Parcelamento de débitos tributários

Efeitos penais da Lei n.º 10.684/03 nas inadimplências municipais e estaduais

A lei n.º 10.684/03 regulou parcelamentos de débitos fiscais, não fazendo qualquer menção a tributos estaduais e municipais, o que numa interpretação mais simplória pode-se ter a impressão de que esta norma não tem qualquer reflexo em relação a débitos fiscais junto a estes entes públicos.

Na interpretação desta lei há necessidade de serem observadas algumas peculiaridades que contemplam enorme relevância para o direito das partes envolvidas.

Um destes aspectos está relacionado com a hibridez da lei, que trata de matéria de direito administrativo, tributário, civil, penal e processual penal, onde para cada ramo do direito incide seus próprios princípios para sua aplicação e interpretação.

Em relação aos aspectos administrativos, civis e tributários regulados pela norma, e que possam ter efeitos nos débitos municipais e estaduais, deixamos de tecer considerações haja vista que não é ramo do direito afeito a nossa área.

Quanto aos seus efeitos na esfera penal e processual penal, não temos dúvida relativamente à sua incidência.

Para tanto, observe-se que o art. 9.º, caput, prevê que “é suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, … durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluíduo no regime de parcelamento.”

Já os Parágrafos 1.º e 2.º rezam, respectivamente que “a prescricão criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva”e ainda, que “extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

Tanto o art. 1.º quanto o 2.º da lei n.º 8.137/90, tipificam condutas infracionais fiscais, sem qualquer distinção em relação a ser tributo federal, estadual ou municipal. Portanto, todas as condutas ligadas a infração fiscal, que tipificam crime, incide esta norma, independentemente de quem seja o agente arrecadador.

Por isso, os efeitos penais da Lei n.º 10.684/03 jamais podem atingir unicamente infrações penais relacionadas a tributos federais.

Cremos que para fins penais esta lei vai além dos crimes tipificados na lei n.º 8.137/90, abrangendo todos os crimes fiscais, e independentemente do fato gerador ter origem municipal, estadual ou federal.

Neste particular é oportuno observar a interpretação da nossa doutrina e jurisprudência em relação à lei n.º 9.249/96, que no seu art. 34 prevê a extinção da punibilidade dos crimes relacionados na lei n.º 8.137/90, quando o infrator proceder o pagamento da dívida antes do recebimento da denuncia.

É posição pacífica que apesar desta norma fazer expressa referência à lei n.º 8.137/90, ela incide sobre todas as demais infrações fiscais, estando ai incluídos os delitos previstos na Lei n.º 8.212/90, atualmente art. 168A, do Código Penal, além de outros.

De outra feita, matéria penal e processual penal é de competência exclusiva da União para legislar. Por isso, se admitirmos que a lei em análise não incide sobre crimes fiscais originados de tributos municipais e estaduais, estaremos aceitando que estes entes públicos podem legislar sobre estas matérias, o que é vedado pela nossa Constituição.

É relevante também considerarmos o princípio da isonomia, o qual não permite, no caso em estudo, que infratores fiscais tenham tratamento diferenciado exclusivamente face a origem do tributo.

Também a parte administrativa e fiscal da regulamentação do parcelamento de débitos fiscais da norma em comento, tem reflexo no direito penal e processual penal relativamente a tributos municipais e estaduais, na medida em que estes devedores não puderem realizar o parcelamento face esta lei regular apenas relações jurídicas entre órgãos federais e respectivos contribuintes.

Por isso, mesmo que os municípios e estados não confiram o mesmo benefício da lei em análise, e ainda que o contribuinte não tenha obtido o parcelamento, terá direito às conseqüências penal e processual penal.

Estas regras valem para os parcelamentos já efetivados, quitados ou em andamento, independentemente da base legal aplicada para conceder tal benefício. Neste caso, ainda que o contribuinte esteja inadimplente com a obrigação assumida. Incidem também sobre os futuros parcelamentos, nos prazos e cautelas que indicamos anteriormente.

Nas hipóteses em que dito negócio jurídico já tenha sido concluído, é caso de extinção da punibilidade, a qual poderá ser reconhecida por diversas modalidades. Na hipótese de não haver iniciada a persecução criminal, não haverá justa causa para instauração de Inquérito Policial. No caso de já haver a instauração de Inquérito, o seu destino é o arquivamento. Na hipótese do oferecimento de denúncia, ainda sem o seu recebimento, deve ser rejeitada esta peça. Finalmente, no caso da inicial acusatória já haver sido recebida, independentemente da fase que a persecução criminal se encontre (desde que não haja o trânsito em julgado de sentença condenatória), o juiz ou tribunal em que o feito esteja prevento deverá declarar a extinção da punibilidade, utilizando como base o art. 61 do Código de Processo Penal.

Quando o parcelamento ainda tiver em andamento, a persecução criminal deve ficar suspensa, até seu termo final, independentemente da fase em que se encontre, e no caso de haver o seu adimplemento, incidem os procedimentos atrás relacionados.

Já no caso de ainda não haver parcelamento, é aconselhável alguns cuidados a serem tomados pelo contribuinte inadimplente.

Na hipótese do agente municipal ou estadual estar conferindo possibilidade de parcelamento, o contribuinte inadimplente deverá requerê-lo nos prazos que indicamos em artigo anterioriormente publicado nesta coluna.

Porém, nos casos em que os Estados ou Municípios não estiverem ofertando parcelamento ou o fizerem em condições inferiores aos conferidos pela lei em análise, o contribuinte poderá requerê-lo segundo as regras desta norma, para que possa pleitear os benefícios desta lei no aspecto penal e processual penal, ainda que o pedido reste indeferido, havendo possibilidade de sucesso neste sentido, conforme fundamentos jurídicos atrás postos.

Os estados e municípios que não oferecerem os mesmos benefícios da lei n.º 10.684/03, ao nosso ver, não poderão representar criminalmente por ilícito fiscal os contribuintes inadimplentes, e nem o MP poderá propor ação penal contra devedores que preencham os requisitos para obter o beneficio segundo esta norma.

De qualquer sorte, é importante que os contribuintes inadimplentes que possam merecer algum beneficio na esfera penal pela aplicação desta lei, não fiquem inertes, devendo requerer o parcelamento segundo estas regras, ainda que se saiba de antemão que ele será indeferido, porque este procedimento certamente terá enorme relevância na discussão judicial, e poderá ser a salvação da defesa na acusação criminal.

Feitas estas considerações concluímos que os contribuintes de tributos muncipais e estaduais que estiverem inadimplentes, têm direito ao parcelamento dos seus débitos nos moldes conferidos pela lei em análise, e caso preencham os requisitos para tal, e efetuem requerimento no prazo estabelecido, ainda que não concedido, e independentemente do motivo, terão direito às benesses penais nesta norma conferidas.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia em nível superior e Especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos, análise da nova lei, estando no prelo, Sentença Penal Condenatória, com lançamento para breve.E-mail: jorgevicentesilva@hotmail.com  e
jorgevicentesilva@swi.com.br

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