Caingangues de Ortigueira buscam independência

A história deixa claro que, com a colonização, os índios tiveram que abandonar alguns de seus hábitos, como a agricultura extrativista e a caça, para sobreviver. Isso gerou, e ainda gera, muito conflitos, principalmente pela discriminação. De um modo geral, a população indígena no Paraná – hoje reduzida a cerca de 9.015 indígenas, habitando 85.264,30 hectares de terra, distribuídos em 17 áreas abrigando as etnias Caingangues, Guarani e Xetá -, luta pela sobrevivência, pois sofrem com falta de alimentos, precariedade de moradias e falta de alternativas econômicas.

Mas essa realidade está ficando apenas na lembrança das cerca de 107 famílias caingangues que moram na aldeia indígena de Queimadas, no município de Ortigueira, a 250 quilômetros de Curitiba. Uma série de ações estão sendo desenvolvidas na aldeia para a geração de renda e melhoria da saúde da comunidade, fazendo com que Queimadas desenvolva sua auto-sustentabilidade, se tornando referência para outros comunidades indígenas. Pelo menos é o que espera o cacique Antônio Pãr Vitoriano, que afirma que hoje não se pode exigir que o índio viva como antigamente, pois ele não sobreviveria.

O cacique entende que é possível mudar a realidade da aldeia, sem deixar de lado os costumes e tradições do povo. "A identidade indígena não é a aparência, mas a forma de viver", falou. Instalada em uma área de três mil hectares, Queimadas faz questão de manter a língua, a vida coletiva em família, o casamento entre pessoas da aldeia e a produção de artesanto. O consumo de bebida alcóolica na localidade é considerada crime, passível de expulsão.

Fontes de renda

A diversificação de atividades na aldeia passa pela aprovação da comunidade, através da associação indígena instalada no local. As ações contam com diversas parcerias, como da Prefeitura de Ortigueira e governo do Estado, e têm influência direta da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da organização não-governamental Missão de Cristianismo Decidido, que há 40 anos trabalha em áreas indígenas – e há dez anos está em Queimadas.

Atualmente, na aldeia são cultivados com agricultura, 40 hectares de terra, que geram renda para fomentar as lavouras familiares e compra de maquinaria. Eles também contam com 23 cabeças de gado de corte, e no período de safra, trabalham com a produção do bicho-da-seda, que gera até dois salários mínimos para as famílias. Dentro da aldeia existe uma olaria comunitária, onde é produzida uma média de 600 tijolos por dia. Do total de famílias da aldeia, metade já conta com casas pré-fabricadas – parte delas foram entregues através do programa Casa da Família Indígena, da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) -, e a partir de agora, a produção da olaria será voltada para atender toda a comunidade.

O chefe do posto indígena da Funai em Queimadas, Giancarlo Burigo Guimarães afirma que a lavoura está sendo implantada em terras degradadas. No passado foram cultivados oito alqueires, e esse ano saltou para 40 alqueires. O cacique Pãr garante que o excedente da produção será vendida e o lucro revertido para a compra de um microônibus e um caminhão para a aldeia. Guimarães destaca ainda que os caingangues também contam com 1,6 mil alqueires de área de preservação permanente na aldeia, que abrigaram mais de três mil exemplares de araucária. "Essa conservação é fundamental para a preservação de nascentes", comentou. Os próximos projetos incluem a piscicultura e exploração de eucalipto.

Burocracia dos órgãos competentes

Apesar o salto de desenvolvimento que a aldeia indígena de Queimadas vem conquistando nos últimos anos, a comunidade ainda sofre com a burocracia de órgãos responsáveis pela população indígena. Um exemplo é o posto de saúde, que apesar de contar com uma equipe fixa, composta por médico, dentista e enfermeira, que atende diariamente na aldeia, o local não oferece condições ideais de saúde.

A unidade não possui sala de espera, e a população precisa aguardar pelo atendimento em frente à casa ou no corredor. O estoque de medicamentos corre o risco de ser contaminado pelo dejeto de morcegos que se instalaram no forro do posto. A coordenadora da unidade, Regina Maria Pereira diz que uma das salas, que possui diversas rachaduras nas paredes, serve tanto para exames, inalação ou curativos. Regina comenta que com a construção das casas na aldeia ajudou a diminuir os casos de doenças respiratórias na aldeia, "porém as condições no posto de saúde estão muito precárias".

Outro problema é a escola. O representante da Missão de Cristianismo Decidido, Martin Kaegso Hery – filho de um casal de alemães que iniciaram há 40 anos um trabalho com os índios da região, e que nasceu na aldeia, onde vive com a família há 10 anos – conta que cansados de esperar a construção da nova escola, demoliram no ano passado o prédio de madeira que estava prestes a cair.

"Com o material que deu para aproveitar, estamos concluindo uma escola provisória, já que aguardamos há dois anos uma resposta da Secretaria de Educação sobre a nova escola", falou Kaegso. Hoje, parte dos alunos têm aula na sede da associação indígena, e tem que dividir com a professora uma única mesa. A professora Marina Ireno de Souza – que percorre dois quilômetros a pé para chegar na aldeia – diz que a situação é bem difícil, mas vem fazendo o que pode para ensinar os alunos.

O coordenador regional do Paraná da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Vinicius Reali Paraná, prometeu que ainda nesse ano devem iniciar a construção de um novo posto de saúde em Queimadas. (RO)

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