Paternidade reclamada

Não dá para fazer o exame de DNA e, portanto, ficará sempre a dúvida. Mas o já de volta senador Antônio Carlos Magalhães está reivindicando a paternidade do Fome Zero – o principal e primeiro programa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Não se sabe ainda qual vai ser a reação do Planalto, empenhado até a medula na execução da tarefa, mas há sinais de evidente mal-estar causado pelas declarações do antigo presidente do Senado que um dia, de fato, lutou pelo aumento da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em benefício da pobreza nacional.

Ao se despedir do povo baiano no caminho de volta ao Senado, ACM prometeu triunfalmente lutar pelo projeto de combate à fome pois, segundo lembrou, surgiu a partir de uma idéia que é sua. “O presidente apoiou meu (sic) projeto e nós até tivemos aquela reunião em São Paulo, há três anos, e chegamos às mesmas conclusões sobre a erradicação da pobreza”, disse. O veterano político reclama também sua participação em outros programas do gênero, como o “bolsa-escola”, o “salário-família”, etc..

De certa forma, a reivindicação de ACM pode ser positiva. Se todos se sentissem responsáveis pelo projeto, mais gente estaria colaborando para levar adiante uma idéia que, seguramente, é tão antiga quanto a própria fome. Em vez de críticas, mais colaborações e sugestões seriam carreadas para essa cruzada ou guerra que, além de saciar o estômago, deveria também ter como escopo incutir uma nova mentalidade no povo empobrecido culturalmente. O ministro da Segurança Alimentar, José Graziano, acaba de descobrir, por exemplo, que o Nordeste é muito rico em frutas regionais, “mas as pessoas não aprenderam a usar esses recursos naturais de que dispõem”. Assim, mais que dar de comer, é preciso ensinar a ler, pois “há uma correlação entre desnutrição, fome e analfabetismo”, sentenciou.

Por isso, num país de brutais contrastes sociais, distribuir dinheiro para comida, como já está acontecendo em Guaribas, pode ser, também, o incentivo que faltava à indústria da inanição. O presidente da Associação dos Municípios do Piauí, José Maia Filho, está metendo a boca no mundo para reclamar do que considera uma discriminação: “No Piauí -disse, e o Piauí é apenas um de tantos estados onde prolifera a pobreza – existem umas 200 Guaribas”, onde a miséria é igual ou maior que no município escolhido por Lula para a distribuição de R$ 50,00 por família durante seis meses. O que virá depois? Maia Filho critica o critério usado pelo governo e, além disso, acrescenta mais lenha na fogueira, ao demonstrar que a ajuda está, na verdade, diminuindo: em 2001, as famílias de Itainópolis (uma das 200 outras Guaribas) recebiam R$ 60,00 por mês; o valor caiu para R$ 30,00 e, este ano, para zero – um retrato do que pode acontecer com o pessoal de Guaribas, findo o período das vacas gordas.

Se agora é tudo pelo Fome Zero, seria, pois, interessante que tanto Lula quanto ACM e outros padrinhos da idéia do programa reciclassem a concepção original para incluir nela um ingrediente até aqui não pensado – não ao menos em voz alta: a educação para o trabalho, ao lado de outras investidas pelo campo da educação. Afinal, está provado que as frutas referidas por Graziano são boas e se reproduzem, desde que cercadas do cuidado necessário. Mais que dar o peixe, melhor assim seria ensinar o povo a pescar, isto é, produzir para suas próprias necessidades. Eis o grande programa que falta no governo Lula.

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