Precariedade é o retrato da saúde pública

Com o dedo fraturado, a dona de casa Maria de Souza, de Curitiba, esperou mais de dez horas por atendimento médico. Depois de passar por várias unidades de saúde e duas vezes pelo Hospital do Trabalhador, só foi atendida quando conseguiu um requerimento do posto.

Já a assistente administrativa Neuza Fernandes do Santos não se conforma com o caso do irmão, que sofreu um acidente de moto e ficou mais de seis horas para ser atendido e medicado no Pronto- Socorro do Hospital Cajuru.

A mesma indignação toma conta do aposentado João Laroca, que acompanhou, por mais de três horas, o sofrimento do filho que aguardava atendimento com o ombro fraturado, no mesmo hospital.

Duras histórias como estas, de pessoas que buscam atendimento nos hospitais públicos de Curitiba, se repetem todos os dias. “E o pior não é só a demora, é o descaso com que os funcionários tratam as pessoas que estão nesses hospitais, que são públicos, mas financiados com o dinheiro dos nossos impostos”, declara Neuza Santos.

De acordo com a coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores Estaduais em Saúde (SindSaúde), Elaine Rodella, a rede de atendimento em Curitiba é constituída por hospitais públicos do Estado, município ou federal, como o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, e privados conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Em muitos desses estabelecimentos, afirma Elaine, existem problemas de atendimento, falta de pessoal, precarização nas formas de contrato de trabalho e aplicação de recursos públicos no atendimento privado.

O Hospital do Trabalhador, diz a sindicalista, perdeu o foco da sua finalidade, que era atuar com trauma e saúde do trabalhador. Apesar de não sofrer com falta de profissionais, mantém diversos vínculos empregatícios – cooperativa, estagiário, servidor estatutário e contratados pela Fundação da UFPR/Funpar -que, além de ferir a legislação, provocam rotatividade de funcionários e falta de integração da equipe.

“E isso reflete diretamente no atendimento”, pondera. A realização de concurso público para substituir os trabalhadores vem sendo cobrada pelo Ministério Público do Trabalho desde 2001 e, apesar de o governo do Estado ter se comprometido em atendê-la, ainda não regularizou a situação.

Orçamento destinado à saúde abaixo do estabelecido por lei

Alberto Melnechuck
Neuza Santos (acima) aguardou 6h pelo atendimento do irmão; João Laroca (dir.) acompanhou por 3h o sofrimento do filho.

Grande problema na saúde pública, na opinião da coordenadora do SindSaúde, Elaine Rodella, é que o Estado não cumpre a Emenda Constitucional 29, que determina a aplicação de no mínimo 12% do orçamento no setor. Elaine afirma que desde 2003 os índices não passam de 8%.

O governo, no entanto, estaria maquiando a contabilidade para atingir o que diz a emenda, e coloca como investimentos em saúde gastos que o sindicato não entende como válidos.

Entre eles, a folha de pagamento de aposentados da saúde, gastos com o Hospital Militar, saneamento básico e sanidade animal e vegetal. “Em 2007, o governo gastou só com uma empresa de publicidade R$ 400 mil para uma campanha contra febre aftosa, e esse dinheiro saiu da saúde”, acusa.

Em relação aos hospitais privados conveniados ao SUS, a sindicalista explica que o Estado, através do Ministério da Saúde, repassa recursos via contratos. “Mas isso deve acontecer enquanto o Estado não tem condições de oferecer os serviços, como leitos e exames. No entanto, não vemos o Estado construindo unidades para diminui,r esses contratos, muito pelo contrário”, afirma a coordenadora.

E o pior, na avaliação da sindicalista, é que os hospitais privados recebem recursos de emendas parlamentares, que é dinheiro público, para investir na compra de aparelhos ou ampliações que irão beneficiar os pacientes de convênios, e não os do SUS. “E ninguém fiscaliza e controla isso”, reclama Elaine Rodella.

Filantrópicos alegam déficit

De acordo com a Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (Femipa), esses estabelecimentos são responsáveis por mais de 45% das internações de pacientes do SUS no Estado.

Só em Curitiba, os filantrópicos responderiam por 53% dos leitos disponíveis para o SUS. Porém, para cada R$ 100 gastos no tratamento de um paciente SUS, o hospital recebe, em média, R$ 60. E essa diferença, afirma o presidente da Femipa no PR, Charles London, é que dificulta os atendimentos, levando à dependência de convênios e doações.

Sobre as acusações do SindSaúde, que hospitais que recebem verbas públicas financiam obras que beneficiam pacientes particulares, London rebate: “Deve ser uma exceção. A maioria dos hospitais é obrigada a direcionar os recursos”.

Secretaria da Saúde defende qualidade no atendimento

A Secretaria da Saúde do Paraná (Sesa), através de sua assessoria de imprensa, defende que o Hospital do Trabalhador (HT) é reconhecido no Estado e fora dele pela qualidade prestada no atendimento, além de ser referência para o tratamento de traumas e emergências.

E que na busca pela qualidade no atendimento, o HT agregou parceiros, colaboradores de várias origens, sem que isso gerasse “conflito de interesse entre esses múltiplos profissionais servidores públicos; celetistas disponibilizados pelo município e profissionais médicos contratados pela Funpar”.

A Sesa garante que, além dos funcionários aprovados no concurso realizado em 2004, outros serão contratados mediante novo concurso, que ainda não tem data para acontecer.

Quanto à fiscalização na aplicação de recursos (emendas parlamentares), a Sesa alega que a mesma é responsabilidade das assembléias legislativas federais e estaduais e até mesmo das câmaras municipais, além do Conselho Municipal de Saúde e dos ministérios públicos Federal e Estadual.

Já com relação aos investimentos, a secretaria informa que a rede de assistência do Paraná é predominantemente filantrópica (sem fins lucrativos). O que está sendo feito é a inclusão de recursos do Estado na assistência a usuários do SUS, através da contratualização.

Ainda assim, segundo a Sesa, o governo vem investindo na construção de novos hospitais. Sobre a Emenda 29, a Sesa afirma que o governo do Paraná cumpre com o compromisso estabelecido pela mesma, apesar de a emenda não estar regulamentada, o que abriria brechas para discussões sobre o que é gasto com saúde.