Do campo para o lixo?

No início do próximo mês, o governo federal irá lançar um programa para fortalecer a agricultura familiar, com o objetivo de ajudar a minimizar a crise alimentar mundial de alimentos e a alta do preço. A intenção é alcançar um excedente de produção de 18 milhões de toneladas por ano. No entanto, o Brasil ainda precisa fazer o seu dever de casa. Todos os dias vão para o lixo toneladas de alimentos que poderiam matar a fome de muitos brasileiros. Existem algumas iniciativas para evitar o desperdício, mas ainda não é regra. Segundo o técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Eugênio Stefanello, em média, a cada 7 anos e meio, uma safra brasileira de grãos é jogada fora.

Stefanello explica que o Brasil é auto-suficiente em relação aos alimentos que consome, a única exceção é o trigo, produzimos a metade do que consumimos. Mesmo assim, a alta dos alimentos no exterior também acaba afetando o País porque muitos produtos são exportados. Para Stefanello, a idéia de ampliar a produção é vista com bons olhos.

No entanto, ele afirma que o País ainda enfrenta graves problemas em relação ao desperdício. Estima-se que a perda de grãos fique entre 10% e 15% de tudo o que é produzido. ?Se fizermos uma média de 13%, a cada sete anos e meio uma safra inteira é desperdiçada. Isso é inaceitável?, fala. No caso das hortaliças e frutas em geral, a situação é pior ainda. Calcula-se que vão para o lixo até 35% do que é produzido.

Stefanello aponta vários problemas e eles começam ainda no campo. Na hora da colheita, máquinas que não foram reguladas acabam deixando escapar uma boa quantidade de grãos. O mesmo ocorre com o transporte inadequado. Carrocerias de caminhões que não foram vedadas perdem as sementes ao longo das rodovias que cortam o estado. As frutas e hortaliças também se estragam, as caixas de madeira onde são depositados para o transporte acabam danificando alguns produtos.

Também existe uma série de deficiências para armazenar os produtos. Há sementes que caruncham, ratos têm acesso, ou estragam porque não foram bem secadas ou foram secadas demais. No supermercado, mais problemas. Os consumidores acabam derrubando produtos no chão, apalpam, o que acaba machucando as hortaliças.

Segundo Stefanello, o Brasil já avançou muito em relação ao desperdício se comparado com décadas anteriores. Mas ainda está muito aquém da situação ideal. Ele diz que perdas sempre existirão, mas a situação que ocorre no País é inaceitável. Em países mais desenvolvidos, as perdas giram por volta de um terço do que ocorre no Brasil.

O técnico não vê uma solução a curto e médio prazos. São necessários investimentos para modernizar toda cadeia produtiva, adquirindo equipamentos mais modernos. Mas nada vai adiantar se não mudar a postura das pessoas.

Ele explica que não existe um esforço nacional para evitar o desperdício, mas algumas ações já estão sendo feitas. No Paraná, a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, está realizando um treinamento para operadores de colheitadeiras. Hoje, a cada hectare colhido, a perda de grão é de cerca de uma saca e meia. Pretende-se baixar este índice para menos de uma saca.

Prato cheio para 25 mil pessoas

Em Curitiba, em vez de ir para o lixo, 120 toneladas de alimentos por mês acabam indo para o prato de 25 mil pessoas carentes. O trabalho de combate ao desperdício é feito pela Central de Abastecimento (Ceasa). Produtores e comerciantes doam os produtos que não estão em bom estado para a venda, mais que ainda podem ser consumidos. É meta do Banco de Alimentos aumentar as doações para 300 toneladas.

O diretor agro-comercial da Ceasa no Paraná, Marcos Valério Andersen, diz que o programa foi estruturado no passado e conseguiu ampliar as doações que eram de 40 toneladas, em média, para 120. Mas muita coisa ainda pode ser feita. Para que os alimentos que passam pela Ceasa em Curitiba não sejam desperdiçados, o aproveitamento deve chegar perto de 300 toneladas. Para isso, estão trabalhando na conscientização dos parceiros que são os produtores e comerciantes.

Mas não é só isso. É preciso também investir na compra de equipamentos para processar os alimentos. Alguns se deterioram com muita rapidez, como o mamão, e acabam não sendo aproveitados. A intenção é adquirir uma máquina para fazer sucos, por exemplo, além de freezer e empacotadoras à vácuo. Este ano, o governo federal está destinando R$ 560 mil para melhorias no programa.

Mas manter um programa assim também demanda custo. A unidade da Ceasa de Curitiba gasta cerca de R$ 80 mil por mês para pagar os funcionários e manter a estrutura. Mesmo assim, quando se coloca os valores na ponta do lápis vê que o retorno vale a pena, afirma Marcos. É necessário somar o valor dos produtos que deixam de ir para o lixo e o estado nutricional das pessoas. ?Bem alimentadas usam menos o sistema de saúde e remédios?, diz. (EW)

Alimentação nutritiva garantida

Bianca Magali Moro, 42 anos, levou para casa ponkan, repolho, chuchu, abóbora, alface e milho verde. A alimentação nutritiva e variada para toda a família durante a semana está garantida. Mas isso só acontece porque ela é uma das 300 famílias cadastradas no programa do Banco de Alimentos. Ela conta que a situação da família é precária.

Ela, os três filhos e o marido cadeirante vivem da aposentadoria dele por invalidez.

Bianca vive no bairro Terra Santa, no Tatuquara. Ela diz que não pode trabalhar porque precisa cuidar do marido. A aposentadoria não é o suficiente para garantir uma boa alimentação para a família.

?Os meus filhos estão em fase de crescimento. A carne é difícil a gente comprar, então garanto uma boa alimentação com o que levo daqui?, diz.

A fila que existia na Ceasa também não existe mais. As pessoas chegavam a esperar até duas duas horas na fila e algumas não tinham garantia de que poderiam levar a comida para casa ou o que era necessário para a família. Hoje as famílias são cadastradas e tem o dia certo para comparecer à Ceasa. O Banco de Alimentos garante ainda uma refeição saudável para pessoas atendidas em 230 entidades de Curitiba e Região Metropolitana.

Toda semana Marcos Renato, motorista do Patronato Santo Antônio de São José dos Pinhais vai até a Ceasa buscar cerca de 800 quilos de alimentos. As hortaliças e frutas são utilizadas na alimentação de 450 crianças. (EW)

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