Paternalismo e responsabilidade

Muitos historiadores e sociólogos brasileiros se ocuparam e se ocupam em identificar o núcleo da questão, do problema, do atraso no desenvolvimento do Brasil.

Na visão de Sergio Buarque de Holanda, por exemplo, é no próprio personalismo que se encontra a origem de muitos males no país, numa ética plástica, ou seja, uma ética fraca e ?ajustável?, ?modelável?, no chamado ?homem cordial?. Sergio Buarque vê, dessa forma, no patrimonialismo que se desenvolve do personalismo a causa que impede o desenvolvimento do Brasil, como um Estado racional democrático. O personalismo, na sua teoria, se estende a ponto de atingir o próprio mercado, que teria como nota característica a impessoalidade e vem a impedir o desenvolvimento das potencialidades de desenvolvimento de um ?capitalismo maduro?.

Outro sociólogo de peso que, também, se dedica ao estudo das causas no atraso do desenvolvimento do Brasil é Roberto DaMatta. Muito embora sua construção teórica tenha os mesmos elementos encontrados em Sérgio Buarque, ela possui uma perspectiva própria.

O personalismo, elemento chave de Sérgio Buarque de Holanda, é igualmente encontrado em DaMatta, sobretudo, na forma do que ele resume no seu ?Você sabe com quem está falando??.

Em termos bastante resumidos, esse ritual do ?Você sabe com quem está falando??, na teoria de DaMatta, é o próprio esqueleto da estrutura hierárquica da formação brasileira; é o elemento pessoal que se sobrepõe ao elemento impessoal ou abstrato.

Logo, no entender de DaMatta, nosso sistema é um resultado de duas unidades sociais (o indivíduo e a pessoa) e é na ?gangorra? do espaço das leis e dos amigos que surgem o jeitinho, a malandragem e o ?Você sabe com quem está falando??. Ou seja, embora, em tese, queiramos uma sociedade igualitária, fundada em leis, no fundo, nossa relação com normas é, para nós, um ?não pode!?. Daí, porque, para o sociólogo, acabamos preferindo os ?mais ou menos?, as zonas intermediárias, os ?jeitinhos?.

No seu ?ensaio? mais recente, ?O que é Brasil??, DaMatta identifica a razão do atraso no desenvolvimento do Brasil na falta de uma crítica séria da influência e do poder das redes de amizades e compadrio que contaminam nossa vida política, institucional e jurídica. Não basta, assim, para que o mundo público brasileiro seja mudado que se alterem apenas as leis.

Nessas e em tantas outras teorizações acerca do problema no atraso no desenvolvimento no Brasil, o ponto nevrálgico se localiza no caráter personalista do brasileiro, que contamina sua forma de ser e de agir, de modo que qualquer pessoa, sempre que possível, não importa a classe que pertença, acaba por usar do ?jeitinho?, da malandragem ou do ?Você sabe com quem está falando??. De outro lado, simultaneamente, tem-se o aspecto acrítico, não reflexivo, apático e plástico da personalidade do brasileiro, na forma do ?homem cordial?.

Todavia, outro fator que atinge a nossa sociedade é o caráter paternalista do Estado. Essa cultura paternalista teve origem com o próprio descobrimento e colonização do Brasil. Os pioneiros colonizadores do Brasil, para cá vieram porque mandados, ordenados pela pátria colonizadora Portugal, mediante o recebimento de recompensa, tal como o pai que presenteia o filho pelo dever cumprido.

E, esse padrão de atitude do Estado paternalista brasileiro se estendeu por toda sua história. Toda vez que ocorre um problema, de ordem social, econômica, financeira etc, recorremos ao Estado e esperamos que ele solucione a situação.

Alguns acontecimentos recentes demonstram e reiteram esse caráter paternalista do Estado. No campo tributário encontramos diversas manifestações dessa prática paternalista que contamina os cidadãos, as instituições, a Sociedade e o próprio Estado.

Tais situações podem ser identificadas, perfeitamente, nos ?n? parcelamentos especiais, ?Refis?, ?Paes?, Programas de Regularização de Débitos e por aí vai. E, se não bastasse a própria edição desses programas, seus prazos são sempre prorrogados, inclusive, não apenas uma única vez.

Esperamos sempre uma anistia, uma remissão, um parcelamento especial; esperamos sempre que o Estado paternalista passe a mão nas nossas cabeças e resolva nossos problemas.

Ora, a gravidade dessa conduta paternalista, que algumas vezes pode representar uma compensação às dificuldades de cada um, de cada setor, é que ela impede o desenvolvimento de um senso comum de responsabilidade, da responsabilidade de cada indivíduo, de cada cidadão por si, pelo outro e pelo bem comum, da responsabilidade do mercado perante ele próprio e os cidadãos, da responsabilidade dos governantes e administradores públicos perante o povo e o próprio Estado. O resultado disso é que vivemos numa sociedade de cidadãos irresponsáveis, de instituições irresponsáveis, de legisladores irresponsáveis, de administradores públicos irresponsáveis, com um mercado irresponsável e essa enumeração não pára por aí.

A grande questão a ser posta em reflexão está no fato de que, talvez, a irresponsabilidade social seja resultado e reflexo da própria irresponsabilidade estatal. Ou seja, o fato de o Estado brasileiro ser paternalista, e ter tornado a sociedade cada vez mais irresponsável, é projeção de sua própria irresponsabilidade; da irresponsabilidade de um Estado que gasta mais do que arrecada, pretender arrecadar mais do que o mercado e as pessoas podem suportar, querer atuar onde não deve e deixar de atuar onde deve.

É necessário, pois, ?abrir os olhos? para a verdadeira situação do Estado brasileiro, para nossa própria irresponsabilidade como cidadãos. Precisamos trazer e provocar, em meio público, discussões racionais, críticas e ponderadas, e, principalmente, tomar medidas positivas e ativas, fomentando ideais e valores ligados à responsabilidade, solidariedade, alegria, ao futuro e à esperança.

Michelle Heloise Akel é advogada especializada em Direito Tributário. www.prolik.com.br

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