virou Praça Olga Benário ou Acampamento Lula Livre. A esquina é o retrato da democracia brasileira de 2018: impaciente, conflituosa, judicializada e para si.

“Lula está preso, mas a culpa não é minha. Eles chamam todos de Bolsonaro. Até as crianças viraram coxinhas. Mas eles não sabem o que eu penso. Já fui presidente de diretório acadêmico, organizei muitas manifestações. Mas invasão é outra coisa. Sou contra o método”, conta uma moradora que prefere não se identificar. Os vizinhos que não apoiam a ocupação cercaram os gramados das casas com aquelas fitas amarelas usadas para delimitar uma cena de crime. Pelo menos 20 boletins de ocorrência foram registrados no 4º Distrito Policial nesses meses, a maioria por intimidação.

Foto: Lineu Filho
Foto: Lineu Filho

Florisvaldo Fier de Souza, o Doutor Rosinha, do diretório nacional do PT, discorda. “Nós buscamos diálogo com os moradores. Muitos apoiam. Mas já pegaram cartazes, quebraram uma caixa de som. O protesto é legítimo e contra a prisão ilegal do ex-presidente. Identificamos a condenação de uma forma de governo popular. Trinta mil pessoas de todos os estados do país passaram pela vigília, além de autoridades e acadêmicos da América Latina e da Europa”, responde. Os simpatizantes dormem em casas alugadas e ainda mantêm duas barracas na calçada da Guilherme Matter para receber donativos.

Os moradores do bairro deixaram de pedir comida por delivery porque os restaurantes não entregam na região. Proprietários de um escritório de contabilidade e um salão de beleza perderam clientes. “Eu não me sinto segura. A vigília mudou nossa rotina. Não temos sábados ou domingos. Não posso receber ninguém. Não temos assegurado o direito de ir e vir”, diz outra moradora. Na semana passada um gato teria morrido em decorrência de estresse e por pouco o conflito verbal não se tornou físico.

Luiz Marinho, ex-ministro da Previdência Social e pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT, que esteve na vigília na quarta-feira (20), contrapõe. “É um povo resistente, que luta bravamente. Tem dois homens do ABC Paulista que estão na vigília desde o primeiro dia”, pondera. Dr. Rosinha (PT), pré-candidato ao governo do Paraná, endossa. “É muita gente nesse movimento espontâneo, são caravanas de todo o país. Qualquer manifestação pode ter conflitos ideológicos, mas sempre buscamos atos pacíficos e diálogo”.

Linha do tempo

  • 07/04 – Chegada do ex-presidente Lula
  • 07/04 – Prefeitura obtém liminar que impede acampamentos na cidade
  • 11/04 – Sindicato dos Delegados da Polícia Federal no Paraná pede transferência de Lula
  • 13/04 – Prefeitura pede transferência de Lula
  • 16/04 – Acordo que conta com a participação da prefeitura e do Ministério Público impõe limites aos manifestantes
  • 16/04 – Passaporte de Lula é furtado no Centro de Curitiba
  • 17/04 – Manifestantes e torcida organizada do Coritiba entram em confronto
  • 17/04 – Guardas municipais e agentes do BPTran realizam parto de emergência nas proximidades da vigília
  • 24/04 – PF estima gasto de R$ 300 mil por mês com prisão de Lula e pede transferência
  • 25/04 – MBL e vizinhos da PF fazem ato no Centro Cívico e pedem transferência de Lula
  • 28/04 – Homem de 39 anos é baleado no pescoço após ataque a tiros ao acampamento; outra mulher foi atingida por estilhaços
  • 28/04 – Prefeitura reitera pedido de transferência depois da hostilidade
  • 01/05 – Greca critica permanência de Lula porque prédio da PF não tem alvará para presídio
  • 01/05 – Ato das centrais sindicais reúne milhares de pessoas no Centro de Curitiba
  • 02/05 – Vizinhos da PF acampam na frente da prefeitura e pedem fim da vigília
  • 02/05 – Secretaria Municipal do Meio Ambiente avisa Procuradoria Geral do Município que limites de som estão sendo ultrapassados
  • 04/05 – Delegado da PF ataca vigília durante ato e quebra caixa de som
  • 07/05 – Ministério Público e Sesp tentam nova conciliação, sem a presença da prefeitura
  • 08/05 – Prefeitura afirma que não reconhece o acordo
  • 09/05 – Greca manda ofício ao TRF-4 solicitando a transferência do ex-presidente
  • 14/05 – Juiz determina cumprimento da liminar que impõe proibição de acampamentos na cidade
  • 29/05 – Juiz impõe multa de R$ 5,5 milhões ao PT e à CUT por vigília
  • 30/05 – PT e CUT recorrem ao Tribunal de Justiça do Paraná e desembargador delimita nove pontos para a manifestação, que só pode ocorrer de 15 em 15 dias
  • 08/06 – Integrantes do MST fazem caminhada em apoio ao ex-presidente durante a Jornada de Agroecologia
  • 14/06 – Morte de gato provoca protesto dos vizinhos da PF contra a vigília
  • 14/06 – Documento da prefeitura diz que multa aos manifestantes chegou a R$ 13.567.275,00
  • 15/06 – Justiça ratifica decisão anterior e autoriza uso da polícia para retirar barracas
  • 20/06 – Acampamento Lula Livre diz que adequou a estrutura para atender o poder público e que respeita o primeiro acordo
  • 21/06 – Ex-presidente uruguaio Pepe Mujica visita o ex-presidente.