O Estado, 52 anos lidando com a verdade

Demite-se o gabinete de Gasperi e Tropas soviéticas na fronteira do Irã. Essas foram as primeiras manchetes de O Estado que começou a circular em 17 de julho de 1951. O primeiro editorial, Rumos e diretrizes, assumia o compromisso de informar de forma atualizada, dinâmica e, principalmente, de forma independente. Compromisso seguido até hoje pelos jornalistas da casa. Na edição de hoje, que comemora os 52 anos de circulação ininterrupta, a manchete Cartões de créditos nas garras do Leão aborda como a Receita Federal vai fechar o cerco a contribuintes que gastam mais do que declaram ao Fisco.

Dezoito anos depois da fundação fazia-se um balanço e ao mesmo tempo uma homenagem á atuação dos profissionais de O Estado. “Para quem vê o repórter e o fotógrafo com aquelas suas caras de quem não têm coração pode ser quase impossível compreender de que maneira eles se misturam numa favela, num albergue, numa prisão, no meio de um acidente horroroso, entre crianças abandonadas e marginais, entre velhos carcomidos dando duro no trabalho mais humilhante, no meio da desgraça (alheia?), parecendo invulneráveis. Mas (estão aí as estatísticas que o digam), esta é uma das profissões que mata mais cedo. O que importa é abrir os olhos dos outros, alertar, denunciar, explicar, mostrar o outro lado, fazer com que o homem se interesse pela sua humanidade. E, para isso, fecha-se o coração que vai batendo cada vez mais apertado”, publicava o jornal.

A eficiência e a agilidade dos profissionais do jornal ficaram marcadas já nos primeiros anos de trabalho. Uma das coberturas que merecem destaque é a morte de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. O Estado circulou em edição extra. No dia do suicídio os jornalistas ficaram até as 5h de plantão. Na cobertura, até o pessoal de esportes ajudou. A eficiência foi tanta que o comandante da 5.ª Região Militar ficou sabendo através do jornal.

Comando

Paulo Pimentel, diretor-presidente do Grupo Paulo Pimentel, hoje afastado do cargo para exercer a presidência da Companhia Paranaense de Energia, Copel, já falou a dezenas de repórteres aqui mesmo do jornal por mais de meio século sobre a importância de O Estado, que foi o grande embrião de todo o grupo de comunicação. O mérito deste “vovô” do GPP, segundo Pimentel, foi “ter sobrevivido à perseguição política imposta a partir de 1974 pelo governador Canet Jr. e o prefeito de Curitiba na época, Saul Raiz”.

Paulo Pimentel não esquece os dias difíceis que enfrentou: “Por causa de uma injusta irritação com o político Paulo Pimentel, eles atingiram centenas de famílias, de trabalhadores que não tinham nada a ver com a história”, comenta. “Eles poderiam ter me combatido de outra maneira, talvez eu até abrisse mão de algumas coisas.”

Vieram os boicotes, a cassação da concessão da Rádio Iguaçu (ex-Guairacá), mas o maior golpe sofrido pelo Grupo Paulo Pimentel foi a retirada do contrato de afiliação da TV Iguaçu à Rede Globo, pelo então ministro Ney Braga, que era ligado a Canet e Raiz, e a sua posterior transferência para a TV Paranaense. “Nos tiraram a Globo quando a gente mais precisava”, lembra. “Ficamos quase sem nada, enquanto eles recebiam tudo. Por isso tivemos que sobreviver por nossa própria conta.”

Segundo o ex-governador Paulo Pimentel, esse trauma contribuiu para a consolidação da postura independente do jornal. “Mesmo na época mais crítica da ditadura, dávamos um jeito de tapear a censura sempre que era possível. Também não fui poupado, nem quando fui governador. E depois, com a abertura, sempre fizemos questão de manter nossa personalidade.” Ele conta que essa filosofia já lhe rendeu diversas críticas de outros empresários e políticos. “Chegaram a dizer que eu não controlava os meus funcionários”, comenta, sorridente. “Respondi que conduzo a empresa, mas preciso da independência e da autonomia dos meus profissionais. Porque é isso que dá credibilidade aos jornalistas, e só queremos fazer jornalismo.”

Desafio atual

Passados os anos de chumbo e cessada a perseguição política, o maior desafio a ser enfrentado hoje pelos empresários da comunicação, particularmente da imprensa escrita, na opinião de Pimentel, é conciliar a diminuição dos custos com a manutenção da qualidade. “Utilizamos grande quantidadede materiais, e todas as transações são feitas em dólar. Como não temos como repassar esses custos nem para os anunciantes nem para os assinantes e muito menos para a venda avulsa, absorvemos todo o impacto.” Isso deixa boa parte dos jornais operando no vermelho.

Por isso, na opinião do empresário, o futuro dos jornais é se unir a outros grupos de comunicação e criar uma espécie de cooperativa. Cita os exemplos de O Globo, Zero Hora, Correio Braziliense, Estado de Minas e O Estado de S. Paulo. “Eles criaram um pool de vendas em todo o Brasil: cada parceiro ajuda na comercialização dos outros veículos, além de compartilhar suas agências e unificar suas ações mercadológicas”, explica.

Paulo Pimentel, contudo, sempre acreditou no jornalismo impresso. Ele comenta que nem internet, nem televisão ou outras formas de comunicação que vierem a surgir podem fazer frente ao jornalismo impresso. “O jornal é o meio de comunicação mais confiável, pela possibilidade de se aprofundar na notícia. Além disso, o jornal perpetua a informação. Temos aqui no arquivo o registro praticamente diário de tudo o que aconteceu ao longo de mais de meio século. No rádio ou na TV, a informação se esvai no ar”, conclui.

Cobertura completa garante credibilidade

Durante os 52 anos de existência, O Estado sempre manteve informado seus leitores sobre todos os acontecimentos. Não há duvidas de que o jornal foi considerado um dos mais lidos do Paraná, devido a sua cobertura completa na capital e também no interior. As quinze sucursais espalhadas pelo Paraná marcavam todos os dias as páginas de O Estado com informações inéditas.

Segundo a editora, Ieda Matias, o trabalho das sucursais era tão sincronizado que na maioria das vezes quando uma descobria alguma notícia a outra já tinha feito toda a cobertura jornalística. “Conseguíamos noticiar praticamente todos os acontecimentos do Paraná”, diz Ieda.

Entre os assuntos destacados pela editora e registrados no jornal estão as dezenas de invasões de terras, culminando com o prêmio Esso regional conquistado pelo jornalista Mauri König. O repórter da Sucursal de Foz do Iguaçu trabalhou uma matéria que lhe rendeu prêmio, mas anteriormente muitos dissabores. Aos 34 anos de idade, Mauri foi espancado e quase estrangulado no Paraguai por três homens, um deles vestido de policial. Ele fazia uma reportagem sobre o recrutamento irregular de jovens brasileiros para o serviço militar nas Forças Armadas paraguaias.

Foi perto da colônia San Alberto, a 80 quilômetros de Foz. König já havia confirmado as irregularidades um dia antes em outra cidade paraguaia, junto com o fotógrafo Nilton Rolin. No dia da agressão, buscava mais evidências em outras delegacias próximas da fronteira. Sozinho no carro do jornal, König foi parado numa suposta barreira policial. A partir dali, o jornalista ficou entregue à sorte. Foram dez minutos de espancamento, com uma saraivada de pontapés, golpes de madeira e corrente nas costas, pernas, abdome e braços. Laudos médicos indicaram quase cem hematomas. Durante a agressão, um dos homens tentou estrangulá-lo com a mesma corrente com que o golpeavam.

Várias entidades nacionais e internacionais manifestaram solidariedade ao repórter e cobraram providências do governo do Paraguai. O caso foi investigado pelo Ministério Público do país, mas ficou sem solução.

Cercado de cuidados, três meses depois do ocorrido, Mauri voltou a investigar o assunto e colher informações para uma nova reportagem. Depois de ouvir 32 fontes durante dois meses e passar três dias colhendo dados em Assunção, König acabou desvendando segredos há muito guardados pelos militares paraguaios. O resultado do trabalho foi publicado numa reportagem de três páginas na edição do dia 22 de abril de 2001.

König constatou que jovens brasileiros não estavam sendo apenas recrutados de forma ilegal, como também estavam sendo explorados, maltratados e até mortos nos quartéis paraguaios. O repórter chegou até a publicar a relação de nomes dos 109 recrutas mortos com idade entre 12 e 18 anos, desde 1989. Dois deles eram brasileiros, um argentino e os demais paraguaios.

Censura começou na nossa Redação

No período mais tenebroso da ditadura militar, quando as garantias constitucionais foram suspensas com a edição do Ato Institucional n.º 5, o governo Médici criou um dos expedientes mais aviltantes para o jornalismo brasileiro: a censura prévia. E o primeiro jornal a contar com o indesejável censor não foi Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Estadão, Zero Hora, O Globo ou qualquer outro grande jornal de circulação nacional. Foi O Estado, em 1971, por determinação expressa de Brasília. A informação é do diretor de Redação do jornal, Mussa José Assis, que conta a seguir como tudo aconteceu:

“O jornal adotava uma postura crítica em relação ao governador Haroldo Leon Perez (Arena), combatia-o com firmeza; o atrito repercutiu em Brasília, tanto que o ministro da Justiça na época, Alfredo Buzaid, ordenou a instauração da censura prévia no jornal”, relembra. “Depois a figura do censor nas redações foi estendida aos demais jornais do País.”

Mussa conta que a primeira conseqüência visível da atitude foram os “brancos”, os espaços que ficavam no lugar dos trechos vetados pelos censores. “Houve então uma determinação federal para que não fossem deixados espaços em branco nos jornais; foi a partir daí que o Estadão começou a preencher esses espaços com Os Lusíadas, de Camões; o Jornal da Tarde passou a publicar receitas culinárias, a Veja os decorou com a arvorezinha da Abril…” Como esses veículos, O Estado também encontrou maneiras de driblar a censura: “Usávamos muitas metáforas, trabalhávamos a manchete, publicávamos fotos em situações ridículas”, enumera o diretor de Redação. “Mas não tinha muito o que fazer; se o censor percebesse, poderia apreender ou atrasar o jornal.” Como o censor perdia muito tempo conferindo página por página, foi feito um “acordo de cavalheiros” com o agente do governo militar: “Nos comprometemos a não colocar notas ou notícias de conotação política nos outros cadernos; assim, o censor poderia conferir apenas as páginas políticas”.

Mesmo assim, de vez em quando o jornal publicava uma manchete de “protesto”, como esta, que retrata bem o espírito da época: “Retiramos um trecho de um discurso do governador Haroldo Leon Perez e o reproduzimos na manchete ? ?Que Deus nos ajude!?”, recorda. Apesar da pressão, O Estado, nas palavras do seu diretor de Redação, conseguia manter uma postura de “independência censurada”: “Cobríamos o que era possível, e chegamos a ganhar um prêmio Esso pela foto de uma manifestação estudantil”, diz, referindo-se à célebre foto do estudante enfrentando com um estilingue um policial montado e armado, que rendeu a Edison Jansen o Prêmio Esso de Fotografia de 1968. “Ou seja, tentamos acompanhar a vida do País, na medida do possível.”

A censura prévia durou até o começo do governo Ernesto Geisel ? época da “abertura lenta e gradual”. “O Estadão publicou uma série de três reportagens sobre as mordomias da administração pública, intitulada Os Superfuncionários”, conta Mussa. “Quando saiu a primeira matéria anunciando que ela teria seqüência, todos pensamos que tinha sido um descuido, e que a série não teria continuidade; como foram, foi a senha de que a censura estava afrouxando.”

Mussa identifica o período de vigência do AI-5 como a fase mais difícil atravessada pelos jornalistas e pelo próprio O Estado. “Vivíamos em estado de tensão permanente; tudo era proibido, todos os dias éramos cobrados, os chefes viviam respondendo a inquéritos… Foi uma época dura, mas conseguimos manter nossa personalidade”, arremata.

Política, uma das marcas editoriais

A política é uma das marcas de O Estado. Um dos fatos políticos marcantes nos 52 anos de nossa história foi a Constituição de 1988, uma aspiração de muitos anos da comunidade brasileira. As páginas de O Estado deixaram registradas a Assembléia Nacional Constituinte, que foi legalmente convocada, eleita e promulgada no governo José Sarney. Pela primeira vez na história de um documento oficial, foi permitida a incorporação de emendas populares. Mas, infelizmente, boa parte dos dispositivos constitucionais até hoje depende de regulamentação.

Foi mantida a tradição republicana brasileira do regime representativo, presidencialista e federativo. Nessa constituição foram fortalecidos os direitos individuais e as liberdades públicas, restringidas durante a legislação do Regime Militar. A nova Constituição garantiu a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Conservou o Poder Executivo forte, permitindo medidas provisórias com força de lei que vigoram por um mês e podem ser reeditadas enquanto não forem aprovadas ou rejeitadas pelo Congresso. O voto facultativo é estendido aos a analfabetos e maiores de 16 anos.

Fixou ainda a educação fundamental como obrigatória, universal e gratuita. Garantiu a defesa do meio ambiente, transformando o combate à poluição e a preservação da fauna, flora e paisagens naturais em obrigação da União, estados e municípios. Reconheceu também o direito de todos ao meio ambiente equilibrado e a uma boa qualidade de vida. Determinou que o poder público tem o dever de preservar documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como os sítios arqueológicos.

Reformas

Começaram a ser votadas pelo Congresso Nacional em 1992. Entre as principais medidas foram abertas para a iniciativa privada atividades antes ao Estado, adequando o País às regras econômicas do mercado internacional. Foi liberada a navegação pela costa e interior do país (cabotagem) para embarcações estrangeiras. Eliminou-se o conceito de empresa brasileira de capital nacional, e acaba a distinção entre empresa brasileira e estrangeira. A iniciativa privada, tanto nacional quanto internacional, é autorizada a explorar a pesquisa, a lavra e a distribuição dos derivados de petróleo, as telecomunicações e o gás encanado. As empresas estrangeiras adquirem o direito de exploração dos recursos minerais e hidráulicos.

Na política, ocorre a regulamentação de questões eleitorais, o mandato do presidente da República é reduzido de cinco para quatro anos e, em 1997, é aprovada a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos. Candidatos processados por crime comum não podem ser eleitos, e os parlamentares submetidos a processo que possa levar à perda de mandato e à inelegibilidade não podem renunciar para impedir a punição. A Constituição também passa a admitir a dupla nacionalidade para brasileiros em dois casos: quando esses têm direito a outra nacionalidade por ascendência consangüínea ou quando a legislação de um país obriga o cidadão brasileiro residente a pedir sua naturalização.

Vitória do ex-torneiro mecânico

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi o fato mais marcante das eleições de 2002. Depois de três tentativas frustradas, o ex-torneiro mecânico do ABC paulista tornou-se o primeiro presidente da história republicana oriundo da classe operária. Os eleitores brasileiros votaram, em primeiro turno, no dia 6 de outubro para eleger o novo presidente da República e os governadores dos estados e do Distrito Federal para os mandatos de 2003 a 2006.

No mesmo dia definiram também os deputados federais e estaduais e dois terços dos senadores que compõem a nova legislatura. No dia 27 de outubro, o eleitorado voltou às urnas em todo o País para escolher entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB) para presidente da República. O número de eleitores habilitados foi de 115.254.113, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) . Lula foi eleito com 52.793.364 contra 33.370.739 de José Serra. Só no Paraná foram 2.929.427 59 para Lula, contra 2.017.198 40,78 votos de José Serra.

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