As baixas temperaturas com a proximidade do inverno aumentam os problemas dos cerca de 4.500 moradores de rua de Curitiba. Muitos só percebem que debaixo dos cobertores e papelões nos cantos de calçadas há pessoas, quando os desabrigados começam a “incomodar”, deitados no meio do caminho ou pedindo dinheiro, comida e cigarro.

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Os motivos por que as pessoas vão morar nas ruas passam por expulsão de casa devido ao vício em drogas ou álcool; perda do emprego e vergonha da família ou dos vizinhos; desgosto com a vida; estrutura familiar frágil entre outras razões. “Há muitos que vão para as ruas por causa da liberdade que ela dá. Mas quando se dão conta e enxergam o que deixaram para trás, já é tarde. Não conseguem mais voltar”, explicou o morador de rua Vilmar Rodrigues, 46 anos, o “Paulista”.

Necessidades

Intercalando momentos em que pôde pagar aluguel e os momentos em que não tinha teto, Vilmar chega a 25 anos na rua. Ativista que já lutou em prol desta população, ele diz que as dificuldades vão desde pequenas coisas, como não conseguir sequer duas cópias de xerox dentro dos Centros POP (antigos albergues), de documentos necessários para entrevista de emprego, até fazer cocô. “Se eu estou na rua e sinto vontade, tenho que ter pelo menos cinquenta centavos para pagar o banheiro da rodoviária. Se não tem, como que faz?”, lamentou.

Vilmar tem um canto numa praça, onde costuma guardar uma mochila com menos de meia dúzia de roupas e alguns pertences. “A roupa que eu estava usando secou no corpo. A cueca ficou dois dias molhada. Não tenho outra seca para colocar”, disse.

Da cadeia pras ruas

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Gerson Kamarowski, 43 anos, tem três filhos. Já teve casa e esposa. Porém, desentendimentos com a irmã o levaram à cadeia e, depois, às ruas. Faz 10 anos que não tem teto fixo. Antes e depois da cadeia, somou 20 anos trabalhando em lanchonetes, de lavador de pratos a chapeiro. Também já trabalhou em empresas de instalação e manutenção de alarmes, câmeras e portões elétricos.

Gerson já teve emprego. Foto: Aliocha Maurício.

Sobrevive cuidando de carros e vendendo talões do Estar na Rua Vicente Machado, ganhando entre R$ 20 e R$ 30 por dia, suficiente para comer e comprar cachaça. Na noite anterior ao relato que deu ao Paraná Online, tomou dois litros com um amigo e acordou num ponto de ônibus da Praça Carlos Gomes, enrolado num lençol fino e úmido de garoa fria. Das várias filas de ônibus que se formaram no ponto, ninguém teve coragem de ver se ele precisava de algo ou até se estava vivo.

Jorge tem saúde debilitada. Foto Aliocha Maurício.

Mudança frustrada

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Jorge Luís Gomes, 40 anos, tem dois filhos e já teve esposa, casa e carro. Desentendimento com os familiares, no Rio Grande do Sul, o fizeram vir a Curitiba tentar melhorar a vida. Não conseguiu emprego e adquiriu desgosto tão grande pela vida, que nem vontade de se levantar mais da beirada da calçada ele tem. Há um ano e meio está nas ruas. Prefere ficar lá dentro da sua casa de papelão, enrolado em plásticos e nas roupas que conseguiu, esperando que alguém lhe deixe comida.

Portador do vírus HIV, precisa ser internado constantemente. Mas diz que tem sido muito difícil e nem tenta mais vaga nos abrigos da FAS (Fundaç&atild,e;o de Ação Social), porque perdeu os documentos e não consegue entrar. Quando a saúde permite, chega a lucrar entre R$ 50 e R$ 60 vendendo para-brisa de carros. No dia em que o Paraná Online o abordou na Rua José Loureiro, ele tinha uma tosse carregada e pediu ajuda para ser internado.

Mais leitos não resolvem

A Fundação de Ação Social (FAS), da prefeitura, aumentou a quantidade de leitos nos abrigos noturnos para moradores de rua. No entanto, as vagas, em abrigos públicos e conveniados, são quase cinco vezes menor que a quantidade de gente dormindo debaixo de marquises. Porém, mesmo com vagas teoricamente insuficientes, muitos abrigos da FAS acordam com camas vazias.

Leia amanhã as reclamações de moradores de rua com relação à estrutura e trabalho de voluntários para amenizar o frio de quem não tem teto.

Esperança e vergonha no recomeço

Apesar de ter conseguido fazer a barba e cortar o cabelo num dos Centros POP, Vilmar Rodrigues sentia vergonha da blusa de lã que estava usando, porque no dia seguinte ao relato ao Paraná Online, iria fazer entrevista de emprego numa empresa de serviços gerais. E a blusa estava cheia de bolinhas e sem alguns botões. “Não estou reclamando. Só dá vergonha de ir assim na empresa. Conta pontos na entrevista se eu estivesse melhor vestido”, disse cabisbaixo.

Em pouco mais de 30 dias, ele já tinha feito mais de 10 entrevistas de emprego. “Quando pedem um telefone para contato, dá vergonha de dizer que sou morador de rua e que não tenho telefone. Sem explicar muito só dou o telefone lá do Centro POP que frequento para recados. Nem falo se é residência, o que é. Mas a gente nunca sabe se eles estão nos dando os recados corretamente. Então sempre volto nos locais das entrevistas para ver se me ligaram ou me selecionaram pra vaga”, relatou.