Um bairro bucólico da pequena Curitiba

Quando adentrei a avenida de ciprestes, do lado das Mercês, na carroça que tinha ido buscar sete candidatos maristas, eu era um deles, que vinham de Santa Catarina, na noite de 29 de maio de 1940, pouco vi de Curitiba, a não ser umas luzes, ao longe. Em linha reta, uns três quilômetros nos separavam do centro da cidade.

No dia seguinte, a curiosidade própria do adolescente, me levou a sondar os horizontes e, ao me dirigir para o lado da grande avenida de ciprestes que ia na direção do Bigorrilho, descortinei, lá em baixo, bem longe, a cidade de Curitiba, cujo maior prédio, segundo me informaram, era o Garcez. Quantas e quantas vezes depois olhei para essa cidade que, adolescente como eu, não parava de crescer.

Aos poucos fui me orientando e vi que nossa casa estava situada entre a igreja de Nossa Senhora das Mercês e o Bigorrilho. Os maristas se consideravam habitantes do Alto das Mercês.

Naquele tempo, ao lado do caminho pelo qual se entrava na propriedade, do lado das Mercês, ainda existia um resto de mata nativa. Por detrás da casa passava uma estrada muito precária que unia as Mercês ao Bigorrilho. Nossa propriedade era rodeada, do lado do Bigorrilho, por uma porção de lotes onde moravam nossos vizinhos, muitos de origem polonesa, cujas cabras davam bastante serviço devido a freqüência com que apreciavam mais a erva do pasto vizinho (extensões plantadas com aveia, para alimentação das vacas) do que a de casa.

Aquela região era dedicada à criação de animais, e o próprio colégio tinha vacas, uma granja de porcos, outra, de galinhas, tudo para o sustento da comunidade. A propriedade, que havia sido comprada muitos anos antes, era bonita e já tinha recebido uma série de benfeitorias que a tornavam agradável. Viver ali era um encanto.

O panorama de que desfrutávamos era enfeitiçado. Os ocasos dourados pelos raios do sol eram deveras inspiradores, bem como as lindas manhãs, com as nuvens pegando fogo. Que belas orações fazíamos, acompanhando o alvorecer ou o ocaso! Que bonito era assistir do alto das Mercês, no horizonte do lado oposto, muito para lá da Curitiba de então, nos dias de grandes tempestades, nuvens que brincavam de trocar farpas umas com as outras, de um lado ao outro do horizonte, e ouvir o ribombar dos trovões que sacudiam as nuvens, obrigando-as a despejar suas águas.

Quantas vezes enchemos os olhos vendo a quantidade e a variedade de pandoras que enfeitavam os céus! Quantas vezes assistimos as acrobacias que, no Bacacheri e ao longe, faziam os aviadores de então. Ah, se saudade matasse!

Toda essa beleza tinha que desaparecer, para dar lugar ao progresso. Quando a urbanização avançou para o lado das Mercês e veio encostando na propriedade dos Irmãos Maristas, tudo foi mudado em ritmo vertiginoso. Foi quando, por motivos de marketing, surgiu o título pomposo de Jardim Champagnat. Foi adotado por engenheiros, antigos alunos do Colégio Santa Maria que, nos anos de vivência junto aos irmãos, tinham conhecido a figura de Champagnat, que, para eles, além de simpática, se tornou ponto de referência e manancial de força nos embates da vida.

Champagnat passou a ser nome aplicado a ruas, prédios, casas comerciais. Lembro que, quando, já bem mais recentemente, ao ser inaugurado o Shopping Center Champagnat, perguntaram ao dono, no dia da inauguração, qual o motivo deste nome, ele explicou que Champagnat era o nome de um colégio muito famoso nas vizinhanças.

A pessoa que lhe fez esta pergunta tinha mandado enquadrar numa rica moldura uma imagem de São Marcelino Champagnat e com ela presenteou o proprietário do shopping. Muito interessado em ter dados relativos a esta ilustre personalidade, o proprietário prometeu colocar a imagem em lugar de destaque, onde pudesser ser facilmente vista, para que todos os clientes se inteirassem do significado da palavra Champagnat e a quem fazia menção este nome.

Marcelino José Bento Champagnat nasceu em 20 de maio de 1789, em Marlhes, aldeia em uma região montanhosa no Centro-Leste da França. Foi ordenado padre em 22 de julho de 1816. Logo, foi nomeado para ser vigário na paróquia de uma pequena aldeia, chamada La Valla. Em 2 de janeiro de 1817, há apenas seis meses de sua chegada a La Valla, o jovem padre de 27 anos reuniu seus dois primeiros discípulos: nasce a Congregação dos Irmãozinhos de Maria. Champagnat morreu aos 51 anos, em 6 de junho de 1840 e, em 18 de abril de 1999 foi canonizado pelo Papa João Paulo II.

Cláudio Girardi é Irmão Marista, professor, ex-pró-reitor Comunitário e de Extensão da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, juvenista de 1940 a 1945.

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