Ineficiência jurídica lota as cadeias do Estado

Dos 527 presos em Curitiba entre agosto e outubro deste ano pelo menos 60 deles poderiam estar respondendo o processo em liberdade. Eles praticaram crimes sem grave ameaça ou violência e a pena máxima aplicada seria de até quatro anos de detenção. Se condenados, receberiam penas alternativas prestando serviços à comunidade. No entanto, muitos acabam ficando detidos durante meses, contribuindo para a superlotação nas cadeias. O levantamento é resultado de uma força tarefa que o Ministério Público do Paraná (MP-PR) está fazendo para verificar a situação jurídica dos detentos e dar mais agilidade ao andamento desses processos.

Segundo a promotora Maria Espéria Costa Moura, o trabalho começou em agosto deste ano nas delegacias de Curitiba e agora está finalizando o estudo na região metropolitana. Na capital, dos 527 presos, além daqueles que poderiam estar em liberdade, 94 já têm condenação e deveriam estar cumprindo a pena em uma penitenciária, sendo que quatro deles têm direito a algum benefício como a progressão de pena.

Em 28 municípios da região metropolitana já foi verificado a situação de 700 presos. Notou-se que 43 deles poderiam estar em liberdade porque praticaram crime leves. Outros 148 deveriam estar em penitenciárias porque já foram condenados, sendo que destes, 32 também teriam direito a algum benefício.

Conseqüências

A promotora diz que essa situação não é boa para o preso e nem para a sociedade. “Passar uma semana na cadeia já é complicado, passar um mês ou mais pode provocar uma revolta grande na pessoa, ainda mais porque ela sabe que o seu crime é pequeno. Sai mais revoltada e agressiva do que entrou”, analisa.

Além disto, a promotora lembra que a pessoa é retirada de seu convívio social e perde o seu trabalho, que pode ser o sustento da sua família. “Ele deveria estar na rua, trabalhando e pagando pelo seus débitos em dois ou três anos de serviços comunitários, mas fica seis meses preso. O seu retorno ao convívio social acaba sendo muito difícil”, comenta. Os presos nesta situação têm um perfil comum. São jovens, pobres, não têm dinheiro para pagar um advogado, têm baixa escolaridade e foram abandonados pela família.

Depois que o trabalho for encerrado na região metropolitana ele será estendido para o interior do Estado. Para a promotora, este projeto deveria ser constante, já que as pessoas que entrarem no sistema depois de terminada a análise não serão beneficiadas, a não ser que o convênio com a Secretaria de Segurança Pública e de Justiça seja renovado. Além disto, seria necessário criar núcleos de trabalho permanentes em pelo menos seis grandes cidades do interior.

Faltam defensores públicos no PR

Uma Defensoria Pública melhor estruturada poderia aliviar o problema das pessoas que estão presas provisoriamente e que poderiam estar aguardando a conclusão do inquérito em liberdade. Hoje, 47 profissionais estão atuando em 29 mil processos que estão em andamento. Segundo a chefe da defensoria no Paraná, Silvia Cristina Xavier, seriam necessários pelo menos mais 150 defensores para dar conta de tanto trabalho. Em Minas Gerais, por exemplo, o órgão tem 400 funcionários.

Os 47 defensores não atendem apenas a área criminal, atuam também na cível, familiar, juizados especiais, menores infratores, infância e juventude, delitos de trânsito e a violência doméstica. Silvia afirma que apesar da pouca estrutura, a defensoria vem conseguindo realizar um bom trabalho. Explica que todas as pessoas que procuram o órgão são atendidas, embora reconheça que faltam profissionais para dar mais celeridade aos processos.

Um dos grandes problemas é a falta de regul,amentação. Por isto, o órgão não possui autonomia administrativa e financeira. Quem responde é a Secretaria Estadual de Justiça (Sejus). Na prática, todas as compras precisam ser aprovadas pelo órgão e, se o orçamento está curto, a secretaria prioriza outras aquisições. Além disto, a defensoria necessita de mais computadores e mais espaço. Outro problema é o fato de não existir uma sede fixa do órgão no interior do Estado.

O atendimento é feito por meio de projetos que ocorrem uma vez por mês.

Abusos jogam presos à reincidência

No Brasil, hoje há cerca de 80 mil presos provisórios que, se condenados, teriam direito a penas alternativas, não tendo necessidade de passar pela prisão. No entanto, por falhas no atendimento jurídico oferecido pelo Estado, chegam a ficar vários meses encarceirados. Dados do Ministério da Justiça mostram que o índice de reincidência de pessoas que passaram pelo sistema prisional é de cerca de 70%, enquanto as pessoas que cumprem medidas alternativas em liberdade é de apenas 12%. Para a coordenadora de penas alternativas do Departamento Penitenciário Nacional, Márcia de Alencar, há um abuso hoje no País no número de prisões preventivas. Isto faz com que o sistema carcerário fique superlotado. Em Curitiba, por exemplo, as cadeias abrigam o triplo da sua capacidade. Outro grande problema é o grande volume de prescrições de penas. Márcia comenta que há casos em que a pessoa ficou detida durante dois anos, mas a sua condenação foi 1,6 ano em regime aberto.

“A aplicação da pena perdeu todo o sentido, além de ter privado o detento de uma série de direitos”, comenta. Segundo ela, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, vem promovendo debates para discutir um novo modelo de gestão do sistema prisional, que passa também por mais investimentos na defensoria pública. Na última semana, o Ministério da Justiça realizou um workshop com o tema Segurança com Cidadania na Execução de Penas e Medidas Alternativas (PMAs) com a participação da membros da sociedade e gestores do sistema.

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