Armazéns conservam o “freguês de caderno”

Apesar de toda tecnologia disponível hoje em dia, muitos proprietários de pequenas mercearias e armazéns de Curitiba ainda utilizam a velha caderneta para anotar as dívidas dos clientes que compram fiado. Principalmente em bairros mais afastados do centro da cidade, onde o poder aquisitivo da população em geral é menor, muitos comerciantes ainda acreditam na boa fé dos fregueses e se recusam a aposentar o caderninho.

É o caso de um dos sócios da mercearia Campo Comprido, em Curitiba, Valdeli Xavier Miranda. Há dez anos, ele conquista a fidelidade de seus clientes utilizando o antigo sistema. “Dou uma caderneta para os clientes onde anoto o que foi comprado e quanto foi gasto em determinada data. Em um caderno que fica na mercearia, faço as mesmas anotações para não me esquecer das dívidas e poder cobrá-las”, conta. “Geralmente dou um prazo de quinze dias para que as pessoas paguem. Porém, para aposentados e pessoas que sei que têm mais dificuldades financeiras, aumento o prazo para trinta dias.”

Valdeli revela que o sistema continua dando certo e que, raramente, alguém deixa de cumprir com a palavra. “Dificilmente levo calote. Às vezes, acontecem imprevistos com os fregueses, que acabam não podendo pagar. Então, conversamos e combinamos outras formas de pagamento. Na maioria das vezes, parcelo as dívidas ou dou um outro prazo para que a pessoa possa se recuperar e então me pagar.” Atualmente, a mercearia do Campo Comprido tem entre sessenta e oitenta clientes de caderneta.

No armazém Santa Ana, no bairro Umbará, o sistema de anotações no caderninho também ainda funciona. Porém, a proprietária, Ana Szpak, só vende fiado a pessoas bastante conhecidas, que ela tem certeza de que não vão deixar de pagar. Hoje, somente vinte clientes são beneficiados pelo sistema. “Antigamente, eu vendia fiado para várias pessoas. Hoje, depois de levar muitos calotes, aprendi que isso não funciona mais. Só vendo para quem eu conheço bem, tenho referências e sei que sempre paga. Não me arrisco muito mais do que isso.”

Para os clientes, o sistema é vantajoso. Dificilmente, em casos de atraso no pagamento, os comerciantes colocam o nome dos fregueses na lista dos devedores. “Evito ao máximo sujar o nome das pessoas que compram em meu estabelecimento. Sempre procuro confiar nelas e tudo é feito na base da palavra”, diz Valdeli.

Ineficiência

No entanto, há também quem acredite que o sistema não funciona em uma cidade grande como Curitiba e prefere não abrir exceções. O comerciante Ronaldo de Camargo Lima saiu do interior do Estado e, há nove meses, abriu uma mercearia na capital, também no bairro Campo Comprido. Ele conta que, em sua cidade de origem, utilizava o sistema de caderneta, pois a região era pequena e todo mundo se conhecia. Em Curitiba, não tem coragem. “Ainda não conheço muita gente aqui na capital e não me arrisco a vender fiado. No interior anotar a dívida no caderninho até que dava certo, embora às vezes eu levasse alguns calotes. Em cidade grande, acho que é quase impossível fazer isso, pois é muito difícil conhecer todo mundo. Não posso me arriscar a sair no prejuízo”, explica.

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