Pela revogação da Lei de Gérson

A proposta, em tons que vão da súplica à exigência, já foi feita muitas vezes, por autores infinitamente mais capacitados do que este que escreve. Geraram concordâncias, mensagens de apoio ou de protesto, reflexões, foram recortadas e afixadas em murais, enviadas aos milhares por e-mail, e, no fim, acabaram tragadas pelo pântano de apatia que toma conta destes tristes trópicos. Desta vez não será diferente.

Ainda assim, se o leitor me permite, gostaria de insistir na tecla, e mais uma vez empunhar a bandeira pela revogação imediata e definitiva do “dispositivo legal” que melhor funciona no País: a Lei de Gérson. A sua “promulgação” aconteceu nos anos 70, quando o tricampeão Gérson encerrava um comercial dos cigarros Vila Rica com a célebre frase “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”, que acabou se transformando no artigo único da lei.

A prática contudo é muito mais antiga: os colonizadores portugueses já ludibriavam nossos índios com espelhinhos e miçangas, os bandeirantes moviam mundos e fundos por ouro e pedras preciosas, a Inglaterra passava a Coroa Portuguesa para trás e acabava enchendo as burras desse mesmo ouro… e assim tem sido até os nossos dias.

E a tal lei tampouco é um privilégio brasileiro: no mundo inteiro, sempre tem alguém querendo levar vantagem em alguma coisa, sobre outrem. Pipocam escândalos de corrupção na sóbria Alemanha, na liberal Holanda, na aristocrática Inglaterra, nos Estados Unidos e até no Japão – o que até bem pouco tempo atrás resultava numa sucessão de harakiris.

Mas em nenhum outro lugar do mundo a Lei de Gérson é tão estimulada, e os “espertos” tão aplaudidos, como no Brasil. O culto à malandragem nos é incutido pela literatura (vide Macunaíma), cinema (o João Grilo de O Auto da Compadecida), música (as odes ao malandro concebidas por Chico Buarque), esporte (como o caso de Nilton Santos no jogo contra a Espanha na Copa de 1962, em que ele deu um passo à frente depois de derrubar um adversário dentro da área) e em todas as formas da cultura popular.

O que se reflete no cotidiano: os alunos que estudam são “otários”, os que inventam estratégias mirabolantes para colar são “espertos” – em que pese a criatividade, sinal inequívoco de talento; da mesma forma, quem paga a passagem de ônibus é “mané”, quem entra de graça é “ousado”; os que esperam na fila do banco são “trouxas”, enquanto os que inventam uma deficiência para furá-la são “gênios”.

Como exigir ética de políticos, empresários, funcionários e autoridades públicas, patrões, juízes, se não somos éticos no dia-a-dia? São essas pequenas armações que adubam o terreno onde florescem as Jorginas, Lalaus, PCs, ACMs e máfias como a da agência do INSS em Curitiba.

Por isso defendo uma atitude radical: a renúncia contra toda e qualquer forma de “malandragem” ou “jeitinho”: dos recursos contra as multas, quando se sabe que é culpado, a falsificações de assinaturas em boletins escolares; de propinas aos guardas rodoviários à tradicional “carteirada” em bares, restaurantes e estádios de futebol. Sei que será uma mudança penosa. Eu mesmo já me prevaleci da condição de jornalista para ficar na área vip de uma dancetária, sem que a casa oferecesse tal regalia, e me senti a pessoa mais “eshhperta” do mundo. Mas é a única saída. Se perderemos em charme, vamos ganhar em justiça.

Luigi Poniwass

(luigi@oestadodoparana.com.br) é editor do Almanaque em O Estado.

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