Análise

Água consumida pelos paranaenses está contaminada com agrotóxicos

Foto: Arquivo/Tribuna do Paraná

Uma mistura de diferentes agrotóxicos está presente na água que sai da torneira de mais de 90% das cidades do Paraná. A combinação foi detectada em coletas e análises realizadas por empresas de abastecimento do estado entre 2014 e 2017 e que integram relatórios do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) do Ministério da Saúde.

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Em 326 dos 399 municípios paranaenses foram detectadas as 27 variedades de pesticidas testadas, incluindo a capital Curitiba. E em 28 cidades pelo menos um agrotóxico estava acima do limite permitido, casos de Araucária, Guaratuba, Paranaguá e São José dos Pinhais, por exemplo. O Paraná só não apresenta um cenário pior que São Paulo, onde 504 cidades apresentaram todos os agrotóxicos analisados. Na proporção, entretanto, o caso paranaense é mais substancial.

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Por lei, as companhias de abastecimento de todo o país são obrigadas a verificar periodicamente a presença de 27 tipos de pesticidas na água que circula na rede de distribuição – no Rio Grande do Sul são testados 46 agrotóxicos. Entre os pesticidas estão 16 que são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como altamente ou extremamente tóxicos. Os 11 restantes estão associados ao desenvolvimento de problemas de saúde, como câncer, disfunção endócrina e malformação fetal, de acordo com agências ambientais e de saúde dos Estados Unidos e da União Europeia.

Nove pesticidas da lista são proibidos no Brasil, mas mesmo assim constam nos dados do Sisagua. A situação seria considerada mais crítica caso os parâmetros usados fossem os mesmos da União Europeia, que recentemente atualizou a regulação do uso de agrotóxicos. Além dos 11 já proibidos por aqui, outros sete são barrados na Europa.

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Entre os permitidos, o limite de contaminação é abissal. Enquanto por lá o máximo permitido de substâncias é de 0,1 micrograma por litro, no Brasil há defensivos que podem aparecer na água a 500 microgramas por litro. É o caso do glifosato, o agrotóxico mais vendido no país, e que está em processo de reavaliação toxicológica pela Anvisa – o parecer atual é de que não há evidências de que a substância cause câncer.

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Pelos dados do Sisagua, apesar da detecção de 27 substâncias diferentes em Curitiba, todas estão dentro dos limites brasileiros. Se os critérios europeus fossem usados no Brasil, 19 agrotóxicos presentes na água da capital paranaense estariam acima do nível permitido.

Coquetel de agrotóxicos

O Paraná é o segundo estado brasileiro com mais cidades que registraram a presença de 27 tipos diferentes de pesticidas na água, perdendo somente para São Paulo.

Agrotóxicos detectados

Infográfico: Gazeta do Povo

 

Infográfico: Gazeta do Povo
Infográfico: Gazeta do Povo

Municípios sem nenhum agrotóxico detectado
Cor amarela mais clara no mapa (∎)

1 Abatiá
2 Alvadora do Sul
3 Andirá
4 Ibiporã
5 Jussara
6 Kaloré
7 Nova Santa Bárbara
8 Peabiru
9 Pitangueiras
10 Santa Isabel do Ivaí

Concentração na água

Infográfico: Gazeta do Povo

 

Infográfico: Gazeta do Povo
Infográfico: Gazeta do Povo

Municípios com pelo menos 1 agrotóxico acima do limite brasileiro
Cor preta no mapa (∎)

1 Araruna
2 Araucária
3 Astorga
4 Bocaiúva do Sul
5 Bom Jesus do Sul
6 Campina Grande do Sul
7 Campo Magro
8 Clevelândia
9 Corumbataí do Sul
10 Fernandes Pinheiro
11 Floraí
12 Flórida
13 Guaratuba
14 Honório Serpa
15 Jaguariaíva
16 Leópolis
17 Mallet
18 Munhoz de Melo
19 Paranaguá
20 Pinhão
21 Pranchita
22 Presidente Castelo Branco
23 Salgado Filho
24 São José dos Pinhais
25 São Miguel do Iguaçu
26 Serranópolis do Iguaçu
27 Tuneiras do Oeste
28 Ubiratã
Fonte: Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) – Ministério da Saúde.

Infográfico: Gazeta do Povo
Infográfico: Gazeta do Povo

Reação

“Esses dados do Sisagua mostram que os limites de segurança estão sendo extrapolados de longe. E os métodos que temos hoje para retirar os agrotóxicos da água não são eficientes. Isso significa que precisamos repensar a forma de trabalhar para limpar a água contaminada”, analisa o engenheiro agrônomo e membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Leonardo Melgarejo.

Os dados do Sisagua, entretanto, não são unanimidade, especialmente quanto à metodologia aplicada e à ausência de um padrão de coleta e análise entre as companhias de abastecimento de todo o Brasil, sejam elas públicas ou privadas.

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“Os dados do Sisagua não são confiáveis. Não há um controle sobre a metodologia usada pelos órgãos que coletam e analisam as amostras”, comenta o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Observatório do Uso de Agrotóxicos e Consequência para a Saúde Humana e Ambiental no Paraná, Victor Alvarez. “Precisaríamos de um controle adequado e sistemático de coleta de amostras levando em conta o contexto, os períodos de maior uso de agrotóxicos e as regiões mais sensíveis”, complementa.

A Sanepar também contesta o sistema do Ministério da Saúde, especialmente a inserção de dados no Sisagua. “No momento de registrar os resultados de suas análises, não há no cadastro do Sisagua a opção de informar a não detecção do princípio ativo do composto. O Sistema de Informação aceita apenas o registro como ‘no limite’ em vez de ‘ausente”. Desta forma, fica registrada a presença de agrotóxico na água, mesmo que não tenha sido detectada, distorcendo a informação”, comentou a companhia em nota enviada à reportagem.

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Segundo a empresa, em todos os testes realizados para a detecção de agrotóxicos não foi registrada presença acima dos limites permitidos. “A Sanepar informa que não foi detectada presença de agrotóxicos em nenhuma análise realizada pela empresa acima do Valor Máximo Permitido (VMP) pela Portaria de Consolidação 5, anexo XX, do Ministério da Saúde, conforme histórico disponibilizado a este Ministério”, complementou a Sanepar, que distribui água em 345 municípios paranaenses.

A Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa) alertou que “a exposição crônica aos agrotóxicos, mesmo que em pequenas doses por longos períodos de tempo, podem causar diversos agravos à saúde da população”. No entanto, garante que a água consumida no estado está dentro dos padrões de potabilidade.

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O professor da UFPR diz que ainda não há um indicador confiável para determinar se a água que verte das torneiras está contaminada de agrotóxicos e qual é esse grau de contaminação. Apesar disso, também não é possível garantir que a água esteja limpa. “Há um risco envolvido, que é inerente a uma atividade que usa veneno agrícola com grande intensidade. Mas não sabemos o quanto”, comenta Alvarez.

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo também defende novos estudos, mais aprofundados e com foco na saúde. “Nós podemos ampliar estudos e pesquisas sobre os efeitos na saúde, mas temos informações suficientes para tomar medidas corretivas. Precisamos de análises mais eficazes. A água é uma amostra de um determinado momento, mas e organismo vivo que ali habita?”, questiona.

Discórdia

As entidades que representam o setor dos agrotóxicos criticam os métodos do Sisagua e garantem a qualidade, a eficiência e a segurança das substâncias para a saúde humana. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) comunicou em nota que a segurança para as pessoas e para o meio ambiente é atestada por órgãos nacionais dos setores de agricultura, saúde e meio ambiente, nomeadamente Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama.

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O Sindiveg ainda informou que o “setor de defensivos agrícolas se empenha em garantir o emprego correto dos produtos no campo porque foram desenvolvidos para combater as pragas, doenças e plantas daninhas nas lavouras, seguindo as recomendações de rótulo e bula.”

A Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), entidade que representa as empresas que atuam em pesquisa e desenvolvimento de soluções para controle fitossanitário, atacou os dados do Sisagua e disse que o compromisso do setor é “fornecer tecnologia adequada, moderna e cada vez mais segura para o agricultor”. Além disso, defendeu que os agrotóxicos no Brasil passam por “um dos processos de regulamentação e aprovação mais rígidos do mundo” e que a indústria investe milhares de dólares em boas práticas agrícolas, pesquisa e desenvolvimento todos os anos.

“PL do Veneno” x Política de Redução

Dois projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados podem alterar significativamente a lista de produtos proibidos e permitidos, bem como os limites de uso de cada um. O primeiro (PL 6670/2016) prevê a instituição da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. Em linhas gerais, atualiza a lei de 1989 que trata do assunto e propõe a redução nas facilidades para produção, importação, registro e uso de defensivos agrícolas no Brasil. De outro lado está o projeto de lei 6299/02, apelidado de ‘PL do Veneno’, que pretende flexibilizar o uso de agrotóxicos, inclusive permitindo o uso de substâncias hoje proibidas pela Anvisa.

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“A PL do Veneno caminha no sentido contrário de uma política nacional de combate ao uso de agrotóxico. Quer tirar a tarja de que é algo perigoso e tóxico, tirar o grande ganho da lei de 1989 da análise de perigo. Seria um retrocesso de 30 anos na legislação, não é pouca coisa. Enquanto isso os países desenvolvidos estão indo para o caminho oposto”, opina o professor da UFPR, Victor Alvarez.

Em contrapartida, o Sindiveg acredita que a aprovação da “PL do Veneno” traria “avanços para a agricultura brasileira” e levaria “mais tecnologia ao campo, permitindo mais inovação, eficiência, e investimento na produção agrícola brasileira e assegurando mais alimento de qualidade na mesa do brasileiro.”

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