Em meio à luta por terra, o sofrimento das crianças

Enquanto a reforma agrária segue sem solução definitiva, as crianças filhas dos sem-terra são as que mais sofrem. Muitas vivem de acampamento em acampamento sem acesso à escola ou perdendo o ano escolar devido às constantes mudanças. A saúde delas também fica fragilizada, pois embaixo de lonas não têm proteção contra o frio dos meses de inverno ou o calor no verão. Se não bastasse, ainda estão expostas à violência. Em 1994, uma menina de dois anos morreu durante confronto no Estado. Adolescentes já sofreram atentados, torturas e outras agressões físicas.

Segundo levantamento preliminar da Secretaria Estadual de Educação, existem no campo cerca de 13 mil famílias vivendo em acampamentos no Paraná. Mas ainda não se sabe ao certo quantas crianças têm acesso à escola e quantas estão fora. Segundo a coordenadora do Departamento de Educação do Campo, Sônia Fátima Schwendler, é difícil obter números precisos já que os acampamentos surgem em diferentes épocas do ano e mudam de lugar. Além disso, muitos alunos não levam a documentação escolar.

As crianças acabam fora da escola porque a cidade que recebeu o acampamento pode não ter vagas para atender a nova demanda e nem verba suficiente. Mas o Departamento de Educação do Campo afirma que vem buscando uma solução para problema. “Estamos amadurecendo a proposta”, afirma Sônia. Até o fim do ano uma solução deve ser apresentada. No entanto, já sabe-se que para dar certo será preciso uma contrapartida de municípios e do próprio Estado. A idéia é oferecer desde a educação infantil até o ensino médio.

Bom exemplo

O acampamento Antônio Conselheiro na cidade da Lapa, foi formado em janeiro deste ano na Fazenda Serrito, e é um exemplo de organização. Em negociações com a prefeitura conseguiram matrículas para os alunos e um ônibus. As 48 crianças estão freqüentando a escola normalmente. Segundo a assessoria de imprensa da Lapa, a prefeitura considera os trabalhadores sem terra como munícipes e tem atendido as reivindicações, na medida do possível.

Mas mesmo freqüentando a escola não é difícil encontrar adolescentes com a idade defasada para a série que estudam. Os três filhos de Vera Lúcia Contentes, 46 anos, estão um ano atrasados. Segundo ela, as reprovações vieram devido às mudanças. “Até se acostumarem no outro lugar, demora”, explica. No acampamento, as crianças saem por volta do meio-dia e só retornam ás 18h30 para casa.

Garotinha foi morta em incêndio

Em confrontos entre seguranças e trabalhadores, as crianças acabam se tornando alvos da violência. No dia 28 de julho de 1994, foi morta a garotinha Janaína Domingues Freitas, 2 anos. Ela estava dormindo em uma barraca quando atearam fogo. De acordo o secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra, Gelson Oliveira, até hoje ninguém foi responsabilizado pelo crime. Mas a Pastoral apresenta outros crimes. De 1990 até 1996 houve três tentativas de assassinato contra menores, duas ameaças de morte, um caso de tortura, cinco de agressões físicas e 63 envolvendo vários tipos de violências, como roubo, ferimento, invasão de casa e até morte por desnutrição. Algumas crianças que vivem no campo também são vítimas do trabalho escravo. Foram registrados 97 vítimas de trabalho forçados na Região de Guarapuava e 9 morreram trabalhando como bóia-fria.

Má alimentação e doenças respiratórias

Enquanto os acampados moram embaixo de lonas esperando pelo assentamento ou até que a área seja devolvida ao proprietário, colocam em risco a sua saúde e a de seus filhos. São meses e até anos nessa situação. O inverno parece ser muito mais rigoroso dentro dos barracos. O fogão à lenha é a única forma de tentar aquecer o ambiente. Mas muitas vezes o vento e a chuva vencem as amarras e molham roupas e estragam alimentos.

As crianças geralmente ficam expostas a uma série de problemas respiratórios. A neta de Vera Lúcia, de um ano e meio, esteve perto de desenvolver Bronquite. “O médico mandou que ela ficasse dentro de casa, no colo. Só saía para brincar quando o sol estivesse quente”, conta a avó. Mas outra criança não teve a mesma sorte, no inverno de 1999, quando os sem terra acamparam em frente ao Palácio do Governo, em Curitiba, uma criança morreu, vítima de pneumonia.

A alimentação nos acampamentos também é escassa. Cada família se mantém como pode, geralmente sobrevivendo de bicos e dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa-Escola. Miguel Bresina, 45 anos, e a mulher Eugenia, 40 anos, são beneficiados com R$ 45,00 e a mãe de Eugênia costuma mandar entre R$ 50,00 e R$ 100,00.

O casal é um dos poucos entre as 100 famílias que já têm sua horta formada. A refeição diária se restringia ao feijão e arroz, e agora, as verduras começam a melhorar o cardápio. Mas o menino mais novo do casal, de três anos, já sofreu muito com a alimentação pobre, aliada ao frio. Ficou várias vezes doente neste inverno. “A gente vive costurando a lona, tem que se encher de roupa e se esquentar perto do fogão. Quando fica doente levo ao médico”, fala Eugênia. Nos últimos dias o garoto também teve tosse e febre.

Ebertina Duarte, 32 anos, tem uma filha de 3 anos. Ela era empregada doméstica em Cascavel e o marido pedreiro. “Não tinha mais jeito na cidade. Viemos tentar a vida aqui”, fala. Por enquanto sua alimentação básica é feijão e polenta. “Tem arroz de vem em quando”, diz. Ela chegou há pouco no acampamento e ainda não dispõe de horta. Os doentes são atendidos nos postos de saúde da Lapa. Mas, agora uma vez por mês um médico vai se deslocar até o local.

A água também é outro problema nos acampamentos. Este ano várias crianças tiveram crises de vômito e diarréia no Antônio Conselheiro. “Mas agora mudamos a fonte e ninguém mais ficou doente”, conta Carlos Roberto Cardoso, 29 anos, coordenador regional do MST.

Melhor que em favelas

Mas, mesmo com todos esse problemas, o secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra, Gelson Oliveira, faz uma análise positiva da situação. Ele fala que seria pior se as crianças estivessem morando em favelas, na periferia das cidades, passando o dia todo na rua, sozinhos. No acampamentos os pais sempre estão por perto. Além disso, por se tratar de um movimento organizado, em todos os acampamentos existe uma atividade educacional ou as crianças têm acesso à escola. Também há preocupação com a saúde e o esporte.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo
O conteúdo do comentário é de responsabilidade do autor da mensagem. Ao comentar na Tribuna você aceita automaticamente as Política de Privacidade e Termos de Uso da Tribuna e da Plataforma Facebook. Os usuários também podem denunciar comentários que desrespeitem os termos de uso usando as ferramentas da plataforma Facebook.