Palavras, palavras…

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, desautorizou na quinta-feira, ao vivo e em cores, pela televisão, a afirmação feita momentos antes, também pela televisão, do vice-presidente José Alencar, sobre a queda iminente dos juros. “Os juros vão baixar”, disse um vice sorridente, mas convicto. Alencar falara diante das câmeras tendo ao lado o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que, ainda em recuperação de acidente esportivo que lhe fraturou ossos de uma das pernas, também sorriu para disfarçar o visível constrangimento. “Palavras, palavras, palavras…” – desconversou momentos depois um reticente José Dirceu, questionado sobre os desencontros verbais no primeiro escalão do governo – e, para concluir, ensinou: sobre economia, o único que tem a delegação do presidente Lula para falar é o ministro da Fazenda.

O fato, isoladamente, pouco significado tem, a não ser aquele que salta aos olhos: há qualquer coisa além de pensamento divergente na equipe do governo, cujos integrantes não conseguem mais manter o silêncio que a prudência recomenda. Ocorre que o contraditório sobre os juros é mais um desastre verborrágico dentro de uma cadeia de sucessão de desastres originários dessa divergência da equipe que nos governa.

O próprio presidente Lula, faz pouco, externou num dia sua opinião favoravelmente à necessidade de se colocar freio à queda do dólar (ou à valorização de nossa moeda frente àquela norte-americana) para, no dia seguinte, jurar de pés juntos que o câmbio continuará ao sabor das vontades caprichosas do mercado, sem interveniência alguma do governo. O fato bastou, entretanto, para produzir estragos imediatamente.

Com alguma experiência no setor, o ex-ministro Delfim Netto ensinou, a seguir, que a prudência manda o governo abster-se de comentar sobre câmbio; que, quando preciso, é melhor agir rápido e sempre de improviso, exatamente para que não seja ele o indutor de altas e baixas, ou que sua atividade não se pareça com aquela dos especuladores. A mesma sabedoria foi expressa pelo também ex-ministro Rubens Ricúpero. A despeito disso, outro ministro de Lula – Luiz Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – seguiu pregando sua tese segundo a qual dólar bom é aquele acima de R$ 3,00, capaz de incentivar as exportações brasileiras mesmo e apesar da pouca competitividade de nossos produtos devido à supertaxação, como tudo, pelo governo. Grotescamente, Furlan chegou a comparar as propriedades do dólar alto com aquelas do Viagra. Antes disso, o bate-boca sobre os juros e a alta do dólar envolveu publicamente também o senador Mercadante.

O preço do dólar vincula outro assunto indigesto – a inflação. Que, por sua vez, vincula obrigatoriamente a alta dos juros. E aqui também há divergências públicas e notórias, que a cada dia se aprofundam. Segundo o vice José Alencar, as taxas de juros no Brasil são proibitivas. Para usar palavras dele, “proibitivas”, “um verdadeiro despropósito”. Em alguns casos, “a gente poderia taxá-las como um assalto” – disse o vice no embalo dos assaltos a mão armada que atemorizam o País.

Ora, decorridos já quatro meses da posse, está na hora de o governo começar a se entender. Por enquanto, o dólar despenca e o risco-Brasil idem, à conta da credibilidade conquistada pelo médico Palocci. Ele não terá, entretanto, remédio eficaz contra os falastrões da corte se essa conversa divergente começar a contaminar o tecido governamental, assim como já contamina no caso das reformas. Afinal, o que se espera no País inteiro é o surgimento de uma fase de produção em lugar dessa da especulação que vem desde o governo anterior.

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