Um drama todo dia

Pessoas com deficiência não aparente enfrentam desconfiança

Ser portador de necessidades especiais (PNE) ou de doença crônica já não é fácil. Quando a deficiência é aparente, muitos até conseguem a ajuda e compreensão de outras pessoas. Mas aqueles em que a deficiência não é aparente fisicamente acabam passando por situações constrangedras.

Um exemplo é o da estudante Eduarda Bonini, 17 anos, que possui uma doença nos olhos chamada ceratocone, que retirou dela boa parte da visão. Óculos não resolvem o problema, apenas uma lente de contato especial, que na maioria das vezes ela não consegue usar porque dá alergia.

A mãe da jovem, a dona de casa Claudenice Bonini, 34 anos, diz que, por não ser aparente, nem todo mundo percebe a doença. Muito menos Eduarda gosta de ficar falando aos quatro ventos o que tem. Por isso, já passou constrangimentos com professores e até parentes, que ficam perguntando porque ela faz tantas caretas, fica forçando a vista ou olhando de um jeito engraçado.

“Quando ela fala da doença, as pessoas às vezes não acreditam. Por isto ela prefere se calar”, explicou a mãe. A mãe só a manda pras atividades necessárias, como a escola, cursos extras, consultas médicas, etc., ou quando algum familiar pode estar junto.

Meia entrada com pé atrás

Quem também já passou por constrangimentos, tendo que provar a deficiência pra ter acesso aos seus direitos, é o contador Ademar Bueno, 33 anos. Ele possui artrite reumatóide e usa muletas. Uma vez ele comprou um ingresso pro teatro. A lei federal 12.933/2013 garante que os PNE têm direito a meia entrada. Quando ele pediu o desconto, o vendedor perguntou porquê.

Ademar teve que ficar explicando seu problema no microfone do guichê, com todos na fila atrás ouvindo. “Ele (o vendedor) me olhou de cima até embaixo. Me vendeu a meia entrada, mas desconfiado. É sempre assim. Muitas vezes, o constrangimento nem é verbal. As pessoas ficam te olhando estranho, a expressão corporal delas mostra que não estão confortáveis com você”, desabafou o contador.

Acessibilidade

Cadeirantes, por exemplo, deveriam ter uma ala separada, com fácil acesso ao banheiro, ao invés de ficar misturados no meio do público. O próprio Ademar sente dificuldade de ficar em pé com os outros espectadores, devido às dores que sente. “Eu não quero conforto e privilégios. Só quero ver o show. Hoje em dia, se eu quero um canto adequado pra ficar numa casa noturna, por exemplo, tenho que pagar um camarote, que custa caro. Não tenho esse dinheiro”, lamentou.

Hora de sair e reagir

A jornalista Adriana Czelusniak, da Associação de Pais Para o Autismo (APPA), diz que já passou a época dos pais ficarem trancafiados dentro de casa, pra evitar que seus filhos com necessidades especiais passem por constrangimentos em ambientes públicos. “Hoje temos mais mães com coragem de sair com as crianças, mais confiantes em reagir às discriminações. Quando isso acontece, na maioria das vezes as pessoas acabam pensando no que fizeram e pedem desculpas. Estamos tentando acelerar esse processo de inclusão na sociedade”, diz Adriana.

No caso da jornalista, muitas pessoas num restaurante, por exemplo, não entendem por que o filho dela, de 10 anos, levanta de tempos em tempos, anda, bate palmas e volta à cadeira, já que a deficiência dele não é aparente fisicamente. Ela explica que as pessoas com autismo, em geral, não suportam som alto, tem medo do escuro e não conseguem ficar muitas horas sentados. Pra que estas pessoas tivessem mais acesso à cultura, por exemplo, os cinemas poderiam fazer sessões especiais pras pessoas com autismo, uma vez por mês, assim como já existe o Cinematerna, uma sessão de cinema especial pra mães com bebês.

Dificuldades nos ônibus

Pegar ônibus também é difícil. Ele mora no Umbará e as vindas ao centro são viagens doloridas. ,“Quando consigo uma cadeira pra sentar, tudo bem. Mas quando vou em pé, sacolejo que nem um cabrito nessas ruas de antipó ou esburacadas”, relatou Ademar.

O contador também já trabalhou no transporte coletivo de Curitiba e via sempre a dificuldade dos deficientes físicos. Ele diz que estes elevadores de tubos e ônibus vira e mexe quebram. Pra ser consertados, precisam de licitação, um processo que às vezes dura meses com o equipamento parado.

Projetos

Dois vereadores já propuseram dois projetos de leis: um deles prevê que o cartão transporte de portadores tenha identificação (a lei passou e depende da aprovação do prefeito); outro propõe que o carnê do IPTU seja escrito em braile.

A Urbs já possui um procedimento pra ceder o cartão de isento a pessoas com deficiências ou patologias crônicas. Primeiro, a pessoa procura um Centro de Referência e Assistência Social (Cras). Depois de comprovar a renda familiar, é encaminhado ao serviço de saúde pública. Com o laudo positivo, a pessoa vai à Urbs pra adquirir o cartão.

Pais de crianças com autismo organizaram protesto.

Discriminação no shopping

Recentemente, um rapaz de 20 anos, portador de autismo, e sua mãe, passaram por um constrangimento dentro de um shopping no Batel. Por causa de seu problema, misturado a outras doenças – que não são aparentes fisicamente – o rapaz solta alguns pequenos gritos. Mãe e filho estavam numa cafeteria do shopping, quando, segundo a mãe, o próprio diretor do estabelecimento reclamou dos gritos do rapaz e pediu que ela o controlasse. Já a versão dada pela direção do shopping diz que o ocorrido não foi bem assim e que tudo não passou de um mal entendido.

Mas, como resultado do que aconteceu, a Associação de Pais Para o Autismo (APPA) decidiu fazer um protesto pacífico. Uma semana depois, levou crianças e adolescentes com autismo pra uma tarde de brincadeiras dentro do shopping. Foi uma forma de protesto.

A jornalista Adriana Czelusniak tem um filho de 10 anos com autismo e faz parte da APPA. “Ele tem um carro no nome dele. Foi comprado com isenção de IPI, ICMS e eu também não pago IPVA, pois a lei garante que veículos que transportem pessoas com deficiências têm todos estes direitos”, explicou a jornalista.

É o seguinte!Ter alguma deficiência aparente já é complicado. Imagina quando ela não aparece. Quanta humilhação, quanto constrangimento. Precisamos mudar o conceito sobre os Portadores de Necessidades Especiais (PNE) em todos os setores. A começar por quem faz as leis.

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