Vítimas de seqüestros sofrem após liberdade

A data de 20 de março de 2000 ficará marcada para sempre na memória da jovem Samantha Braga Fonseca, 27 anos, moradora de São José dos Pinhais. Dona de uma loja de roupas usadas, ela nunca imaginava que um dia seria vítima de seqüestro. Muito menos que seu algoz seria o próprio vizinho e amigo de infância Antônio Alves da Rocha Júnior, ou simplesmente Júnior como ela carinhosamente o chamava. Pois o inesperado aconteceu. Samantha viveu 36 horas de pesadelo, sob a mira de uma arma de fogo. A vítima foi resgatada e o seqüestrador foi preso.

Mas o medo persegue Samantha até hoje. Medo de pessoas estranhas, de ficar sozinha em casa, de que Júnior saia da cadeia e se vingue. Assim como ela, centenas de pessoas vivem o mesmo drama e devem carregar por um longo tempo – senão para sempre – os traumas da violência urbana. “O seqüestro é uma violência relativamente recente em Curitiba, mas que já vem fazendo muitas vítimas”, analisa a psicóloga especialista em medos, Marilza Mestre. Em três anos, ela conta que atendeu dois casos de vítimas de seqüestros – um número alto, segundo ela. “O seqüestro já está atingindo camadas sociais com menor poder aquisitivo. Isso traz um medo social muito grande”, comenta.

Em um dos casos, relata Marilza, a vítima – um adolescente que estudava na USP, em São Paulo – chegou a abandonar o curso por um ano e voltou a morar em casa com a família. “Ele perdeu apenas um ano de curso, mas quantos não perdem a faculdade inteira, a liberdade, os referenciais?”, questiona. No caso desse rapaz, conta, o pai é quem acabou fóbico. “É uma família que tem mais nome, tradição, do que propriamente dinheiro. Mesmo assim, o pai contratou guarda-costas para os dois filhos e está tendo gastos que sua condição financeira não permite”. Tanto o rapaz quanto seus pais, conta Marilza, estão em tratamento psicológico.

Trauma

O seqüestro, explica Marilza, é um trauma, assim como a morte de um ente querido. Com a diferença de que no caso do seqüestro, “a vítima perde a identidade e passa a ser ninguém, que está nas mãos dos outros.” “Primeiro, eles perdem a liberdade, depois o bem estar – os lugares são sujos, fechados. Sofrem ainda violência, senão física, moral. Com tudo isso, eles começam a perder referenciais. E o que antes tanto valorizavam (bens materiais), passam a dar menos valor”, relata.

Segundo Marilza, é comum que vítimas de seqüestros passem a ficar mais tempo com a família, jamais saiam de carro sem se certificar de que o ambiente está seguro, deixem de ir em festas e barzinhos e temam o desconhecido. Para ela, está é a hora de procurar ajuda psicológica, pois a fobia exagerada começa a impedir a pessoa de levar uma vida normal. “O medo é normal, saudável e até desejável. Mas quando esse medo, que te protege e te avisa, começa a impedir de ter uma vida com qualidade e você começa a perder espaço social, coisas ou pessoas, já passou da hora de procurar ajuda”, orienta, acrescentando que o tratamento psicológico não está atrelado à questão financeira. “Quem não tem condições financeiras, é só procurar unidades como a Universidade Federal do Paraná, PUC, Tuiuti e Unicenp, onde funcionam clinicas-escolas. O problema é que a população usa pouco esses recursos”, lamenta.

Remédio para dormir

Samantha, que foi seqüestrada pelo vizinho, lembra bem o pesadelo que viveu enquanto esteve sob o domínio do seqüestrador e os primeiros dias depois que foi libertada. “Tive muito medo. Achei que iria morrer”, conta. Quando voltou para casa, o pesadelo parecia ainda não ter acabado. Samantha conta que não saía de casa sozinha nos primeiros meses e tomava remédios para dormir. Ela diz que fez tratamento psicológico durante algum tempo, porém acabou parando.

Mesmo assim, alguns medos e precauções Samantha traz até hoje, como deixar sempre a marcha engatada quando para o carro, além do pavor que sente cada vez que um desconhecido se aproxima. “Não consegui ainda perder o medo de gente estranha perto de mim”, confessa. Ela nega, no entanto, que o seqüestro tenha lhe deixado seqüelas. “Não me deixei afetar. Alguns desenvolvem a Síndrome do Pânico, outros depressão. Eu não”, garante.

O isolamento também foi a maneira encontrada pelo estudante Vagner Aurélio Basso, 15 anos, para fugir do pesadelo em que viveu. Segundo seu pai, Gil Antônio Basso, 46 anos, Vagner voltou para casa muito abatido e se recusa a falar com a imprensa. “Na primeira semana depois que ele voltou, não quis ir à escola. A gente também não força”, conta Gil. Sobre o seqüestro – Vagner esteve sob o domínio dos bandidos durante quatro dias -, Gil Basso diz que não sabe como o garoto teve força para agüentar tanto tempo. “Ele saiu bem e, às vezes, até assusta como ele está reagindo. Só está um pouco mais quieto e sempre procura estar em companhia de alguém. De resto, está bem”, garante o pai.

Martírio de Samantha Fonseca

Abordada pelo vizinho Antônio Alves da Rocha Júnior, 31 anos, Samantha Braga Fonseca foi colocada no porta-malas de seu carro na noite do dia 20 de março de . Sob ameaça de morte, Samantha foi levada para o município de Sapopema, Norte do Paraná. O seqüestrador pediu resgate de R$ 15 mil. A polícia conseguiu identificar a origem das ligações do seqüestrador para a casa de Samantha e acionou a equipe local, que localizou o cativeiro da vítima – uma casa abandonada, na zona rural – na noite do dia 21. O seqüestrador foi condenado a dez anos de prisão. O resgate não foi pago.

Caso Vagner Basso

O estudante Vagner Basso, 15, foi seqüestrado por volta das 7h30 do dia 18 de junho último, enquanto aguardava o ônibus no ponto quase em frente a sua casa, em Bateias, distrito de Campo Largo. Três homens levaram Vagner em um Gol preto por engano. O alvo dos bandidos era seu primo. Vagner ficou amarrado durante quatro dias. Na sexta-feira, dia 21, conseguiu escapar do cativeiro, depois de serrar com os dentes a corda que o prendia a uma árvore. Dois seqüestradores foram apanhados pela polícia, enquanto o terceiro continua sendo procurado. O resgate (R$ 350 mil) não foi pago.

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