Suicídio vira caso de saúde pública

O número de suicídios vem aumentando no Brasil. Em 10 anos a taxa de mortalidade subiu de 3,9 para 4,5 pessoas a cada grupo de 100 mil habitantes. Além deste aumento, a situação assusta porque em vários estados os índices estão bem acima da média nacional e os homens são as maiores vítimas do problema. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a taxa de mortalidade entre pessoas do sexo masculino chega a 16,6, em Santa Catarina a 12 e no Paraná 10,5, colocando a região sul na liderança do problema. Não é à toa que este ano o Ministério da Saúde (MS) começou a tratar o suicídio como um caso de saúde pública, e que pode ser prevenido.  

A média brasileira de suicídio é considerada baixa pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O problema só aparece quando a questão é analisada classificando os casos por sexo, idade e região do país. Os homens são as maiores vítimas. Enquanto no Rio Grande do Sul a taxa de mortalidade é de 16,6, a maior taxa entre as mulheres fica em 4,2, no estado do Mato Grosso do Sul.

Segundo o coordenador da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, o psiquiatra Carlos Felipe Almeida, o problema atinge os dois sexos da mesma forma. A diferença é que as mulheres optam por métodos que não são tão fatais no tempo, enquanto os homens preferem meios definitivos.

Mas se existem razões para explicar a supremacia masculina, o mesmo não ocorre para explicar as diferenças entre as regiões do país. Almeida não acredita que os dados da região sul sejam maiores pois tem um sistema de coleta de informações mais organizado. O sudeste tem o mesmo padrão e lá os índices são bem menores – 3,89 contra 8,18 do sul -, seguido do centro-oeste, com 6,25.

Um dos próximos passos do MS será o apoio e incentivo às universidades e outras instituições para que estudem o fenômeno, encontrando explicações para a diferença e formas, a fim de  preveni-lo. A região nordeste e a norte são as que possuem as menores taxas: 3,30 e 3,17, respectivamente.

Outro dado que chama a atenção é o número de suicídios entre os idosos. No sul o índice fica em 16,84% entre as pessoas com idade entre 70 e 79 anos, e sobe para 21.46 em relação às pessoas com mais de 80 anos. Segundo Almeida, a população idosa sempre figurou entre as maiores vítimas devido a uma série de fatores: doenças, depressão, falta de trabalho, isolamento familiar e social.

No entanto, em números absolutos, a população jovem está entre as pessoas que mais cometem suicídio. Em 2004, o número de habitantes com mais de 10 anos no estado era de 10.015.425 e, naquele ano, houve 676 casos, sendo que 58,8% tinham idade entre 15 e 39 anos, ou seja, 398 pessoas. São Paulo, por ser o estado com o maior número de habitantes – 39.239.362 pessoas nesta faixa etária -, é o que também registra o maior número de mortes: 1.526, atingindo também a população mais jovem.

Olhando todos estes dados considerados altos pela OMS, o MS baixou no mês passado uma portaria, a n.º 1.876, que institui as diretrizes nacionais para a prevenção do suicídio. Agora os estados e municípios vão ter que encarar o problema como um caso de saúde pública e criar políticas para preveni-lo. ?O estado tem responsabilidade nisto. O suicídio não é um drama particular?, comenta.

Igreja católica condenava esse tipo de morte

Até 1950, o suicídio era considerado pecado pela igreja católica. As pessoas que acabavam com a própria vida tinham como destino certo o inferno e não podiam ser enterradas em cemitérios. ?As leis mudaram devido os estudos divulgados pela psicologia. Trata-se de pessoas com traumas sérios, que estão sofrendo muito e cometem atos impensados?, explica o frei e parapsicólogo Ovídio Zanini, da Igreja das Mercês, em Curitiba. Hoje estas pessoas recebem o mesmo tratamento que os demais católicos. Mas nem todos os casos são considerados inocentes. ?Um criminoso que se suicida para não ser pego pela polícia é um exemplo?, diz.

Ele explica que tanto o suicídio como os outros problemas podem ser prevenidos, basta fazer uma higiene mental todos os dias. Segundo ele, as pessoas nascem com memórias negativas, resultado de experiências vividas pelas gerações anteriores que são repassadas para os descendentes. As pessoas que não mantêm um bom equilíbrio emocional podem se tornar vítimas destas memórias. Envolvem-se com o álcool, drogas, são acometidas pela depressão, síndrome do pânico, entre tantos outros problemas. ?Precisamos ocupar a mente com coisas boas?, diz o frei.

Na igreja, durante as celebrações do programa EntreAjuda, as pessoas aprendem a relaxar, ouvem passagens bíblicas que transmitem alegria e testemunhos de pessoas sobre suas angústias e a cura do seu sofrimento. ?Ouvimos experiências incríveis, até de pessoas que estavam doentes porque somatizaram os problemas e agora estão bem?, fala. Para o frei, os dados estatísticos só vão melhorar quando as pessoas aprenderem a cuidar da saúde mental. Ele diz que as escolas deveriam trabalhar a questão desde as séries iniciais. As celebrações de EntreAjuda ocorrem às quintas-feiras às 9h, 14h30, 16h30, 19h30 e 21h.

MS prepara maior divulgação de informações para a população

Entre as ações a serem desenvolvidas pelo Ministério da Saúde (MS) ainda neste ano, figura a divulgação de informações sobre o problema para que a população saiba o que vem acontecendo. Até hoje pouco se falou sobre o assunto, a família fica fragilizada com a situação e procura esconder o caso e a mídia não divulga por temer que a publicação incentive outras pessoas a tomarem a mesma atitude. ?Isto não traz nenhum benefício. O problema acaba ficando invisível na sociedade?, diz Almeida.

Até a OMS tem um manual de orientação sobre como abordar o assunto. ?O que não se pode fazer é divulgar métodos e nem supervalorizar a pessoa, mostrar homenagens. Deve-se buscar um equilíbrio?, explica Carlos. Também não dá para abordar a situação em uma novela onde a idéia é mostrar que a pessoa cometeu suicídio apenas para fazer uma chantagem emocional. ?Quem pratica o suicídio não é chantagista, é uma pessoa que está sofrendo muito e não consegue lidar com a situação?, fala.

A partir de agora, o MS vai começar a fazer um levantamento sobre as ações que já estão sendo desenvolvidas no país e a identificar possíveis parceiros como universidades, ONGs e outras instituições para fomentar o trabalho. Um projeto piloto já está sendo desenvolvido no Rio de Janeiro. O ComViver vai buscar dar atenção especializada aos familiares e amigos de pessoas suicidas, com o objetivo de reduzir o impacto dos danos do suicídio nessa população fragilizada. As mortes provocadas pela própria vítima interferem na saúde mental, emocional e profissional de cinco a dez pessoas mais próximas. As pessoas que quiserem entrar em contato com o ComViver podem ligar para (21) 2246-5656 ou entrar no site www.projetocomviver.org.br.

Além disto, durante o 1.º Seminário Nacional de Prevenção do Suicídio no Rio Grande do Sul, no mês passado, 400 pessoas assinaram uma carta de intenções para que sejam tomadas providências para diminuir os riscos de incentivo ao suicídio nas páginas de internet. No mês passado, um jovem brasileiro perdeu a vida assim. O documento será entregue à Comissão de Seguridade Social e da Família da Câmara dos Deputados, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Conselho Nacional de Juventude e à representação do Orkut no Brasil. As ações do governo federal são as primeiras iniciativas desenvolvidas na América Latina, que possui índices parecidos.

CVV funciona como um pronto-socorro emocional

Foto: Aliocha Maurício/O Estado

Quintino, coordenador regional do CVV.

Curitiba também não fica numa boa classificação quando comparada às demais capitais brasileiras. Entre os homens, a capital paranaense fica em 10.º lugar com índice de 8,2 por 100 mil habitantes, e entre as mulheres a terceira posição com 3,3. O problema também dá para ser visualizado observando os números do Centro de Valorização da Vida (CVV), em Curitiba, que é uma espécie de pronto-socorro emocional. Por mês, eles recebem até 700 ligações de gente querendo ajuda.

?Para mim não tem mais saída. Quero interromper a minha vida?. Não é raro os voluntários do CVV ouvirem esta frase. Ela é dita por pessoas de várias idades com os mais variados problemas. Gente que perdeu alguém, se separou, perdeu o emprego, enfrenta uma gravidez indesejada, entre tantos outros.

Elas aproveitam o anonimato da ligação para desabafar e pedir ajuda. Mas no CVV nenhum tipo de conselho é dado, os voluntários são capacitados para estimular a pessoa a falar e ao mesmo tempo refletir sobre a sua situação. ?Não é raro a gente ouvir agradecimentos pelos conselhos, mas na verdade nada foi dito. Quando a pessoa põe para fora o que a angustia, ela pensa melhor e acaba achando uma solução?, diz o coordenador regional do grupo, que prefere ser chamado apenas por Quintino. Há pessoas que ligam várias vezes e outros que em uma única conversa conseguem sair da situação desesperadora. O atendimento do CVV é 24h por dia. Em Curitiba pode-se ligar para (41) 3345-7266 e em São José dos Pinhais (41) 3381-5986. O grupo está no Brasil há 46 anos e em Curitiba 26.

Luzia, da Secretaria Municipal de Saúde.

Além do CVV, a Prefeitura de Curitiba também tem trabalhos de prevenção nesta área. Segundo a assessora da equipe da Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Luzia Fabre, a vontade de se suicidar não aparece de uma hora para outra, geralmente acomete pessoas que vêm apresentando um transtorno mental como a depressão, o alcoolismo, as drogas, entre outros.

Alguns chegam até a dar sinais de que querem cometer suicídio. Preparam testamento, se desfazem de peças e objetos da casa, choram com freqüência, apresentam desesperança, se isolam, reclamam da vida, entre outros gestos. A família pode e deve procurar ajuda. Nos postos de saúde da capital já existem programas que promovem a saúde mental como os Centros de Atenção Psicossocial, ambulatórios especiais e até hospitais dia.

Mas apesar de toda esta rede de proteção, as estatísticas colocam a cidade entre as que mais apresentam o problema. De acordo com Luzia, a situação será estudada mais a fundo para levantar as causas do problema e implantar ações que ajudem a diminuir o número de suicídios na cidade.

Segundo o delegado de homicídios da capital, Adonai Armstrong, este ano, até o mês de julho, foram abertos 54 inquéritos para apurar casos de suicídio na capital e na Região Metropolitana, sendo que a maioria se confirmou. ?São atos cometidos por pessoas que se acharam sem saída?, conta.

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