Pela dessacralização do Guaíra

Oficialmente, o Teatro Guaíra completa 50 anos no final do ano. Praticamente todos os grandes nomes do teatro, e também da música e da dança no Brasil, pisaram em um dos seus três palcos. Na platéia se revezam importantes políticos, famílias tradicionais, homens e mulheres de negócios, formadores de opinião e, por incrível que pareça, gente anônima. De qualquer forma, ir ao Guairão não é um programa, é um acontecimento.

Pois o melhor que poderia acontecer ao Guaíra neste cinqüentenário seria a sua desmitificação. O teatro deveria descer do pedestal e ser apenas o que é, um importante espaço para as manifestações artísticas do mundo, do Brasil e do Paraná, e não o sacrossanto templo da aristocracia paranista.

Porque, como já escrevi uma vez, observar a platéia do Guairão num dia de espetáculo “global” é uma atração à parte: mulheres de vison e penteados vertiginosos, homens engravatados, uma profusão de perfumes, chapéus, écharpes, de tal forma que um desavisado poderia pensar que a entrega do Oscar foi transferida para Curitiba.

A peça também é o que menos importa. Pode ser uma bomba, os distintos espectadores podem ressonar ruidosamente nas poltronas de veludo, mas, ao final, todos irrompem em ruidosos aplausos, assovios, apupos. Para, no saguão, voltar a espinafrar o espetáculo, e as roupas dos semelhantes. Esta cena é verídica, aconteceu no último Festival de Teatro de Curitiba.

Outro adversário do grande auditório do Guaíra é a “tradição”. A maldita tradição, que obriga montagens concebidas para espaços mais intimistas a ocupar o faraônico teatro, unicamente por conter algum “vip” na direção ou no elenco. Não raro, o resultado são excelentes peças “engolidas” pelo gigantismo do espaço, como aconteceu também no último FTC com o clássico Longa jornada de um dia noite adentro, com Sérgio Britto e Cleyde Yáconis.

Não que o Guaíra deva deixar de receber grandes produções internacionais, noites de gala, peças e musicais refinados. Mas também poderia abrir espaço para a gente “comum”, pessoas que usam o transporte coletivo, trabalhadores em geral, donas-de-casa, para que estes também pudessem ter acesso a bons espetáculos. Porque hoje muitos se sentem intimidados até para transpor suas imponentes portas. Deixando o povo entrar, abrindo suas portas para artistas menos mitológicos, o Guaíra se revigoraria e perderia o ranço provinciano que recobre suas paredes.

A diretora do Centro Cultural Teatro Guaíra, Nitis Jacon, já adiantou que pretende democratizar o espaço, fazer contatos com escolas e comunidades carentes, além de promover um intercâmbio maior com o interior. A julgar pela bem-sucedida experiência à frente do Filo, Festival Internacional de Londrina, o cinqüentão tem tudo para ficar bem “enxuto”.

Luigi Poniwass (luigi@pron.com.br) é editor do Almanaque em O Estado.

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