Outro pênalti perdido

Estreando seu programa de rádio, a exemplo de seus antecessores, o presidente Lula elegeu o tema das aposentadorias dos velhinhos brasileiros para deitar falação a brasileiros e brasileiras. Gerou naturais expectativas, pois o tema, além de social, como convém, e carregado de simbolismos, tinha nos episódios das filas do recadastramento e do reajustamento das pensões e proventos o charme da atualidade. Lula, que não faz muito editou o Estatuto do Idoso, ocupou o tempo maior noutra direção: na defesa do seu companheiro ministro, Ricardo Berzoini, responsável pela mais impiedosa medida contra o canto extremo dos aposentados tupiniquins.

Disse de cara que não pretende substituir o ministro da Previdência, no que o tornou no primeiro homem de seu novo ministério, anunciado para este fim de ano, mas sem data ainda para a nominata dos novos ungidos pelo cambalacho das negociações. Foi além. Elogiou o companheiro como uma “figura excepcional”, um “ministro extraordinário”, um dos “dirigentes sindicais mais importantes” que o País já teve. Enquanto Lula assim elogiava Berzoini, os velhinhos dobravam quarteirões nas filas formadas diante dos postos do INSS, na esperança de obter o reajustamento reconhecido pela Justiça em todos os quadrantes, mas que o governo não quer reconhecer.

Se Berzoini errou? Lula acha que sim, acha que não. Mas não merece reprimenda. Ele se desculpou (embora tivesse anunciado que não o faria e o tenha feito depois, apenas sob ordens do próprio Lula) e está desculpado. Pelo menos pelo presidente. Afinal, “até um bom jogador perde um pênalti, um bom beque central marca um gol contra, nem por isso ele é ruim”. E assim dito, assim feito. Ademais, há muitas fraudes na Previdência e o ministro estava fazendo a coisa certa do ponto de vista do combate à fraude…

Isto é, se estava fazendo a coisa certa, não estava fazendo errado. Se não estava fazendo errado, não há motivo para pedir desculpas. Então, por qual motivo pediu? Berzoini é, então, essa “figura excepcional” porque pediu ou porque não queria pedir desculpas? O ministro é “extraordinário” em quê? Como um dos “dirigentes sindicais mais importantes” do País, ele pode ser um zero à esquerda no governo, pois isso nada tem a ver com aquilo, para não dizer o que todo homem do povo diz quando pretende indicar que uma coisa nada tem a ver com a outra…

O presidente, na verdade, perdeu uma excelente oportunidade para manter sua conversação no foco que interessa à nação e não a seus próprios botões – isto é, na situação de penúria em que vivem nossos velhinhos, aposentados ou não. À luz do interesse popular, outro episódio, tão ou mais contundente que o do constrangimento pelo recadastramento compulsório que deu origem à celeuma, está a acontecer, de novo, sem despertar a sensibilidade do governo: as filas pelo reajustamento das pensões e proventos.

Os velhinhos que comparecem perante a Justiça dentro do prazo e seguindo as formalidades legais terão suas pensões e proventos fatalmente corrigidos. Trata-se apenas de uma formalidade para a obtenção de um direito, tido e havido já como líquido e certo, e que deveria ser concedido sem pedir. Quem não pedir, entretanto, lamba os dedos. Comete-se, assim, a injustiça de conceder aos que pedem e de negar aos que não pedem, ou que não têm condições de pedir (podem estar doentes, ou coisa que o valha) ou perderem o prazo de apresentar o pedido. Tanto que um juiz do Distrito Federal tomou a iniciativa de sugerir ao ministro Berzoini que livrasse outra vez os velhinhos da fila e, sem mais delongas, mandasse recalcular os valores de todo mundo que tem direito. Mas esse ministro extraordinário, esse homem excepcional, esse grande líder sindical nem se dignou responder a carta do juiz. Mandou dizer que não vai atender. E ponto. Dane-se o Estatuto do Idoso e os direitos nele inscritos.

E o que diz disso o também grande sindicalista Lula, esse extraordinário trabalhador que virou presidente, esse excepcional nordestino um dia pobre a quem o País confiou o discernimento de dirigir nossos destinos com sabedoria, justiça e sensibilidade social? Outro pênalti perdido?

Voltar ao topo