Línguas nativas estão em extinção no Paraná

A predominância do português e espanhol tem contribuído para a extinção de diversas línguas indígenas nativas na América Latina. Só no Brasil, são 180 e, das cerca de 7 mil línguas faladas hoje no mundo, muitas desaparecerão ainda neste século. Esses dados fazem parte de uma pesquisa da National Geographic Society e do Instituto Living Tongues, que identificou as regiões mais vulneráveis ao desaparecimento de línguas. De acordo com o cálculo, uma língua morreria a cada 14 dias.

O estudo afirma que a política governamental força as tribos a abandonarem seus tradicionais modos de vida e a destruir seu ecossistema natural em troca de ganhos econômicos. A língua estaria dentro desse processo, no qual as tribos abandonariam suas línguas naturais para integrar-se ao português ou espanhol ou, ainda, linguagens indígenas de maior abrangência, como o guarani, no caso do Brasil.

Entre as áreas consideradas de grande ameaça às línguas, estão Mato Grosso do Sul, onde hoje menos de 20 pessoas falam ofaié (tribo ofaié ou opaié) e menos de 50 falam guató (tribo guató), além de Rondônia, em que apenas 80 pessoas se comunicam pela wayoró, língua indígena falada nas proximidades do Rio Guaporé.

Para o assessor de assuntos indígenas da Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Estado, Edívio Battistelli, a ampliação do conhecimento dessas línguas é importante para a própria sobrevivência dos povos. ?A língua é a maior fronteira étnica do Sul do País e o fortalecimento desse aspecto significa fortalecer esse povo?, acredita. Segundo ele, o ensino da língua materna deve ser enfatizado no ensino das 29 escolas indígenas do Paraná.

Escolas indígenas

Essa ênfase é uma das tentativas da Coordenação de Educação Escolar Indígena do Paraná. ?A escola consiste em um espaço organizado para revitalizar a língua, onde se podem trabalhar tanto aspectos da oraliade quanto o registro escrito e por imagem?, explica a coordenadora Cristina Cremoneze.

Em muitas tribos, a orientação aos professores bilíngües (que ensinam português e a língua materna das comunidades) é que a língua materna seja explorada ao máximo, trabalhando-a na alfabetização, para que o português seja a segunda língua dessas crianças. ?Tudo depende do comprometimento das comunidades e de parcerias com órgãos governamentais, pois a educação deve ser construída com os principais interessados e a organização social deve ser respeitada?, defende.

A coordenadora aponta que uma grande dificuldade é a falta de material na língua materna que incentive a leitura. Para elaboração de um material, é preciso muita negociação: há quatro variações da língua caigangue e três da guarani e ninguém quer abrir mão da sua. ?O professor bilíngüe não pode apenas passar o conteúdo, ele é também um pesquisador, que deve entender as variações e trabalhar em cima disso. Não se pisa, assim, na identidade de cada grupo?, explica Cristina.

Remanescente

É na terra indígena Rio das Cobras, área de Laranjeiras do Sul (PR), que vive Kwein, último falante da língua xetá. Ele mora com os caigangues, pois seu povo foi exterminado na década de 1950 e os sobreviventes vivem hoje espalhados pelo País.

Segundo o professor Aryon Rodrigues, do Laboratório de Línguas Indígenas (Lali) da Universidade de Brasília (UnB), o processo pelo qual passa a língua xetá é irreversível. Existem os descendentes de falantes de xetá, mas que são falantes passivos. ?Nossa tentativa é registrar e documentar essa língua, usando gravações que fiz nos anos 60s e 70s?, diz.

A perda do conhecimento dessa variedade de línguas acarreta o desaparecimento de muitos aspectos culturais dos diferentes povos. De acordo com o Lali, nas últimas décadas já ?morreram? várias línguas indígenas brasileiras, como o umutína (família boróro, tronco macro-jê, no Mato Grosso), o baré (aruák, no Amazonas) e o máku (em Roraima). ?Os pais, que são fundamentais para repassar o conhecimento da língua aos filhos, acham que não vale a pena e que o importante é o português. E assim perde-se toda a memória cultural e perde-se o próprio povo com a extinção da língua?, lamenta Rodrigues.

Pesquisador quer gramática de caigangue

Pensando em preservar a riqueza lingüística e cultural da tribo caigangue, que tem aproximadamente 10 mil integrantes no Paraná, o professor de Lingüística da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Ludoviko dos Santos, teve a iniciativa de elaborar uma gramática pedagógica da língua caigangue.

O objetivo é produzir um material adequado para a utilização dos professores índios. Mas a tarefa não é fácil. ?Lidamos com uma língua para a qual praticamente não se tem material. É diferente de uma gramática da língua portuguesa, por exemplo, em que você tem dezenas de outras gramáticas para consultar?, compara. Cartilhas para os professores aprenderem sobre suas próprias línguas é tudo o que existe hoje na língua caigangue.

Entre as diferenças para o português, está a estrutura da oração, no caigangue. ?Ao invés da ordem sujeito, verbo e objeto do português, eles utilizam sujeito, objeto e verbo sempre no final?, explica Santos. A frase ?a menina pegou o bolo? seria ?a menina o bolo pegou?, em caigangue, que possui 15 vogais e uma diferença maior de sons.

Além do professor, a equipe conta com quatro alunos de mestrado para sistematização do material. Montar um grupo interessado no projeto foi outro desafio. ?Precisei primeiro formar alunos da graduação e incentivá-los a pesquisar o assunto no mestrado?, diz. O trabalho, iniciado em 2003, deve levar no mínimo mais três anos para ser finalizado.

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