Eca não é cumprido totalmente após 13 anos

Treze anos depois de sua criação, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) ainda não é cumprido em sua integralidade. A observação é da presidente do Conselho Tutelar da Regional Portão, Elisabeth Kopachinski Biela, para quem “a criança e o adolescente não são prioridades absolutas, como determina o Estatuto”. “Ainda estamos caminhando para garantir seus direitos. A gente vê, por exemplo, que os municípios não dão a devida importância à educação infantil”, lamenta.

Um trabalho realizado pela regional Portão no ano passado concluiu que cerca de 14 mil crianças de zero a seis anos de idade estão fora das creches. “Para que a gente pudesse atender pelo menos 80% delas ? considerando que 20% teriam condições de ingressar em estabelecimentos particulares ?, a Prefeitura precisaria construir cerca de cem creches”, analisa. “Para cada criança em creche, há uma na fila de espera.”

Um dos resultados dessa situação foi mostrado na reportagem de O Estado, no último domingo. A falta de vagas na creche da Vila das Torres levou a catadora de papel Cristina Lima Rodrigues, 19, a carregar seus dois filhos ? um garotinho de dois anos e uma menina de apenas oito meses ? no carrinho de lixo, expondo-os ao perigo.

Outro desafio da sociedade em relação ao ECA, aponta Maria Elisabeth, é o precário tratamento de adolescentes usuários de drogas. “A única unidade para desintoxicação que atendia cerca de quinze jovens pelo SUS (Sistema Único de Saúde) fechou. E sem esta clínica, não tem para onde encaminhar os adolescentes”, aponta. Maria Elisabeth critica ainda a falta de programas de capacitação profissional e lamenta o crescente número de adolescentes infectados com o vírus HIV (veja box). “Faltam programas específicos contra a aids”, lembra. “Mas não basta só programa de saúde. Gravidez precoce e contaminação pelo HIV também acontecem pela ociosidade.”

Orçamento reduzido

Para o coordenador do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente, vereador Pedro Paulo Costa (PT), o grande desafio do Estatuto é ampliar o investimento por parte do governo. Segundo ele, o orçamento aprovado pela Câmara de Vereadores de Curitiba à extinta secretaria municipal da Criança ? com a extinção, os recursos foram repassados à Fundação de Ação Social (FAS) ?, para este ano, soma R$ 65.664.000,00, além de outros R$ 800 mil repassados ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente ? financiamento de projetos à área. De acordo com o vereador, os recursos à infância equivalem a cerca de 3,5% do orçamento total do município que é de R$ 1,94 bilhão. “Não avançamos ainda na questão orçamentária. E se algum tempo atrás se falava que lugar de criança era na escola, agora o lugar é no orçamento público”, critica.

Prefeitura

A Secretaria Municipal de Educação, através da assessoria de imprensa, confirmou que o orçamento para a infância para este ano é de aproximadamente R$ 60 milhões ? incluindo folha de pagamento, manutenção da estrutura física, suprimentos, brinquedos ?, mas negou que a lista de espera nas creches corresponda ao número de crianças que já freqüentam os estabelecimentos. Segundo a assessoria, a fila é de cerca de 10% do total de crianças nas creches, o que corresponde a cerca de 1.700 pessoas à espera de uma vaga.

Em Curitiba, existem 137 creches oficiais, que atendem cerca de 17.800 crianças. Há seis anos, o atendimento era de 14.800 crianças. “O problema é que há mães que procuram não uma creche, mas três, quatro ou até cinco, por isso a fila não é real”, justifica. A maior demanda é de crianças de zero a três anos, que exigem um número maior de atendentes. Ainda segundo a assessoria, em seis anos o número de vagas no ensino pré-escolar/etapa inicial (crianças de 5 a 6 anos de idade) aumentou de 3.406 para 17.017.

Crescimento da aids preocupa

A disseminação do vírus HIV entre crianças e adolescentes tem preocupado autoridades do governo. Segundo levantamento da Secretaria Estadual de Saúde, de 1984 a 2003 foram diagnosticados 317 casos de aids entre adolescentes de 13 a 19 anos no Paraná. A transmissão perinatal (mãe para o filho) soma 485 casos. “A gente tem observado que está tendo aumento de casos de aids entre adolescentes, principalmente entre meninas”, revela Maria Cristina Assef, coordenadora adjunta do programa DST/Aids da secretaria estadual de Saúde. Exemplo disso é que na faixa de idade 15 a 19 anos, há 156 casos de meninas com aids para 146 meninos, enquanto a equivalência geral é de dois casos (homens) para um (mulheres).

“O que a gente imagina é que não seja falta de informação: as informações estão disponíveis em todos os lugares: mídia escrita, rádio e TV”, aponta Maria Cristina. “Particularmente, acredito que o problema seja a questão social.” Segundo ela, a aids e o uso do preservativo são vistos com muito preconceito. O Paraná tem o registro de 12.557 casos de aids.

Abuso sexual

Outro desafio é acabar ou pelo menos reduzir o número de casos de abuso e exploração sexual. Em abril do ano passado foi criado o Centro de Referência para Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas de Exploração e Abuso Sexual, que registrou cerca de 415 casos. “A exploração sexual não vem aumentado. O que vem aumentando é a denúncia”, acredita a diretora do departamento de Proteção e Defesa dos Direitos da Fundação da Ação Social (FAS), Francine Wosniak, referindo-se ao Disque-Denúncia 156. Casos de abuso e exploração sexual, assim como outros tipos de violência contra crianças e adolescentes, são atendidos pelo Resgate Social, que prestou, de janeiro a junho deste ano 2.302 atendimentos em domicílio, além de quase 1,5 mil orientações telefônicas.

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