Anúncio de uma tragédia premeditada

O recente vendaval em Curitiba fez vítimas e causou transtornos aos cidadãos. Quedas de energia e árvores, inundações, estão entre os acidentes provocados pela chuva torrencial e pelos fortes ventos na semana passada. Antes, porém de imputar aos desígnios da natureza a total responsabilidade pelo cenário catastrófico, é preciso avaliar quais seriam realmente os acidentes inevitáveis e quais são aqueles que poderiam ser prevenidos pela ação dos cidadãos, órgãos públicos municipais e estaduais. Na balança, a real capacidade da cidade em realizar a prevenção de situações de risco que possam ser potencializadas pelos agentes naturais.

Cidadão versus Kafka – Um dia após serem constatados os estragos provocados pelo vendaval, o secretário municipal da Defesa Social de Curitiba, coronel Sanderson Diotalevi, avaliou que os registros mais comuns verificados em quase todos os bairros da capital foram os de quedas de árvores. Segundo informações oficiais da Prefeitura Municipal de Curitiba, 200 solicitações de atendimento para remoção das árvores caídas foram realizadas na segunda-feira, após o temporal. Comprovada pelas estatísticas, as fartas imagens televisivas de troncos de árvores que despencaram sobre residências e automóveis evidenciam a declaração do secretário. Mas as imagens de árvores com as raízes expostas e casa demolidas, que parecem refletir somente a inevitável força da natureza, revelam também uma lacuna deixada pela falta de conscientização dos cidadãos, burocracia e ineficiência do poder público em prevenir possíveis acidentes. Citemos um caso emblemático: o gigantesco eucalipto que desabou no n.º 760 da Av. Três Marias, Vila Real, na região Oeste de Curitiba, no dia do vendaval, tem um histórico de fazer inveja aos contos de Kafka. Prevendo a possível queda das árvores do terreno da propriedade da Construtora Xingu, a moradora da casa ao lado, Franciele Dutra Dias, realizou, em maio de 2001, um abaixo-assinado e solicitou à proprietária do terreno a liberação para o corte. Depois de muita insistência, a moradora conseguiu que a empresa realizasse o pedido. De posse do documento de autorização, a cidadã dirigiu-se à Secretaria Municipal do Meio Ambiente que permitiu somente a poda das árvores, em laudo assinado pelo engenheiro responsável, sob a alegação de que os eucaliptos não causavam risco à população. Como a moradora não conseguiu uma madeireira que realizasse somente a poda (os custos ficaram por conta do solicitante e a solução encontrada pelos moradores de baixa renda é a permuta com a empresas do corte pela madeira), a situação ficou como estava; sem solução. Em novembro de 2002, um dos eucaliptos que, segundo o órgão municipal, não ofereceria risco aos moradores, simplesmente desabou só não atingindo a residência por “milagre” (o eucalipto acabou ficando “escorado” em outra árvore). O pesadelo, no entanto, da moradora, continuou e, no último vendaval, outro eucalipto acabou caindo sobre o quintal da mesma casa, destruindo toda a varanda. Novo milagre, pois a residência, na qual habitam um casal com duas crianças (uma de cinco meses), saiu ilesa. Mesma sorte não teve o morador Paulo Cézar Silva, do bairro Santo Inácio, que entre idas e vindas burocráticas, tentando resolver o problema do corte de um cedro em sua propriedade, teve, em maio de 2002, sua residência completamente demolida pela árvore. Esposa e filhos do morador escaparam no último instante.

Executivo, que instituiu o Código Florestal do Município, notamos a preocupação legítima de adequação às modernas exigências ambientais. Já em seu art. 3.º, a Lei “veda, sem a devida autorização, o corte, derrubada ou qualquer ação que possa provocar dano, alteração do desenvolvimento natural ou morte de árvore em bem público ou particular”. No art. 16, do referido Código, destaca-se que o requerimento do corte só poderá ser feito pelo proprietário do terreno. Precisamente aí, o cidadão encontra a primeira dificuldade imposta pela lei, pois o proprietário do imóvel nem sempre entende que o corte da árvore seja inevitável, principalmente se não estiver morando ali, ou caso queira fugir das obrigações da lei, como o replantio, destinação dos resíduos e gastos com o corte. Nos seus 47 artigos, o Código Florestal do Município não abre nenhuma brecha para que a comunidade reaja contra os proprietários de imóveis que, por desleixo ou má vontade, possam, através da omissão no corte de árvores que causem risco, virem a ser os agentes de possíveis tragédias. Ainda que a Lei 9.806 preveja (art. 22, parágrafo 1.º) a intervenção do cidadão, no caso de requerimento autorizado pela Secretaria do Meio Ambiente, na solicitação de corte de árvores de arborização públicas que possam causar riscos, não existe artigos que estimulem a fiscalização dos órgãos municipais sobre aquelas árvores que possam causar riscos e danos à população. Sobre a responsabilidade e o dever municipal na atuação preventiva, o Código se cala, em contraste aos legítimos e enérgicos capítulos que tratam da penalização por infrações ambientais através de pesados multas.

Exemplo de Londrina – A sociedade curitibana está exigindo uma atuação mais efetiva do Poder Executivo no sentido de prevenção de futuros acidentes causados pelos fatores climáticos potencializados pela omissão dos órgãos públicos. Neste sentido, citamos a cidade de Londrina como exemplo de desenvolvimento de uma política pública que incentiva a intervenção municipal visando a prevenção: a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema), está realizando o abate de 10 mil árvores doentes. também estão podando 110 mil árvores. Ao todo, Londrina está fazendo um investimento de R$ 2.366,345,00 no setor de prevenção.

O projeto realizado pela Prefeitura Municipal londrinense, sob a orientação da Secretaria do Meio Ambiente, ainda conta com um convênio com a Companhia Paranaense de Energia (Copel), através do qual se está realizando a poda e a erradicação de árvores que estão sob a rede de distribuição de energia elétrica. Só com o convênio, 26.000 árvores estão sendo podadas. A Copel entrou com 270 mil no projeto.

Todas estas iniciativas demonstram que a preservação ambiental pode conviver com um plano responsável de prevenção, pois, paralelamente, 30 mil árvores estão sendo plantadas naquela cidade.

Nilton Brandão

é filósofo, matemático, mestre em educação, servidor público da UFPR e professor da rede estadual de ensino. Exerce o seu primeiro mandato como vereador da Cidade de Curitiba.

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