Enchentes ameaçam 12 mil pessoas

A previsão do tempo para Curitiba nos próximos três dias de Carnaval é de muito calor, com pancadas de chuva e trovoadas no período da tarde. Dependendo do volume de água, poderão ocorrer enchentes. A temperatura deve variar entre a mínima de 20º e a máxima de 31º. Perto de 3 mil famílias ? ou 12 mil pessoas ? são personagens que ilustram o mapa das enchentes em Curitiba. Moram à beira de rios, riachos, valos ou em áreas sujeitas a alagamentos.

A cada chuva, com um pouco mais de intensidade, o drama é fatal. Um dia a Prefeitura retira moradores das áreas de risco, como aconteceu na Vila Yasmin (zona leste), há duas semanas, no seguinte, começa uma nova ocupação irregular com várias centenas de pessoas. O número muda a toda hora.

São, na maioria, pessoas com vidas sem perspectiva se não houver a intervenção do poder público. A história é a mesma: vêm de cidades pequenas, não têm estudo, geralmente vivem da cata do papel e são exploradas por intermediários, que pagam uma miséria por um carreto que chega a pesar até 50 quilos.

Gente que nem emprego de diarista consegue, porque não sabe lidar com uma casa normal, com máquina de lavar ou produtos de limpeza que jamais viu pela frente. Poucos se aventuram a andar de transporte coletivo, estão marginalizados, não têm acesso aos serviços públicos porque nem sabem como usá-los, tamanha a ignorância.

Saídas

Mas há saídas que ajudam a mudar o quadro. Como a disputa entre os governos municipal e estadual ? visando às próximas eleições ? pela urbanização das favelas, ou retirando gente de locais de risco e regularizando áreas invadidas. De um lado, está a Prefeitura tentando tocar em frente seu programa Nossa Vila, de outro, o governo do Estado, que pretende intervir nas favelas e está organizando associações para discutir o assunto. Seria um belo cartão-postal para propaganda política quem chegar primeiro na mais antiga favela curitibana ? o Parolin, que já virou um local administrado pelo tráfico.

Invasões

A Prefeitura, que anunciou investimentos de mais de R$ 9 milhões em obras contra enchentes, já conseguiu tirar o Cajuru (zona leste) das manchetes de jornais. Qualquer tipo de chuva inundava o lugar que fica entre os trilhos do trem, construídos em áreas mais elevadas, e o Rio Atuba, o que transformava o local numa represa de águas das chuvas. Um conjunto de obras e projetos retirou trezentas famílias das áreas de risco para loteamentos seguros. Há mais quatrocentas famílias que até o final do ano serão transferidas para novos loteamentos.

O desafio será o de manter o local livre de novas invasões e isso só acontecerá com a participação popular fiscalizando as áreas desocupadas que começam a se transformar em parque para uso comunitário.

Mas enquanto a Prefeitura reorganizava o Cajuru, nascia em 1997 a maior ocupação da cidade na Vila Audi-União, no bairro Uberaba, saída para as praias. A ocupação insuflada muitas vezes por profissionais da invasão, que imaginavam favelas virando votos, foi feita literalmente da noite para o dia, e em algumas semanas, no lugar já estavam vivendo centenas de famílias. Ali, a Prefeitura já levou para áreas seguras 335 famílias, e quer organizar a vida de mais quinhentas até o fim do ano.

Nem todo mundo que vive na beira de rio quer mudança. A relocação pode evitar tragédias como mortes e perdas nas inundações, leptospirose e hepatite tipo C, mas tem um preço. Muitas vezes as famílias vão parar em áreas distantes, em outros municípios, como uma saída alternativa para o drama anunciado. Em outros casos, como o da Vila Yasmim, no Bolsão Audi-União, as famílias vão para loteamentos com casas de 5 x 6 metros quadrados, cercada de vizinhos por todos os lados, trocando uma favela insalubre, por um local que está custando R$ 70,00 ao mês, para gente que simplesmente não tem renda.

Mapa das cheias

O mapa das enchentes em Curitiba é desenhado a partir de quatro bacias hidrográficas. Ao norte da cidade, as bacias do rios Atuba e Belém. A oeste, as bacias dos rios Barigüi e Passaúna e ao sul o Ribeirão dos Padilhas. Não há saídas fáceis. Mas é preciso acelerar o passo. São 262 áreas que concentram 53 mil famílias em estado de miséria. Mas pelo menos no Cajuru, Audi-União e Xapinhal, no Sitio Cercado, onde a Prefeitura está urbanizando uma área onde estão vivendo 2,3 mil famílias, das quais 529 serão transferidas até o final do ano, há uma esperança…

A cada chuva, moradores rezam para evitar o pior

Pedro Ribeiro

e Ana Lucia Alge

Um olho no céu, um na terra e o rosário na mão. Vem água por aí. Esse é o dia-a-dia da dona-de-casa Estelamáris Costa, residente no bairro de Campina do Siqueira (zona oeste), próximo ao Rio Barigüi, que a cada chuva não lhe resta outra coisa a não ser orar e pedir a todos os santos para que o pior não aconteça. “Como a ajuda não vem da terra, só nos resta mesmo pedir a Deus”, confessa, ao lembrar da última enchente, que ocorreu no dia 16, quando perdeu praticamente tudo. Ao seu lado, está a vizinha, dona Terezinha, que também vive o mesmo drama a cada cheia. Como conforto, está a Paróquia São José Trabalhador, que, felizmente, está no alto e protegida.

Ao lado das residências de Estelamáris e Terezinha, passa o Rio Barigüi, que a cada chuva sai da caixa, transborda, inundando casas, destruindo bens patrimoniais e levando ao desespero dezenas de pessoas. “Já troquei de móveis doze vezes nos últimos 18 anos, numa batalha sem fim e sem recursos financeiros”, diz uma das moradoras, que já perdeu as contas de quantas vezes pediu para que a Prefeitura de Curitiba dê solução ao problema. No local foi construído um piscinão para conter a ação das cheias, mas de nada adiantou, a não ser aumentar o volume de lixo e insetos, trazendo risco de doenças, principalmente às crianças.

Enquanto não se resolve o problema, a solidariedade entre os moradores parece ser a única saída para conter a dor e a desgraça dos que perdem tudo. “Pagamos impostos para passarmos por essa humilhação”, desabafa dona Lúcia que, ao lado de dona Jussara, são as que mais sofrem com as enchentes por residirem no nível mais baixo da Rua Doutor Francisco A. Guedes Chagas. D. Jussara, por exemplo, teve que permanecer durante três dias com água dentro da casa para poder receber uma pequena indenização da Cohab.

Áreas de risco

O secretário especial da Defesa Social da Prefeitura de Curitiba, Sanderson Diotalev, explica que a média histórica de chuva em Curitiba é de 3,5 milímetros por dia, o que resulta em 105 milímetros por mês. Nas últimas duas grandes chuvas, inclusive a do dia 16, foram registrados 50 milímetros em apenas três horas de chuva, ou seja, o equivalente a 14 dias de chuva. “É muita água”, diz, ao revelar que foram necessários três abrigos para acomodar 130 pessoas residentes nos bairros do Portão e Boqueirão (zona sul). Os desabrigados não permaneceram mais que 12 horas no local e foi servida alimentação para trezentas pessoas.

Diotalev observa que a Prefeitura em mapeando, monitorando e controlando todas as áreas consideradas de risco sujeitas a cheias ? as bacias hidrográficas. É preciso, diz ele, uma união de esforços para prevenir danos à sociedade. Isso só se faz com responsabilidade coletiva, onde todos fazem a lição de casa. Helicópteros deverão fazer sobrevôos nos pontos de estrangulamento para avaliar as situações das bacias e prevenir possíveis enchentes.

Bombeiros lideram a ajuda aos flagelados

Pedro Ribeiro

e Ana Lucia Alge

Em períodos de cheias, quem mais se dedica a socorrer flagelados é o Corpo de Bombeiros do Paraná. A corporação está bem equipada para enfrentar calamidades como as que todo ano atingem a capital. Onze embarcações, entre elas botes infláveis e barcos de alumínio, quatro carretas especiais para transporte de equipamentos, mergulhadores e ainda integrantes do Comando de Operações Especiais (COE) fazem parte de uma equipe especializada em inundações. No último dia 16, considerado a pior enchente do ano, que deixou diversos pontos de Curitiba embaixo d?água, os bombeiros conseguiram atender mais de 180 ocorrências.

Na missão de resgatar pessoas ilhadas, os bombeiros também orientam a população sobre o que fazer depois da calamidade. “Primeiramente, é preciso procurar um posto de saúde para verificar a necessidade de vacinas e obter informações sobre quais os produtos de limpeza que devem ser usados para desinfetar a casa depois de uma enchente. Em segundo lugar, tentar observar as causas do alagamento e, se for o caso, ir até a Prefeitura reivindicar solução”, recomenda o tenente Leonardo Mendes dos Santos, do Comando do Corpo de Bombeiros.

O número de soldados que atuam em enchentes pode variar de acordo com a gravidade do problema. Em uma situação de fácil controle estarão trabalhando perto de 50 bombeiros. Caso a calamidade seja mais complicada, este número pode até duplicar, pois o COE entra em cena para ajudar no trabalho. Como reforço, há uma equipe localizada em São José dos Pinhais, chamada Aquática, para atender situações específicas, como desaparecimento de pessoas levadas pelas fortes correntezas das chuvas excessivas.

Voltar ao topo