Ocupação da Araupel deixa região sob tensão

A tensão tomou conta dos arredores da Fazenda Araupel (subdividida em Rio das Cobras e Pinhal Ralo), no município de Quedas do Iguaçu, durante todo dia de ontem. Boa parte dos 53 mil hectares da área de propriedade da empresa Araupel foram ocupados por cerca de 1.500 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no sábado. No local, a empresa tem seus armazéns, depósitos de maquinário e unidade de seleção de sementes. Outras setecentas famílias já estavam acampadas na propriedade desde 1999. O não cumprimento de uma ordem de reintegração de posse dessa parte da fazenda gerou, inclusive, a aprovação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de um pedido de intervenção federal no Paraná.

No sábado quase aconteceu um conflito entre os sem-terra e funcionários da Araupel. A Polícia Militar foi chamada a intervir. Ontem cerca de cem policias continuavam na fazenda para evitar maiores problemas. Segundo o comandante da PM de Quedas do Iguaçu, Sérgio Borges, o risco de conflito na região ainda é grande.

Para o gerente de Recursos Humanos da Araupel, Alberto Pius, o risco de um conflito não pode ser descartado. Ontem a empresa entrou com pedido de reintegração de posse na Vara Cível de Quedas do Iguaçu. “Fizemos um protesto na sede da empresa, que fica na fazenda distante uns três quilômetros do local invadido”, contou, destacando que participaram cerca de mil pessoas. “Está faltando vontade política para se cumprir as reintegrações”, reclamou. A Araupel trabalha há trinta anos com agricultura e manufaturados de madeira para exportação, principalmente para os Estados Unidos.

Risco de conflito

Um dos líderes estaduais do MST, Pedro Bernardo dos Santos, que está na área ocupada, disse que os trabalhadores não querem conflito. Na tarde de ontem ele afirmou que a situação na Fazenda Araupel já era mais tranqüila. “A empresa está prometendo mobilização. Mas não acreditamos em conflito”, disse. Outro integrante do MST, Elemar Cezimbra, salientou que o movimento confia no governo federal e que está é a grande oportunidade para que a reforma agrária saia do papel. Ele contou que entre 15h e 16h de sábado, trabalhadores e funcionários da empresa estiveram perfilados a ponto de iniciar um conflito. “Eles ficaram encarando a gente por volta de uma hora. Mas depois os dois lados recuaram”, explicou, acrescentando que já considera a Fazenda Araupel como área para assentamentos. “É uma situação praticamente irreversível. E com essa área, grande parte dos problemas do campo no Estado seriam resolvidos”, disse.

O presidente da Comissão Especial de Mediação das Questões Agrárias no Paraná, Padre Roque Zimmermann, acredita ser difícil acompanhar o ritmo das ocupações no campo, que cresceram muito no primeiro semestre deste ano. O governo estadual tem um plano de emergência para atenuar os problemas agrários no Paraná. A intenção é comprar áreas para fazer assentamentos provisórios. Os recursos viriam do governo federal. Já foram pedidos R$ 200 milhões, que atenderiam 3 mil famílias até o final de 2003. O primeiro assentamento provisório deve ser na Fazenda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Ponta Grossa.

Quatro sem-terra foram presos

O coordenador do MST, Elemar Cezimbra, disse que a fazenda da Araupel foi “grilada”, o que justificaria a ocupação. “É uma justiça histórica”, argumentou. Desse total, 28 mil hectares já foram desapropriados – os valores estão sendo discutidos na Justiça – para se instalar o Assentamento Ireno Alves, em 1997, que abriga 1.504 famílias. Segundo Cezimbra, outros sem-terra estavam chegando para engrossar a ocupação.

Cezimbra disse que a orientação no movimento é não portar armas, com exceção daquelas necessárias ao trabalho – facão, foice e enxada.”Mas sempre tem alguns armados”, lamentou. Na manhã de sábado foram presos Vilmar da Rosa Machado com um revólver calibre 38, Valdecir Aléssio, com uma carabina 38, e Celso Aléssio, com uma pistola 6.35. Ontem foi preso Paulo César Sampaio, com uma espingarda 40. Todas as armas têm numeração raspada. Eles estão na Delegacia de Quedas do Iguaçu, à disposição da Justiça.

“Somos uma empresa sitiada”, disse o advogado da Araupel, Paulo Macarini. Segundo ele, os sem-terra invadiram um armazém e ameaçavam ocupar o complexo industrial de manufaturados de papel. O coordenador do MST negou intenção de paralisar a produção ou de ficar com o maquinário que está no armazém.

De acordo com Macarini, a fazenda foi comprada do grupo Votorantim em 1972 e é propriedade privada há mais de 100 anos. Segundo o advogado, ela tem 24,5 mil hectares de mata nativa e reserva legal, 21 mil hectares de reflorestamento e 6,5 mil hectares com agricultura. Hoje a empresa receberia da Federação das Indústrias do Paraná um prêmio por ser um dos maiores exportadores do Estado, com US$ 50 milhões anuais.

Governo marca reunião de urgência

A Secretaria de Estado da Segurança Pública marcou uma reunião, em caráter de urgência, para hoje, às 14h, em Curitiba, para solucionar o problema da invasão de terras da Fazenda Araupel, em Quedas do Iguaçu, no Sudoeste do Estado. A situação será discutida entre o procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Marés, a ouvidora-adjunta da Ouvidoria Agrária Nacional, Maria de Oliveira, e a diretoria da fazenda. Também participam da reunião o procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda, e o superintendente regional do Incra, Celso Lacerda.

De acordo com o secretário da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, o Incra demonstrou disposição em adquirir parte da propriedade para promover o assentamento das famílias que ocuparam a área. “A conduta do MST é reprovável porque vai contra um processo amplo e claro de negociação no Paraná”, observou Delazari.

O governador Roberto Requião salientou que é necessário uma ampla negociação com o Movimento. “Até mesmo para cumprir a reintegração de posse é preciso diálogo, para que a solução pacífica seja encontrada, e conflitos sejam evitados”, comentou.

Após a reunião, membros da Comissão de Mediação da Terra devem ir à região para tranqüilizar a relação entre funcionários da empresa e trabalhadores sem terra. Cento e quarenta homens da PM de Foz do Iguaçu e Cascavel cercaram a área para manter a segurança e evitar conflitos na região. Por determinação do secretário da Segurança Pública, a Polícia Militar também promoveu revistas na região e apreendeu armas.

Investigação

O secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, determinou ontem uma rigorosa investigação sobre denúncias de que a empresa Araupel estaria financiando as Polícias Militar e Civil da região Sudoeste do Paraná. “Isto é inadmissível. Se isto está acontecendo, é sem o conhecimento da Secretaria”, lembrou o secretário.

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