Carrano faz protesto ateando fogo em livros

A luta do curitibano Austregésilo Carrano Bueno, autor do polêmico Canto dos Malditos – livro que inspirou o premiado filme Bicho de Sete Cabeças – parece estar longe do fim. Depois de permanecer amordaçado durante uma hora na tarde de ontem, ele ateou fogo em três exemplares do livro. O cenário do protesto foi a frente do prédio do Tribunal de Justiça, localizado no Centro Cívico, em Curitiba. Há mais de uma semana, o órgão acatou os argumentos da família do médico Alô Ticolaut Guimarães – já falecido, responsável pelo tratamento de Carrano no Hospital Psiquiátrico Bom Retiro – e determinou que o livro fosse retirado de circulação, o que deve acontecer no decorrer desta semana.

O TJ considerou que Carrano cometeu crime de injúria e difamação contra o nome do médico. Alô é citado em diversas passagens do livro, que narra a experiência do escritor em suas internações psiquiátricas.

“Não escrevi o livro para denegrir imagem de médico algum, mas sim para mostrar o sistema arcaico dos manicômios”, defende Carrano. “De mero coadjuvantes, eles querem passar para os atores principais”, completa. Alunos do primeiro ano de psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) também permaneceram amordaçados, engrossando o protesto. “O movimento é em apoio aos artistas em geral, músicos, poetas, artistas plásticos. Ao invés de calar, deveriam compreender e incentivar a iniciativa deles”, explica a estudante Julia dos Santos Alface.

O ator Rodrigo Santoro, que reviveu Carrano nas telas do cinema interpretando Nando, em Bicho de Sete Cabeças – filme dirigido por Laís Bodansky, que conquistou 44 prêmios entre nacionais e internacionais -, também condenou a decisão do TJ. “Quando o Carrano escreveu o livro (em 1990), ele não tinha a intenção de denegrir a imagem de ninguém. Queria apenas fazer o relato da vida dele”, opina Santoro, que está em Curitiba para o lançamento de seu novo filme Abril Despedaçado, de Walter Salles. “Essas informações não devem ser barradas, porque tratam da realidade. É um assunto que as pessoas têm idéia, mas não sabem o que é. Depois de fazer o filme, passei a ter um olhar muito mais humano em relação aos internos dos manicômios”, completa o ator.

Segunda apreensão

Essa é a segunda vez que Canto dos Malditos é retirado das livrarias. A primeira foi em 1990, na primeira edição da obra. Na época, a família do psiquiatra Alô Ticolaut Guimarães fez um pedido formal – mas não judicial – à Editora da Universidade Federal do Paraná (que publicou a primeira edição) para retirar o livro de circulação. Depois de sete meses, Canto dos Malditos voltou a ser comercializado, graças a decisão de estudantes da UFPR, reunidos em assembléia.

“Eu trago até hoje seqüelas do tratamento à base de eletrochoques. Perdi dez dentes, tive queima da visão. Quase me deixaram aleijado, e agora eu estou injuriando a memória dele (Alô Ticolaut)? Isso é um absurdo”, desabafa Carrano, que pretende entrar na Justiça contestando a decisão do TJ, e promete fazer novos protestos. (Lyrian Saiki)

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