Pagamento do Tributo e Depósito Judicial no âmbito dos Crimes Tributários

Tem-se discutido exaustivamente se o pagamento parcelado do tributo equivale ao pagamento previsto no art. 34 da lei n.º. 9.249/95, como causa de extinção da punibilidade em relação aos crimes contra a ordem tributária. Firmamos entendimento no sentido de que, com o parcelamento do débito tributário aceito pelo Fisco, anteriormente ao recebimento da denúncia ofertada pelo Ministério Público, o Contribuinte promove seu pagamento, adquirindo o direito de ver extinta a punibilidade pelo eventual crime tributário.

Fato é que, com o aparecimento do crédito tributário, o contribuinte fica obrigado a satisfazê-lo de acordo com a legislação aplicável. Uma questão com a qual nos deparamos, entretanto, é a utilidade do depósito judicial da quantia controversa em âmbito administrativo ou judicial como fator excludente da punibilidade, tal qual o pagamento diretamente aos cofres públicos.

Assim, cabe-nos aplicar a teoria à prática, à luz da controvérsia apontada. Não é suficiente para a configuração de uma infração penal a simples constatação pela fiscalização de que a Receita fora mantida ou induzida a erro. Quando um agente do Fisco detecta a ocorrência de um crime de sonegação fiscal (Lei 8.137/90), com supressão ou redução de tributo, lavrará o competente Auto de Infração, comunicando o `crime’ ao Ministério Público.

Paralelamente ao procedimento de apuração do ilícito tributário pelo Ministério Público e Polícia Judiciária, tramitará o procedimento para apurar a exigibilidade do suposto crédito tributário e, uma vez inscrito o débito na dívida ativa, será efetuada sua cobrança judicial.

Pode o contribuinte, entretanto, sustentar a inexigibilidade do crédito tributário, e, por conseqüência direta, a inexistência de crime, porque, sendo indevido o tributo, não há crime de sonegação fiscal de obrigação tributária.

Entendemos que a ação penal só pode ser iniciada após o lançamento do tributo em caráter definitivo, com o prévio exaurimento da via administrativa, pois não cabe ao Ministério Público, antes disso, propor ação penal em face do contribuinte, mesmo porque, formalmente, inexiste ilícito fiscal. Inobstante isso, é consagrado e reconhecido pela maioria esmagadora dos julgados o princípio da autonomia das instâncias que, em relação ao caso em espécie, não insere a conclusão do procedimento administrativo fiscal em que se discute a exigibilidade do recolhimento do tributo, como condição de procedibilidade dos meios investigatório e acusatório no âmbito criminal.

Assim, temos que a ação penal poderá, por hipótese, terminar antes mesmo que o sujeito passivo da obrigação tributária discuta a legalidade no lançamento do tributo.

Na prática, o que tem ocorrido é que, como a lei admite a extinção da punibilidade, se o contribuinte reconhecer a existência da dívida, pagando-a ou parcelando-a, a ele cabe pagá-la e ter extinta a punibilidade ou discutir o débito, sentando-se por conseqüência no banco dos réus. Sem sucesso, será condenado criminalmente e terá de pagar a dívida.

Suponhamos que, em curso o procedimento criminal, com ou sem prolatação de sentença, o Judiciário entenda indevido o tributo após o julgamento em última instância. A esta altura, causou-se um prejuízo irreparável ao contribuinte/réu. Ousamos chamar este conjunto de constrangimento legal.

Temos, desta forma, o desvio das finalidades precípuas do direito penal, que não deveria se prestar a garantir o pagamento de tributos, contrariando garantias e princípios constitucionais e do direito tributário, como, por exemplo, o direito de discutir a dívida tributária, garantindo o juízo com depósito capaz de suspender a exigibilidade do tributo. Tanto é que, no âmbito do direito tributário, o prévio depósito judicial (integral e em dinheiro) dos valores supostamente devidos ao fisco suspendem a exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, II).

Considerando a unicidade do Sistema Jurídico de um Estado de Direito, bem como a obrigatoriedade do respeito aos princípios da Legalidade, da Ampla Defesa, da Presunção de Inocência e, principalmente, do Não-Confisco, temos que, se promovido anteriormente ao recebimento da denúncia pelo Juiz, o Depósito Judicial, se em um primeiro momento não extingue a punibilidade, é causa imediata da suspensão da pretensão punitiva do Estado, de acordo com a mais ingênua interpretação do art. 93 do Código de Processo Penal.

Tal suspensão, aplicável ao caso, independe da fase probatória no âmbito criminal, pois o constrangimento ilegal pode residir justamente na instrução, já que o contribuinte/réu terá de comparecer a todos os seus atos, sentado, repetimos, no banco dos réus.

A solução, a nosso ver, é absolutamente legal e coerente, pois, uma vez suspensa a exigibilidade do tributo com o depósito judicial dos valores exigidos pelo Fisco (no seu valor total e em dinheiro, repisamos), é de se considerar que o curso da ação penal deve ser suspenso até que aquela questão controversa se esclareça. Lembremos que o bem jurídico tutelado na Lei 8.137/90 é a manutenção da boa ordem tributária, e que o objeto jurídico das normas formadoras do Direito Penal Tributário é diretamente relacionado com a regularidade no recolhimento dos tributos.

Lembremos, também, o óbvio. A lei 8.137/90 tem principalmente efeito intimidatório, colaborando com a arrecadação, mesmo que tardia, de tributos que o fisco entende devidos.

Com o depósito judicial, de um lado, o contribuinte não é compelido a recolher aos cofres públicos algo que entende indevido, somente para se livrar de uma imputação penal. De outro, o insucesso da batalha judicial na esfera tributária não causará prejuízo ao fisco, vez que o depósito efetuado anteriormente será convertido em renda, com a devida correção.

A suspensão do processo criminal coadunará com o lapso de tempo necessário à consolidação dos entendimentos jurídico-tributários em relação à exigibilidade da cobrança do tributo. Elimina-se o hiato criado pela observância do princípio da autonomia das instâncias, que, no caso que trazemos à baila, institucionaliza o medo e legaliza o confisco.

Como o inciso V do art. 156 do CTN dispõe que se extingue o crédito tributário com a conversão do depósito em renda, e o art. 1.º da Lei 9.703/98 qualifica o depósito judicial em pagamento provisório, deixando para se tornar definitivo quando da decantação da obrigação, sua melhor interpretação qualifica, na prática, o depósito judicial como forma de extinção da punibilidade, posto que manifesta a vontade do contribuinte em promover o pagamento do tributo.

Sendo o Direito Penal o sistema que orienta as decisões judiciais e delimita o poder punitivo do Estado Democrático de Direito, nosso entendimento acima declinado tem o fito de colaborar com a prática da almejada Justiça.

Jair Jaloreto Junior

é advogado especialista em Direito Penal Empresarial. (
jjjr@terra.com.br)

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