Em maio de 2004, o Procon/PR expediu Nota Técnica, sob o n.º 02/2004, externando o seu entendimento sobre a restrição existente no mercado, feita por fornecedores de produtos e serviços, em relação a pagamentos efetuados mediante cheque, de acordo com o tempo de existência da respectiva conta bancária dos consumidores.
No referido expediente, o órgão de proteção aos consumidores esclarece, em suma, que a referida restrição constituiria prática abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, pois, ainda que não seja obrigatória a aceitação de cheque, como forma de pagamento, uma vez que o fornecedor a admita, não seria lícito praticar eventual diferenciação entre consumidores, em razão do tempo de existência de suas respectivas contas bancárias.
Isso porque, segundo a compreensão do Procon/PR, tal distinção seria arbitrária, pois haveria, nestas circunstâncias, uma pré-suposição acerca da insolvência ou inadimplemento do consumidor, cuja conta bancária fosse recente, o que, além de configurar uma prática abusiva, configuraria, também, um tratamento desigual entre os consumidores.
Com efeito, em razão deste entendimento, atualmente, o Procon/PR está autuando administrativamente diversas empresas, contra as quais, também, têm sido movidas ações judiciais de cunho indenizatório, por danos morais, pelos consumidores cujos cheques são recusados, em razão da época em que foi aberta a sua conta bancária.
Assim, devido às demandas judiciais e extrajudiciais acima referidas, insta a relevância deste tema.
Inicialmente, deve-se destacar que cheque, de acordo com a Lei n.º 7.357/85 (Lei do Cheque), é uma ordem de pagamento à vista, pelo qual o emitente, no caso consumidor, emite o referido título em favor do fornecedor, que irá descontá-lo junto ao correlato sacado, que é o banco contra o qual foi emitido e que irá efetuar o pagamento e compensação do título, desde que preenchidos os requisitos exigidos para tal, notadamente, a provisão de fundos, na conta sob a titularidade do emitente. Ou seja, cheque é ordem de pagamento à vista, para o banco sacado, não para o sacador, que recebe o cheque como forma de pagamento, ficando condicionado o adimplemento, à respectiva compensação.
Desta feita, nota-se que o cheque não é equivalente ao pagamento em moeda corrente, isto é, dinheiro, o qual, efetivamente, é de curso forçado em nosso país, nos termos do Decreto Lei n.º 857/69. Logo, não existiria, assim, obrigatoriedade na aceitação deste título de crédito, dada a sua referida condicionalidade.
Além disso, nos termos dos artigos 313 e 315, ambos do Código Civil brasileiro, o credor não é obrigado a aceitar o pagamento de modo diverso do que lhe é devido, sendo que, as dívidas em dinheiro deverão ser pagas pontualmente e em moeda corrente. Portanto, de fato, o consentimento no recebimento de cheque é uma mera liberalidade facultada aos fornecedores, cujo exercício depende de seu livre juízo.
Assim, em que pese a posição adotada pelo Procon/PR, não se pode olvidar que, para o presente assunto, é plenamente cabível outro raciocínio, no sentido de que, não havendo lei que obrigue a aceitação de cheque, e, muito menos, uma que proíba a verificação de certas condições, nesta seara, dentre as quais pode-se incluir um valor mínimo por título ou o tempo de existência da respectiva conta bancária, pelo princípio constitucional da legalidade, segundo o qual ?ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei?(art. 5.º, II, da Constituição Federal), quer nos parecer possível e legítima a previsão de condicionantes, pelo fornecedor, para aceitação de cheques como meio de pagamento.
De outro lado, a questão relativa a um possível tratamento desigual, entre os consumidores, por parte dos fornecedores, o que violaria outro princípio constitucional, da isonomia (art. 5.º, I, da Constituição Federal), deve-se destacar que tal diferenciação somente ocorreria, se as situações verificadas em concreto fossem idênticas.
Todavia, não é o que acontece entre pessoas que possuem contas bancárias abertas em épocas distintas, residindo justamente neste ponto a possibilidade que permitiria um tratamento diversificado, pois as circunstância não são iguais.
Outrossim, é fato real que as estatísticas revelam que grande parte dos cheques devolvidos por falta de fundos são exatamente aqueles de contas recentes.
Destaque-se, ainda, que o Procon/PR não entende ilegítima a recusa de cheques emitidos por consumidores cujos nomes constem em cadastros restritivos de crédito. Porém, esta circunstância, segundo o raciocínio da referida norma técnica, poderia implicar, igualmente, numa presunção de insolvência, a qual, todavia, pode não se verificar, até mesmo porque o respectivo apontamento junto a tais bancos de dados pode ter ocorrido por razões alheias à falta de provisão de fundos propriamente dita.
Ademais, não se pode relegar a existência de inúmeras outras formas de pagamento aceitas pelo comércio em geral, tais como, cartões de crédito, de débito e o próprio dinheiro, os quais, em última análise, resguardam tanto os comerciantes, como os consumidores, na medida em que, além de traduzirem liquidez para o comerciante, evitam ou dificultam golpes aplicados por estelionatários que, não raras vezes, se utilizam de talonários furtados, roubados ou até mesmo falsificados, pelo que, tais medidas, praticadas no mercado de consumo, servem como cautela para resguardar os dois lados abrangidos nessa relação.
Entretanto, cabe ressaltar que é absolutamente fundamental que o fornecedor que pretende restringir o recebimento de cheques exteriorize tal ressalva de forma visível pelo consumidor, afixando avisos sobre a restrição em vários pontos de seu estabelecimento, permitindo ao consumidor o imediato conhecimento das condições de pagamento através de cheque, evitando-se o constrangimento ao qual poderia ser submetido quando da recusa do pagamento da mercadoria ou serviço que pretende adquirir.
Por fim, cumpre alertar que, apesar de nossas considerações, o Procon/PR já fixou seu entendimento sobre a questão, inclusive quanto à aplicação de multas pela inobservância da Nota Técnica n.º 02/2004.
Cassiano Antunes Tavares é advogado. www.prolik.com.br