Criada há 32 anos, a feirinha é
um poderoso centro comercial.

Ultrapassando a marca de três décadas de existência, a Feira do Largo da Ordem (criada em 1971), carinhosamente chamada de “feirinha de domingo”, mantém-se no pódio dos principais locais de compras de Curitiba. Um feito bastante considerável, sobretudo, se voltar na história e observar os acontecimentos ao longo destes anos. Globalização, instalação de novos shoppings e de uma infinidade de outros estabelecimentos comerciais; nada disso foi capaz de abalar o movimento da feirinha, que a cada domingo recebe, em média, 10 mil pessoas.

Em um dos maiores shoppings da capital, o movimento num domingo normal é de 22 mil pessoas. Todavia, os lojistas precisam desembolsar elevadas quantias para ocuparem e se manterem no ponto. Na feira, segundo a prefeitura, há dois anos não é cobrada nenhuma taxa dos expositores.

Com grande procura e sem cobrar taxas, não é de se estranhar que a disputa por um espaço na feira seja acirrada. Para se ter uma idéia, há mais de dois anos a Fundação de Ação Social (atual responsável pela administração não abre inscrições para novos expositores. Existe uma fila com mais de cem nomes de artesãos inscritos em 2000 que aguardam uma vaga. Todos têm em comum a expectativa de vender seus produtos e prosperar. E, dependendo do que se comercializa e a forma como se administra a “barraquinha”, isso realmente se concretiza.

Alimentos

Na avaliação do fiscal de feiras de artesanato da FAS, Marcel Alexandre Kantikas, o segmento que obtém mais êxito é o alimentício. “É o pessoal das barracas de comida, os que ganham mais dinheiro na feira”, afirma. “A barraca de acarajé, por exemplo, sempre está lotada de pessoas saboreando a culinária baiana”, acrescenta.

De fato, os expositores que lidam com alimentos se mostram bastante satisfeitos com os resultados. Os irmãos Dorli Oliveira e Téo Barcelos possuem uma barraca que comercializa capuccino, café e pastel italiano, há 13 anos, e vendem cerca de 120 salgados por domingo e mais de 60 copos (de vários tamanhos) de café ou capuccino. “A principal fonte de renda da família é a feira de domingo”, asseguram. Os ânimos com os rendimentos proporcionados pelo sucesso da barraca valeram até um nome para o local – Cafeccino. “A junção de café com capuccino”, esclarece Barcelos.

Empanadas chilenas

Mais de 400 empanadas por domingo, a R$ 2,50 cada unidade, é o que o chileno José Antônio Guajardo Cuevas comercializa durante as cinco horas de feira. “Têm vezes que a procura é tão grande, que as empanadas terminam antes das 12h30”, conta. Segundo Cuevas, a barraca só não vende mais, porque eles não produzem um número superior. “Houve um domingo que levamos cerca de 700 empanadas e todas foram vendidas”, lembra.

Cuevas explica que não aumenta a produção, porque busca envolver apenas seus familiares no negócio. “A nossa receita é um tesouro da família que não compartilhamos com mais ninguém”, diz. “Minha mãe aprendeu com a minha avó e ensinou para os filhos e nós vamos passar para a próxima geração”, planeja Cuevas, propagandeando que nem no Chile se encontra uma empanada tão saborosa quanto a dele. “Meus fregueses quando vão ao Chile, voltam dizendo que a nossa empanada é imbatível, que como ela, não há nada igual”, orgulha-se.

E o produto não é novidade na feira. Este ano, a barraca de Cuevas completa 15 anos.

A idéia de vender empanadas surgiu com a matriarca da família, Maria Raquel Cuevas Ibanez, que de tanto ouvir elogios relacionados à sua “especialidade”, acreditou que disso, o produto poderia gerar renda. “Nossos amigos e vizinhos aguardavam nós organizarmos uma festa, só para comer a empanada da minha mãe. Além disso, constantemente, havia pessoas solicitando encomendas para ela”, lembra Cuevas, informando que ainda hoje sua mãe e seu pai ajudam na feira.

Quando a família decidiu vender “a especialidade de dona Maria”, em 1988, já era grande a dificuldade para participar da Feira do Largo. “Levamos seis meses para conseguir entrar na feira, pois já existia todo um processo de avaliação para o expositor ser autorizado a vender seus produtos no Largo”, afirma.

Hoje, além da feira de domingo, a família participa de três feiras de bairros. “De domingo a domingo estamos trabalhando seja nas feiras, seja em casa produzindo as empanadas”, conta Cuevas, revelando que o seu grande sonho é um dia montar uma lanchonete. O projeto é comum no imaginário de muitos feirantes do Largo.

Ele explica que só não concretizou a meta, porque além dele e de sua mãe e seu pai, mais cinco pessoas dependem do que eles arrecadam nas feiras. “Não posso arriscar muito dinheiro num sonho que é só meu e que se não der certo pode prejudicar toda a família”, avalia.

De acordo com Cuevas, foi preciso paciência até o produto atingir o nível de aceitação que ele apresenta agora. Ele dá algumas dicas para aqueles que têm planos para o setor. “A comida é uma boa aposta para aqueles que desenvolvem um produto diferenciado e de qualidade. Oferecendo um bom atendimento ao cliente e tendo cautela, a pessoa pode alcançar êxito”, recomenda. Ele acrescenta que, ainda hoje, alguns fatores como as condições do clima interferem nas vendas. “É raro, mas ainda acontece de haver domingos em que vendemos pouco, umas 50 empanadas. Isto geralmente ocorre quando chove com muita intensidade.”

Em dias que não são comercializadas todas as empanadas, a família já tem por tradição, doar o excedente para uma igreja e um asilo. E aí está mais uma lição da família Cuevas para quem planeja iniciar qualquer tipo de negócio -possuir um comportamento solidário, ou seja, exercer a tão propagada responsabilidade social.

Alternativa para os “sem-espaço”

Quem ainda nâo tem vaga na feirinha, tem opções nas feiras de bairros ou em feiras especiais, também administradas pela FAS . Para o expositor Demétrio Expedito Chaves, o faturamento das três feiras especiais em que participou, o está estimulando a querer participar das feiras deste ano. “No ano passado trabalhei na feira do Pinhão e da Primavera e teve dias que vendia até R$ 150,00”, conta Demétrio que tinge camisetas, regatas e baby looks. São quatro feiras especiais durante o ano – Páscoa, Pinhão, Primavera e Natal. Já as feiras de bairros, totalizam sete e acontecem uma vez por semana. As inscrições para estas feiras iniciarão em março. A data ainda não foi definida. (MM)

Como conseguir uma barraca

Os procedimentos para participar de qualquer feira administrada pela FAS são os seguintes:

* Apresentar para a FAS de 3 a 4 amostras dos produtos que se pretende vender. A análise é feita por uma comissão especializada e leva uns 15 dias para acontecer;

* Se aprovados, uma vistoria será feita no local onde os produtos são confeccionados;

* Com a aprovação nessa etapa, o artesão entra na fila de espera, dependendo da feira, ou começa a expor seus produtos. até ser chamado e , enfm, poderá trabalhar na feira.

Local para atendimento: Memorial da Cidade, Rua do Rosário, 160, telefone 233-84l7.

Três gerações ganham a vida tecendo e bordando

A história de Laurinda Alves de Moraes, Ieda Alves Antunes e Juciara Maria Gonzaga da Silva se confunde com a própria história da Feira do Largo. Avó, mãe e filha, respectivamente, estas três gerações de mulheres ganham a vida tecendo, bordando e vendendo seus trabalhos na feirinha. Dona Laurinda, hoje com 78 anos, afastada há dois anos da feira por causa da idade, começou a expor seus trabalhos em 1974, após ficar viúva. “Minha mãe procurava um complemento a pensão que recebia e também uma distração”, conta Ieda. “Mal sabia a minha mãe que esta distração se tornaria uma tradição de família”, brinca.

Dona Laurinda vivenciou todos os estágios da feira, desde quando os expositores estendiam uma toalha no chão e sob ela colocavam seus produtos, que valeu a feira o condinome de “Feirinha Hippie”, até as mais recentes reorganizações de espaço que a feirinha foi submetida. Anos mais tarde, foi a vez de Ieda se juntar à mãe tanto na produção quanto nas vendas dos bordados e crochês. “Havia aprendido desde pequena o ofício, mas só comecei a trabalhar depois que a minha filha caçula nasceu”, conta Ieda. Aliás, a filha mais nova de Ieda é Juciara, que não poderia fugir à regra da família, pois praticamente foi criada na feira. “Assim como em qualquer profissão você vai para o trabalho e, às vezes, acaba levando os filhos. No caso de Juciara, eu tinha que levar sempre, porque ela adorava todo aquele movimento, lembra. Ieda nem sabe precisar exatamente, quando a filha mais nova passou a fazer da “brincadeira” um trabalho. “Ela cresceu na feira, quando eu me dei conta Juciara já estava trabalhando no mesmo ritmo que eu e minha mãe”, justifica Ieda, contando que mais recentemente a outra filha dela, Ieda de Lourdes Gonzaga da Silva, também está trabalhando no Largo, só que com outra barraca que comercializa pessankas. “Ao contrário da época em que minha mãe começou, quando não havia problemas de espaço, esta minha filha precisou aguardar um bom tempo para conseguir uma vaga”, conta Ieda.

Concorrência

Em relação ao faturamento, Ieda revela que, atualmente, não dá para sobreviver só com o que ela vende na feira. “Quando a minha mãe começou dava para viver só com a feira, porque havia poucos expositores comercializando bordados e crochês. Hoje, entretanto, há muitas barracas com este tipo de produto e como as pessoas, na maioria das vezes, preferem um preço menor à qualidade do produto, eu acabo vendendo menos”, diz. “O meu crochê é de alta qualidade, levo quase dez horas para fazer um trilho de 1,60 m, fora o gasto com os fios que sobem constantemente. Não tem como equiparar o valor do meu produto a um semelhante de qualidade precária”, analisa Ieda, dizendo que há domingos que ela passa sem vender um trilho.

Contudo, ela acredita que o sucesso nas vendas também esteja relacionado ao produto comercializado. “Conheço muitos feirantes que vendem bem e outros que não”, compara Ieda.

Na opinião dela, a principal vantagem da feira é o fato do local ser uma vitrine. “Quem não é visto não é lembrado. Na feira conseguimos muitos clientes que passam a comprar freqüentemente, principalmente após constatarem o bom nível dos nosso trabalhos”, afirma. “Tenho uma freguesa que sempre viaja para o exterior, levando nossos trabalhos para presentear os amigos”, exemplifica Ieda, citando que seus trabalhos são muito procurados pelos turistas que vêm a Curitiba. “Os italianos, os japoneses e os americanos são os que mais compram os meus produtos”, relata. (MM)

Artesãos reclamam dos produtos industrializados

Segundo a expositora Ieda Antunes, um problema que afeta as suas vendas é que há muitos expositores comercializando produtos de fábricas, ou seja, violando o regimento da Feira do Largo. “Os fiscais não conseguem flagrar todo mundo, porque são muito poucos para cuidar de tantos expositores”, opina.

De acordo com a FAS, há oito fiscais da Fundação e mais dez da Secretaria Municipal de Urbanismo, destinados a cuidar de toda a feira. Segundo dados da própria FAS, a feirinha possui 1.083 expositores e, além deles, os ficais precisam cuidar daquelas pessoas que vêm de todas as partes do País para vender seus produtos no Largo, sem nenhuma autorização. É o caso do capoeirista, Erivaldo do Nascimento, que chegou de Porto Seguro (BA) há oito meses, e desde então trabalha todo domingo no Largo vendendo berimbau e artigos relativos ao esporte. “Já me inscrevi no FAS para ter um espaço, mas enquanto eu não regularizo a situação, vou me mantendo na feira com o sorriso, com meu jeito baiano, fazendo amizade com todo mundo”, explica Erivaldo, dizendo que os expositores gostam da sua presença, porque ele atrai as pessoas pelo som do berimbau, que ele toca no intervalo de uma venda e outra.

De acordo com o capoeirista, seus rendimentos por domingo, ficam em torno de R$ 300,00. Tal faturamento está motivando Erivaldo a buscar a diversificação daquilo que ele comercializa. “Vou começar a desenvolver um artesanato a partir da cabaça de côco”, anuncia. O diretor de geração de renda do FAS, Ari Ricardo Arantes, explica que casos como de Erivaldo tendem a desaparecer. “O Conselho de Feiras, formado entre o poder público e os artesãos do Largo, está revendo todo o regulamento, inclusive, a forma como a fiscalização agirá”, adianta. “Todavia, se o Conselho ou algum expositor tivesse feito alguma denúncia à respeito da presença de qualquer pessoa em situação irregular, nós já teríamos tomado as devidas providências”, garante Arantes. (MM)

Conselho promete várias melhorias

Para até março, o Conselho de Feiras promete uma série de novidades e melhorias para os expositores e freqüentadores da Feira do Largo. Desde o ano passado, os 14 membros do Conselho vêm discutindo soluções para os principais problemas apontados pelos artesãos como: falta de segurança, fiscalização, invasão de produtos de fábricas ou importados na feira, falta de lugar para os feirantes estacionarem e desembarcarem as suas mercadorias, entre outros.

Além disso, o Conselho está recadastrando todos os artesãos para a partir disso remapear toda a feira. “Acreditamos que neste trabalho conseguiremos criaremos novos espaços e por conseqüência, novos artesãos poderão obter uma vaga no Largo”, avisa Arantes. (MM)

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