A história secreta da pavimentação da Ribeira

Há duas semanas, o prefeito de Bocaiúva do Sul, Élcio Berti, voltou de Brasília com um troféu em mãos: a ordem de serviço assinada pelo responsável do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) para a retomada das obras de pavimentação da Estrada da Ribeira. Foi a coroação vitoriosa de sete anos de luta buscando recursos federais para o asfaltamento da rodovia. Pouca gente sabe, no entanto, como Berti conseguiu o documento. A história é uma “bomba”.

Parece roteiro de filme com pitadas de comédia. Bem ao estilo de Élcio Berti, o prefeito que, em sete anos à frente do município, ficou conhecido nacionalmente por maluquices como a proibição do uso de camisinha em Bocaiúva, a distribuição de Viagra e a construção do “ovniporto”. Mas é uma história real, que ficou guardada entre as quatro paredes do gabinete do engenheiro José Elias Miziara Neto, coordenador-geral de Construção do Dnit, e somente agora vem à tona.

Berti embarcou para Brasília no dia 22 de setembro, uma segunda-feira, determinado a voltar com a ordem de serviço em mãos. Ele tinha audiência marcada no Ministério dos Transportes no dia seguinte, mas naquela data o ministro Anderson Adauto teve que viajar para Macapá. O prefeito, que também é presidente da Frente de Trabalho Pró-Pavimentação da BR-476 e do Fórum do Desenvolvimento Sustentável do Vale do Ribeira, decidiu então ir ao Dnit – que funciona em um prédio separado do ministério.

Segredo

Élcio Berti levava uma pasta executiva com documentos, uma garrafa de champanhe para comemorar ? caso a empreitada fosse bem-sucedida ? e um segredo bem guardado: uma peça de furadeira, que à primeira vista pode ser confundida com um detonador de bomba. A furadeira havia sido tomada emprestada de um vizinho em Bocaiúva.

O prefeito não tinha audiência marcada com José Miziara e teve que esperar um bom tempo até ser recebido. O que o ajudou foi o fato de ter sido reconhecido pela recepcionista do gabinete ? Berti virou celebridade nacional depois que compareceu ao Programa do Jô para falar da construção do “ovniporto”.

Ao ser finalmente recebido por Miziara, Berti expôs os motivos da sua visita. Mas o engenheiro do Dnit se limitava a seguir as instruções burocráticas de sempre: não havia previsão no Ministério dos Transportes de liberação de verba para a BR-476, portanto, nada poderia ser feito. Além do mais, argumentava Miziara, o ministro estava viajando.

Ultimato

Depois de uma hora de conversa, da qual participou também um coordenador do órgão responsável pelas obras no Paraná, o prefeito de Bocaiúva do Sul percebeu que teria que lançar mão do truque para não sair dali de mãos vazias. Resolveu tirar o ás da manga, na cartada final e decisiva para obter os recursos tão desejados para a obra: colocou sobre uma mesa do gabinete a peça da furadeira, um isqueiro, e anunciou: “Não se mexam mais. Tenho aqui uma coisa que lá na minha terra derruba pedreira. Estoura pra valer. Vocês tem uma hora para conseguir a ordem de serviço com o ministro.”

O resto da história todos conhecem. Berti voltou para Bocaiúva no dia seguinte com a ordem de serviço assinada. A promessa é de que até o dia 15 de outubro estejam disponíveis, para a empreiteira J. Malucelli, os R$ 10 milhões necessários para prosseguir com a pavimentação da Estrada da Ribeira.

Champanhe

Procurado por O Estado, Élcio Berti não confirmou nem negou a história. “Em nenhum momento falei que tinha uma bomba. Quando falei em estourar alguma coisa, estava me referindo ao champanhe”, disse o prefeito.

Estrada em estado precário

A BR-476 começa logo após o trevo do Atuba, em Curitiba, e corta os municípios de Colombo, Bocaiúva do Sul, Tunas do Paraná e Adrianópolis. A rodovia está pavimentada no trecho que vai até Tunas. Dali, até Adrianópolis ? divisa com SP ? são 50 km em estado precário. Buracos, ausência de acostamento e sinalização e o verdadeiro lamaçal em que a estrada se torna quando chove são alguns dos transtornos enfrentados pela população local, que acaba ficando isolada em dias de muita chuva.

A Estrada da Ribeira é uma das mais antigas do Paraná. Começou a ser construída em 1920. A região do Vale do Ribeira tem uma população atual de cerca de 40 mil pessoas. Esse número já foi de 100 mil habitantes, mas a dificuldade de acesso fez com que muitos moradores abandonassem as cidades, empobrecendo ainda mais a região. (BM)

Tudo pelo Vale do Ribeira

Berti causou polêmica quando decidiu, por decreto, proibir o uso de camisinha na cidade. A justificativa do prefeito era simples: a população de Bocaiúva vinha encolhendo e ele queria estimular o nascimento de crianças.

Foi a primeira de muitas idéias que Berti, um homem de origem simples que não esconde o sotaque do interior, lançou para chamar atenção da imprensa, da opinião pública e de autoridades para o estado lamentável dos municípios do Vale do Ribeira, uma região que já foi próspera ? quando servia de passagem para o Estado de São Paulo ? mas que há anos vem sofrendo com o isolamento, perda de população e de investimentos e o empobrecimento da população. Tudo isso, de acordo com Berti, por conta da rodovia não-pavimentada, que impede o progresso dos municípios da região. “Podem me chamar de louco o quando quiserem”, costuma dizer. “Faço o que for preciso para lutar pela minha região.”

Foi munido deste mesmo estado de espírito que, há dois anos, Élcio Berti ameaçou “despejar”, no gabinete do então secretário estadual da Segurança, José Tavares, oito presos que haviam sido mandados para a carceragem da pequena delegacia de Bocaiúva.

Sem recursos, a delegacia é mantida com verba da Prefeitura, que inclusive empresta funcionários e manda alimentação para os presos. Berti estava revoltado por ter que dispender dinheiro e pessoal com detentos perigosos ? “que não eram de Bocaiúva, uma cidadezinha pacata”, conforme lembrava ? e durante vários dias pediu, via ofícios e telefonemas, que Tavares transferisse os indesejáveis elementos. Sem resposta por parte da secretaria, Berti colocou os presos dentro de um veículo da Prefeitura e avisou que ia entregá-los no gabinete do secretário. “Afinal, ele é responsável por estes homens, e não a Prefeitura de Bocaiúva”, argumentou. Foi o que bastou para que, no mesmo dia, os detentos fossem transferidos para outras delegacias.

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