Paixão pela democracia em lugar de consumo

Quando o físico britânico, Charles Vernon Boys, fez fibras finas de vidro, que podiam ser comparadas às fibras óticas atuais, há mais ou menos um século, ele não tinha intenção de transmitir sinais de luz. Somente na década de 70, as fibras óticas foram utilizadas na comunicação. Preconizaram uma nova era que trouxe vantagens, como: transmissão de dados, sons e imagens a altas taxas, na casa dos 2,5 Gbits; maior segurança nas transmissões; não-interferência de fatores elétricos externos sobre os dados transportados, leveza e menor ocupação de espaço. Nos anos 80, a utilização dos cabos de fibra ótica se generalizou. O primeiro sistema transatlântico, entre Europa e Estados Unidos, foi instalado em 1988 e tinha capacidade de 300 Mbit/s, que equivale a 8000 linhas telefônicas. Recentemente, os sistemas multiplicaram por 100 esta capacidade (Robotiker, 2003).

Hoje, as fibras óticas, definidas como capilares constituídos por materiais cristalinos e homogêneos, utilizam sinais de luz codificados para transmitir dados. Os equipamentos de emissão e de recepção transformam a informação eletrônica em ótica e vice-versa. (Derfler, 1994). Se seu manuseio só pode ser feito por técnicos, seus efeitos podem ser sentidos por qualquer pessoa que usa telefone ou internet, pois as fibras óticas vêm sendo utilizadas para desengarrafar o sistema e proporcionar maior qualidade à comunicação (Correia, 2003). Mesmo assim, não resolveu o problema social da comunicação, nem a sociedade se tornou mais democrática.

Dentro dessas fibras, tabelas, fotos, textos, e outras informações, transmitidas por telefones ou computadores, correm codificadas em sinais luminosos de extrema rapidez. Um grupo de cientistas do Centro de Aceleração Linear da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, anunciou em março de 2000 que uma experiência transmitiu 6,7 GB – ou dois filmes completos em DVD por fibras óticas ao longo de 11 mil quilômetros em 58 segundos, entre Califórnia e Amsterdã, Holanda (Revista World, 2003), ou seja, a velocidade foi de 3.500 vezes maior do que uma conexão típica de Internet banda larga.

O Instituto de pesquisa IDC-Internacional Data Corp divulgou que a NTT-Nippon Telegraph ant Telephone desenvolveu uma tecnologia que dá grande aumento à velocidade de comunicação de dados em fibras óticas instaladas em residências e escritórios. A nova tecnologia vai tornar o download de filmes e os jogos de Internet mais fáceis. Duas horas de vídeo poderão ser baixadas em 30 segundos, comparados aos sete minutos da tecnologia atual (Giron, 2003).

Mas se são tantas as vantagens dos cabos de fibra ótica, porque ainda existem tantos problemas de comunicação? Derfler (1994) diz que depende dos dispositivos de interface e do custo das conexões. Por ser uma interface ótica, um conector de fibra ótica deve criar um ângulo reto preciso em relação à extremidade do cabo, estabelecendo com ela uma conexão perfeita, o que dificulta a instalação. Em geral, as pessoas responsáveis pela instalação freqüentam um curso de um dia, mas a única maneira de aprender é através da prática, e cada conexão estabelecida durante o treinamento custa de oito a dez dólares. São necessários vários minutos para que o instalador treinado estabeleça uma conexão. Portanto, o custo da mão-de-obra é alto, e o responsável pela instalação necessita de um conjunto de ferramentas muito caro, mesmo que seja necessário estabelecer apenas uma conexão. Em outras palavras, esse mercado oferece empregos em número restrito.

É verdade que experimentos para aproximar mais as fibras óticas do cotidiano já chegaram às universidades. Um invento dos alunos de curso de Engenharia Mecânica da PUC do Rio de Janeiro, produzido com fibras óticas, promete ajudar os revendedores de combustíveis a detectarem vazamentos nos tanques a partir de 2004 (Revista Ponto de Observação, 2003), prevenindo impactos ambientais. Mas diante de inventos que proporcionam tanta velocidade e do desejo interminável de consumo de novos produtos, que concentram a atenção máxima dos consumidores, não se pode partir para a alienação dos valores sociais nem esquecer que grande parte da população não tem acesso às novas tecnologias e ficam à margem desse tipo de evolução.

O filósofo grego Cornélius Castoriadis (1922-1997) observa que o econômico vem sendo o valor dominante ou exclusivo que torna as pessoas conformistas na corrida do consumo e as desmotiva da construção de uma atividade autônoma da coletividade. Ele enfatiza que é preciso investir fortemente em outra coisa, além da possibilidade de comprar um novo aparelho de televisão a cores ou um computador, por exemplo. Castoriadis (1982) propõe que a paixão pela democracia, pela liberdade e pelos negócios comuns tome o lugar da distração, do cinismo, do conformismo, da corrida ao consumo e lembra que a autonomia só é conseguida se for desejada para todos e que sua realização só pode ser plenamente concebida como empreitada coletiva.

Zélia Maria Bonamigo

é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (
zeliabonamigo@terra.com.br)

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