Permissão para bisbilhotar?

O recém-empossado diretor da Agência Brasileira de Inteligência – Abin, Mauro Marcelo de Lima e Silva, está anunciando intenção de mudar a lei para permitir que a agência possa realizar escutas em ambientes diversos e executar grampos telefônicos. Porque sabe quanto é explosivo esse tema, tem o cuidado de dizer que isso seria feito somente mediante expressa autorização judicial.

Quem hoje pode realizar escuta, segundo a lei, é a Polícia Federal, com a devida autorização judicial. Mas a Abin entende que entrar no negócio “é necessário, principalmente quando se trata de investigação de questões de segurança nacional”. Num argumento que tem dois endereços, o diretor justifica que, com a possibilidade que reivindica, pelo menos parte das atividades da agência passaria a ser controlada também pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, coisa que hoje não acontece. E justifica mais: “Nós e os funcionários da Abin abominamos a questão da arapongagem. A Abin não bisbilhota ninguém e vamos provar que é possível fazer inteligência em um regime democrático”.

O diretor da Abin parece remar contra a maré do próprio governo a que serve. Ou pelo menos de alguns setores do governo. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, por exemplo, está anunciando que brevemente deverá encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei regulamentando a interceptação telefônica e a quebra de sigilos garantidos pela Constituição. O objetivo seria colocar um freio na bisbilhotice que campeia na República. O tema assumiu caráter de urgência em função do episódio Kroll, envolvendo num absurdo caso de espionagem membros do governo federal e as empresas Brasil Telecom e Telecom Itália. Coisa de grandões. Outros casos recentes do mesmo gênero têm demonstrado quanto é frágil, delicado e complexo o princípio constitucional que garante o direito à informação, mas também garante o direito à privacidade.

De fato, com as modernas tecnologias e equipamentos disponíveis, é quase impossível ao indefeso cidadão a garantia do escudo constitucional à privacidade. No mundo da política, no do crime, no dos negócios, nos conflitos familiares ou naqueles de governo, são infindáveis os casos em que a quebra de sigilos origina escândalos, destroça reputações, enxovalha conceitos e pessoas. A começar pela bisbilhotice satelitar (no caso da Nasa chamam-no de monitoramento) até as câmeras grande-angulares ou o radar eletrônico munido de máquina fotográfica para o exercício da multa que abarrota os cofres municipais, a vida das pessoas está cada vez mais exposta. No fisco, o governo se vale de subterfúgios que radiografam a qualquer momento a vida financeira das empresas e pessoas, anulando, na prática, a necessidade de licença judicial para a investigação calcada em indícios relevantes ou suspeitas consistentes.

Pela internet, pelo telefone ou pelos correios, a privacidade do cidadão é invadida com mensagens comerciais de todo calibre e as pessoas se sentem cada vez mais impotentes diante da avassaladora invasão de sua privacidade. Informações de bancos de dados contendo dados pessoais de milhões de pessoas são comercializadas impunemente, a começar por aquelas da Receita Federal, como se verificou em casos de recente divulgação.

A proposta da Abin mal acabou de ser cogitada e, felizmente, já está encontrando resistências no Congresso Nacional. Os líderes dos partidos de oposição – e mesmo alguns do próprio governo – saíram a campo para condenar o “retrocesso que, na prática, embutiria a intenção de bisbilhotar adversários do governo”. Para que fosse aprovada, a idéia teria que vir na forma de proposta de mudança à Constituição, com o voto de pelo menos três quintos dos parlamentares com assento no Congresso. Espera-se que as pretensões da Abin peguem carona no projeto do ministro da Justiça. Mas para uma direção contrária àquela da bisbilhotice pretendida e que lembra os ainda não apagados tempos do regime militar. Na verdade, quem está precisando de proteção e privacidade é o cidadão, não o Estado ou seus agentes.

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