Estatuto da Criança entra na adolescência

Na próxima terça-feira o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 14 anos de existência. Em 13 de julho de 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello assinou a Lei 8.069, que faz menção ao tratamento que deve ser dado às crianças e aos adolescentes.

Segundo o oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Mário Volpi, os primeiros anos do ECA foram marcados por um grande avanço quantitativo nos indicadores sociais. Ele citou como exemplos o número de crianças matriculadas nas escolas, que chegou a 97%, e a mortalidade infantil, que nos últimos anos caiu de 40 para 28 mortes a cada mil nascimentos. “Esse crescimento no conjunto de ações injetou novo ânimo no Brasil”, afirma.

Apesar de reconhecer o crescimento quantitativo causado pelo estatuto, Volpi destaca a falta de qualidade em alguns serviços: “Não adianta termos mais crianças nas escolas, se elas estão aprendendo menos”. Ele defende que índices mostrando grande fluxo escolar acabam criando uma situação fictícia, onde as crianças vão à escola e acabam não se qualificando como deveriam. “Acaba se criando um cidadão de segunda categoria. Que é incapaz de utilizar os conhecimentos a ele passados quando é necessário.”

Para Volpi, um dos desafios que o Brasil tem é mudar a escala de atendimentos básicos, sem perder a qualidade. “Hoje, por exemplo, um milhão de crianças é atingido pelo programa de erradicação do trabalho infantil. O ideal seria dobrar esse número, mas para isso precisa-se de recursos. Não adianta tentar atingir dois milhões de crianças com o mesmo que se tem hoje. Aí cada uma receberia apenas metade do que deveria”, observa.

O Unicef prega o investimento na qualificação das políticas. “Existem três tipos de investimento a ser feitos. O primeiro é o de infra-estrutura, o segundo é o de capacitação das pessoas que formam a rede que trata da criança e do adolescente (juízes, conselheiros tutelares, de direito, etc.) e o terceiro é na articulação, ou seja, na ação conjunta dos órgãos que estão envolvidos com a criança”, enumera o oficial.

Volpi lembra que o texto do ECA sofreu pequenas alterações pontuais nos últimos anos, como a gratuidade da certidão de nascimento, por exemplo. “Mas ele não precisa ser alterado. O que precisamos é que ele seja cumprido”, concluiu.

Família também tem obrigações

Para que o ECA cumpra na íntegra sua função, é necessário que a sociedade e a família também se conscientizem que têm deveres junto às crianças e adolescentes. Assim pensa o presidente do Instituto de Ação Social do Paraná (Iasp), José Wilson de Souza. Ele ressalta que a responsabilidade de cumprir o ECA não é só do poder público.

Souza salienta que há a necessidade de um maior senso de responsabilidade por parte da família e da sociedade: “Essa responsabilidade só vem com o tempo”, alerta, acrescentando que todos são responsáveis pela criança: “Tem família que acha que cumprir o estatuto é só não bater e pronto”.

Na opinião do presidente do Iasp, o ECA é bem divulgado. “O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) só este ano fez curso de capacitação de 4 mil pessoas, entre conselheiros e gestores. Foram investidos R$ 3 milhões para que essas pessoas capacitadas divulguem o que prega o ECA”, informa.

Souza se mostra totalmente contra qualquer tipo de mudança no texto do estatuto. Para ele, alterações como o aumento no tempo mínimo em que um menor pode ficar em um educandário, por exemplo, são inúteis. “O que é preciso fazer é cumprir o estatuto. Apenas cumprir”, reforça.

Falta de divulgação é o grande problema

A falta de conhecimento do ECA pela sociedade é o principal problema apontado pelo coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, procurador de justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto: “Para que uma lei seja cumprida, é necessário que ela tenha divulgação. Com o ECA, não houve a difusão adequada. Por isso, muitas pessoas que não o conhecem acabam sendo contra”, afirma. O procurador considera que o exercício dos direitos é que muda a realidade social, mas, para tanto, é preciso que as pessoas conheçam esses direitos.

Para Sotto Maior, houve um avanço significativo com a implantação do ECA. Como exemplos, ele cita a criação dos conselhos de direito e tutelares. “Antes todas as políticas do Brasil inteiro eram definidas pela Funabem. Hoje não, respeita-se a regionalização e cada cidade tem um Conselho de Direito para formular essas políticas”, explica. Ele afirma que a criação do ECA possibilitou a criação de uma mobilização em prol da infância e juventude.

O procurador conta que o estatuto foi baseado no artigo 227 da Constituição Federal, que determina prioridade absoluta para a infância. “Esse artigo foi criado graças a uma emenda popular na constituinte de 1988. Esse mesmo grupo de pessoas é que fez a base do texto do estatuto, aprovado em 13 de julho de 1990, mas que só passou a vigorar 90 dias após.”

Sotto Maior lembra que o texto foi elaborado com base na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que também aconteceu em 1990. “O Unicef inclusive indica o ECA como modelo para outros países que ainda não têm leis para a criança e o adolescente”, revela.

Antes do ECA, existia apenas o Código de Menores. “Nele não havia os direitos da criança e sim um conjunto de regras. A criança e o adolescente eram tratados como mero objeto.”

Específico

Já o ECA traz especificados os direitos da criança, que consiste não só dos direitos fundamentais do ser humano, mas de direitos específicos destinados às pessoas em condição de desenvolvimento. O procurador ressalta que é necessário que mais recursos para a infância sejam colocados nos orçamentos. “Lugar de criança é na escola e nos orçamentos públicos”, resume.

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