Pela metade

Ao anunciar sua intenção de fazer pagar a diferença (e parte dos atrasados) que deve aos aposentados da nação desde 1994, o governo entrou num beco cuja saída se complica dia após dia: primeiro, anunciou que buscaria no caixa das empresas os recursos necessários, na forma de aumento de 0,6 ponto percentual na contribuição. Segundo, disse que deve, não nega, mas vai pagar como, quando e quanto quiser. Desagradou contribuintes já zangados e ofendeu beneficiários.

As reações foram bem mais vigorosas de tudo quanto imaginava o Planalto, constrangido a recuar. Na área dos pensionistas, estes descobriram que o inusitado “acordo” (mas que acordo é esse em que nenhuma das partes envolvidas concordou com nada?) sonega cinco anos de reajuste. Isto é, simplesmente, despreza o tempo que vai da instituição da Unidade Real de Valor – URV, em 1994, até o ano de 1999. Alegando período prescrito, o governo reconhece apenas a diferença referente aos últimos 60 meses. Mesmo assim, anuncia que pagará a conta-gotas, em longos oito anos, dando preferência para os mais idosos, os que têm menos para receber e que tenham ação na Justiça (da qual, entretanto, é necessário abrir mão antes de mais nada). Poucos credores concordaram com o “acordo” anunciado.

Na área dos que haviam sido convocados a pagar uma dívida que não contraíram, nem dela são avalistas, os empresários reagiram dura e prontamente. Nem mesmo as “medidas compensatórias”, com as quais o governo acenava para neutralizar os efeitos da sempre crescente carga tributária, conseguiram desenrugar a testa de quem se sentia lesado pela nova mãozada no bolso. Essa seria, afinal, a terceira taxação consecutiva sofrida nos últimos tempos, precedida pela elevação da alíquota do PIS de 0,65% para 1,65% e do salto da Cofins de 3% para 7,6%.

Se o Estado não pode resolver tudo, como bem está a lembrar o presidente Lula, também não é justo que queira sempre buscar soluções apertando o torniquete da arrecadação na jugular dos cidadãos que já pagam duplamente quase todos os serviços uma vez oferecidos pelo poder público à custa de nossos impostos. Assim ocorre com estradas infestadas de buracos e radares, com a saúde, com o ensino, com a segurança, para ficar apenas com alguns. No caso da dívida aos pensionistas, empresários e segurados nada têm a ver com a incúria, inépcia ou ineficiência do Estado.

É por isso que os empresários reagiram, assim como passaram a reagir também os políticos. E, para surpresa de todos, políticos do próprio governo, como o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, para quem o aumento de impostos engendrado pelo governo seria “um erro político”. Um erro que, no dizer de grandes empregadores, teria como conseqüência inevitável o estímulo ainda maior à informalidade – o verdadeiro calcanhar-de-aquiles da Previdência, já que os dados oficiais denunciam que a faixa da população que trabalha sem carteira (isto é, sem contribuir) é maior que aquela inscrita no emprego formal.

Ao falar em “formas mais criativas” para resolver o problema, João Paulo Cunha talvez quisesse referir o que referido foi pelo presidente nacional do PFL, Jorge Bornhausen. Para o experiente político catarinense, “se quisermos ter crescimento e desenvolvimento, a primeira coisa a fazer é reduzir as despesas”. De fato, em Brasília só sabem dizer que não há recursos, que o dinheiro é curto, enquanto anunciam novos recordes na arrecadação. Reduzir as despesas do Estado gastão é assunto que nunca entra na pauta. E a administração federal, inchada, já conta 35 ministérios – alguns sem programa de ação conhecido – fora dezenas de grupos de trabalho e câmaras de discussão, como essa que acaba de ser criada com o nome de Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico, que repete quase o nome inteiro de ministério em ação. Depois do recuo do governo, vamos aguardar o próximo capítulo desse “acordo” pela metade, atentos para que não sirva de pretexto para outra derrama.

Voltar ao topo