Parabéns, Curitiba!

O que era felicidade, hoje me mata de saudade… Não é verdade, o poeta errou! As lembranças alimentam o espírito, embalam os sonhos e animam o coração para bater mais forte. Nasci em Curitiba, há 64 anos. Foi na casa da minha tia Bela, na Rua Assunguí hoje Mateus Leme, esquina com a Jataí, então somente um caminho, e agora Roberto Barrozo. A vizinhança toda foi ver o filho do sargento Orlando e da Esmeralda, como era costume na aconchegante e provinciana cidade que está completando seu 310.º aniversário. Aquele trecho de rua, da casa do bispo e da metalúrgica Mueller que virou shopping, a Senador Xavier da Silva, até a Ponte, onde tinha o armazém do Neco, na Rua Agostinho Macedo. Mas meus domínios se estendiam por um quilômetro, em todas as direções: ao Norte, o Cassino Ahu, onde imperava o jogo livre ao lado de grandes shows de artístas famosos; ao Sul, a Praça Tiradentes, do relógio de sol (que está lá ainda, na fachada da antiga Farmácia Stellfeld); a Leste, o campo do Coritiba, dos grandes cedros que serviam de geral para a gurizada, e a Oeste, a Saibreira, onde tinha o campo do Vasco, em cujas proximidades vivia uma menininha, Izolde, que viria a ser a paixão da minha vida e a mãe dos meus filhos, filha do simpático e amável carteiro da minha rua, o “seu” Benvindo.

Outros personagens extintos pelo progresso foram o geleiro, espanhol que trazia em sua “carruagem” verde, de dois cavalos, o gelo (não existia geladeira),e a manteiga “Ouro”; o limpa-chaminé, de terno preto (ou era carvão) e cartola; o sorveteiro e sua corneta estridente, com sua carrocinha toda branca, inclusive o burrinho; o Afonso bilheteiro (de loteria). Pessoas e coisas estão gravadas na minha cabeça, como capítulos de uma novela de época, onde se misturam amor, carinho e amizade. Eram sinceras, amigas e muito dadas, tinham orgulho do que faziam e da sua profissão, tratando todos até com uma certa devoção. Com semblantes alegres e sorridentes, nas tardes de sol, muitas sentavam-se em cadeiras nas calçadas, reunindo as famílias para saudáveis bate-papos.

Lembro de a d. Gertrudes, uma senhora magrinha, de cor negra, que lavava roupa pra fora; o “seu” Ernesto, dono da bomba de gasolina (não havia posto); “seu” Nicolau e d. Ana, que cuidavam de um barzinho; “seu” João, tio de meus amigos Raul e Renê, que ganhou na loteria e montou a Casa Modesta, de roupas, na Rua do Rosário; da d. Lídia, uma velhinha que não atravessava a “pinguela” de madeira sobre o Rio Belém sem que eu desse a mão; do “seu” João (Barulho) e d. Zica, donos de um armazém, onde podia faltar tudo, menos banana; do Juca e do Renato Ramina, filhos do latoeiro, amigos com quem passeava de canoa na Av. Cândido de Abreu em dias de enchente; o rio Belém, onde pescava bagrinhos antes de o curtume do Ahu contaminar tudo, e outras mil que não caberiam nesta página de jornal.

Tudo o que está nestas linhas é para dar uma pálida ideia dos habitantes de toda cidade, que “conquistaram” um estigma de que são “fechados” e que não sabem sorrir, logo aqui, na Cidade Sorriso. Esta bobagem, que abomino, tem dois culpados principais: o Exército e a Universidade Federal do Paraná. O primeiro por trazer do interior, do Paraná e Santa Catarina, milhares de jovens, a maioria camponeses, para servirem nos muitos quartéis daqui, desfalcando o campo e desfazendo familias. Este fato foi condenado pelo então ministro da Guerra, marechal Odílio Diniz, numa diretriz de 1957. Os robustos rapazes, broncos em sua maioria, vinham e não voltavam, esquecendo suas cabritinhas em troca das maravilhas sedutoras que a cidade lhes proporcionava.

Arrastavam com eles parentes e amigos, animados com a qualidade de vida e a beleza natural e das curitibanas. Com isso afetaram a cultura local de forma negativa. Claro que não tinham esta intenção, mas… Quanto à Universidade, a mais antiga do Brasil, um orgulho e símbolo de Curitiba, aconteceu o mesmo. Vieram jovens estudantes de todo Brasil e do exterior em busca de um diploma. Conheci muitos paraguaios, bolivianos, argentinos, uruguaios e de outros estados que, sozinhos, viviam carrancudos, de “saco cheio”, e se dirigiam a outras pessoas com re-beldia e “maus bofes”. Até hoje em dia a invasão continua, com outra roupagem, mas o mesmo desejo de trabalhar e progredir. A cidade inchou, com os sem-terra, sem-teto, sem-saúde, sem-comida e até os sem-vergonha. Os curitibanos são agora uma minoria, acredito que de um para dez. Culpa de quem? Deixa pra lá. Hoje é dia de festa. Parabéns, Curitiba. Você continua linda, minha querida.

Eloir Dante Alberti

(zigzag@parana-online.com.br) é editor de Zig-Zag em O Estado.

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