Profissão “flanelinha” está com dias contados

Pedir dinheiro para “tomar conta” de veículos em locais públicos pode ser considerado extorsão. Pelo menos, essa é a intenção do Projeto de Lei 2.953/04 do deputado federal Neuton Lima (PTB-SP) que está tramitando no Congresso Nacional. O projeto prevê multa e detenção de até dois anos de prisão para quem descumprir a lei.

Segundo o deputado, o objetivo de tipificar a ação como delito penal é devido ao abuso que vem ocorrendo em diversas cidades do País. Lima diz que o proprietário do veículo paga para o flanelinha olhar o carro por medo de que se recusar o serviço poderá sofrer danos físicos e materiais. “Isso é um absurdo, pois nós já pagamos IPVA, IPTU e tantas outras taxas públicas, e ainda somos obrigados a dar dinheiro por uma pseudo-segurança”, falou.

Outro problema destacado pelo parlamentar é que muitas vezes esses guardadores estão ligados a marginais que praticam roubo de equipamentos eletrônicos, e até mesmo veículos. “Você paga para um cidadão desses que não te dá nenhuma garantia pelo seu patrimônio”, afirmou. O projeto de lei já teve aprovação na Câmara e segue agora para a avaliação do Senado.

O vereador de Curitiba Jair César (PTB) acha que o projeto é exagerado. Ele defende que a profissão de guardador de carro existe desde a década de 70 e que os profissionais são autônomos, bastando apenas uma organização da categoria. A Lei 6.242, de dezembro de 1975, foi assinada pelo então presidente da República, Ernesto Geisel, e dispõe sobre o exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores.

Pela lei, o trabalhador deverá atuar em áreas externas públicas destinadas ao estacionamento. Caberá ao guardador “orientar ou efetuar o encostamento e desencostamento de veículos nas vagas existentes, predominadas ou marcadas”. A lei diz ainda que a regulamentação da profissão ficará a cargo das delegacias regionais de Trabalho, porém não é clara no tocante à remuneração desses trabalhadores.

Gorjeta

Para Jair César, tanto os motoristas quanto os flanelinhas precisam ter consciência de que o pagamento feito pelo “serviço” não pode ser estipulado, já que se trata de uma gorjeta. “E a gorjeta vai do coração da pessoa, que dá quanto ela quiser”, disse. Segundo o vereador, quando alguém se sentir coagido por um guardador que estipular o valor a ser cobrado, é preciso reagir com firmeza. “Eu sempre dou R$ 1. Quando me pedem mais eu explico que isso é uma gorjeta e que só vou pagar esse valor”, explicou.

O vereador defende que a associação da categoria precisa se organizar para regular a atividade. Ele também cobrou uma participação da segurança pública nesse processo. “Nós sabemos que 80% desses trabalhadores são pessoas sérias, mas existem muitos malandros infiltrados. E esse tipo de elemento precisa ser combatido pela polícia”, falou César.

A jornalista Tassy Santiago deixou de ir de carro, por uma semana, ao curso de línguas que freqüenta na Avenida João Gualberto por medo de ter o veículo danificado. Em uma noite em que o marido foi buscá-la no curso, ele chegou a ser intimado por um “guardador” para deixar a vaga onde estava estacionado, sob alegação de que ali iria parar um outro motorista que pagaria para deixar o carro.

“Eles chegaram a bater boca e o guardador ameaçou meu marido dizendo que o carro estava marcado”, disse Tassy. A jornalista conta que chegou a acionar a polícia, mas foi informada que precisaria oficiar uma queixa e identificar as pessoas. “Essa situação é muito difícil, pois várias pessoas da mesma família controlam a região onde estaciono, e se seguisse a orientação da polícia, poderia sofrer alguma agressão pessoal”, comentou.

Assalto

Ao confundir um assaltante com um guardador de carro, a assistente social Rozana de Holanda Pinto acabou perdendo o veículo, um Fiat Palio, que até hoje não foi recuperado. O fato aconteceu em abril do ano passado. Ela saía de um restaurante na Rua XV de Novembro, com outras duas amigas, quando um homem fez sinal para ela aguardar. Rozana entrou no carro pensando na ousadia daquele guardador, que iria lhe pedir dinheiro por ter “cuidado” do veículo. Ele não estava no local quando ela estacionou.

Mas, para surpresa de Rozana, o homem estava armado – e acompanhado de outras duas pessoas – e obrigou ela e as amigas a saírem do carro. A assistente social disse que ficou completamente sem reação, “pois nunca imaginei que poderia ser um assaltante”. Até hoje Rozana tem receio de estacionar o carro em determinadas regiões da cidade, e sempre fica com medo quando alguém se aproxima do carro. Ela comenta que algumas vezes acaba dando dinheiro por se sentir coagida. Apesar de não concordar com esse tipo de cobrança, entende que existem muitos problemas sociais que envolvem essa realidade.

Para muitos, este trabalho é a única fonte de renda da família

O agricultor Sebastião Dingot vem toda semana de Cerro Azul, na região do Vale do Ribeira, para trabalhar como guardador de motos no centro de Curitiba. Ele conta que ficou sabendo do “ponto” por um colega que atua em uma rua próxima. Sebastião chega a ganhar R$ 20 por dia, mas o rendimento não é suficiente para o seu sustento. Por isso, volta para Cerro Azul nos finais de semana para trabalhar na lavoura. O guardador disse que nos seis meses em que está na rua nunca presenciou qualquer tentativa de roubo ou assalto. Mas se isso acontecer, “eu vou chamar a polícia, porque geralmente essas pessoas estão armadas e eu não vou colocar minha vida em risco”.

Mais experiente que Sebastião, o guardador José Antônio dos Santos está há dez anos no mesmo ponto, próximo ao Teatro Guaíra. Ele garante que é conhecido de todos os “malacos” que atuam na região, e por isso eles não irão mexer nos veículos da sua área. José – que chama os orientadores de trânsito da Diretran de concorrentes – diz que ganha uma média de R$ 15 por dia.

A opção de trabalhar como guardador foi a última escolha de Antônio Adir do Santos, que não conseguia emprego na construção civil. Há três semanas atuando em uma quadra no Centro Cívico, Antônio disse que, quando ganha bem, consegue levar para casa R$ 12,00. Esse dinheiro, afirmou com lágrimas nos olhos, não é suficiente para sustentar a mulher e dois filhos. Quando questionado sobre como agiria em um situação em que um carro estivesse sendo roubado, ingenuamente, disse que “anotaria a placa do carro e avisaria o dono”.

Organização

O presidente da Associação Curitibana dos Guardadores de Veículos – Amigos do Trânsito, Alberico Ventura do Nascimento, estima que cerca de 2,5 mil pessoas atuam nas ruas da capital como guardadores. Mas, na associação, apenas 90 estão cadastradas. Ele disse que esse baixo número é porque a associação está retomando as atividades, que ficaram paradas por muitos anos.

Para se cadastrar na associação, o guardador precisa apresentar documentos pessoais, comprovante de endereço e antecedentes criminais. A mensalidade é de R$ 6, e o associado conta com assistência jurídica, ganha um colete e identificação. Alberico falou que a intenção da associação é regularizar a situação desses trabalhadores, e mais tarde, pedir o apoio da polícia para fiscalizar quem não estiver cadastrado.

Outra proposta da associação é que os guardadores pudessem comprar os cartões de estacionamento da Urbs com valor subsidiado, para ganhar um pouco mais com o valor da venda do cartão. Além disso, propõe a emissão de um alvará para que eles possam atuar em pontos determinados. Isso, acredita Alberico, poderia reduzir o número de pessoas mau intencionadas que estão nas ruas. “Hoje o cara que foge da penitenciária ou quer comprar drogas, está em um ponto dizendo que está cuidando de carros. Isso precisa acabar”, afirmou.

A Urbs informou, através da assessoria de imprensa, que não tem conhecimento dessa proposta da associação. A empresa estaria finalizando um projeto que pretende acabar com os cartões de estacionamento. A Urbs não quis divulgar detalhes desse novo modelo que deverá ser implantado, segundo ela, em breve nas ruas de Curitiba.

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