Ousar é preciso

O lucro dos bancos que operam no País acusa aumento fenomenal de produtividade, cravado no balanço do terceiro trimestre do ano em crise. Só o Banco do Brasil acumulou lucro líquido que se aproxima da casa dos dois bilhões de reais. Um verdadeiro milagre para uma instituição bancária pública que consegue aliar objetivos de desenvolvimento social com as metas de especulação – perdão! – de competitividade no mercado, festejam os administradores de plantão. Nada comparável, entretanto, ao lucro recorde da Petrobras – orgulho nacional de 50 anos – que em nove meses acumulou lucro geral 180% superior ao verificado no mesmo período do ano passado: perto dos quinze bilhões de reais.

A companhia anunciou imediata distribuição antecipada de um mar de dinheiro (R$ 3,29 bilhões) em dividendos, mais de um terço disso (R$ 1,05 bilhão) endereçado aos cofres da própria União. Contentes, os diretores da Petrobras justificam a façanha com um pouco de cuidado para não magoar os consumidores. Afinal, é eles que entram com a maior parte, já que, na área de abastecimento, responsável pela venda de combustíveis, o lucro foi ainda maior que a média geral: 389% na comparação entre os nove primeiros meses deste ano e aqueles do ano passado. A manutenção de preços de derivados “alinhados com o mercado internacional” teve peso significativo no desempenho, explicaram alguns técnicos, enquanto outros entregavam o jogo: os números denunciam que o preço do petróleo no Brasil está um pouco acima do verificado no mercado internacional… Só um pouco? Sorte da Petrobras, azar nosso.

Este Brasil rico dos negócios sem compromisso social com a população pobre sacode a imaginação de gente como o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento. Para ele, chegou a hora de ousar. “O País – disse durante um seminário recentemente realizado na sede do BNDES – Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, no Rio de Janeiro – não está aproveitando o bom momento que tem hoje para fazer com que as empresas e o próprio governo tomem iniciativas mais ousadas visando a retomada do desenvolvimento.” Até aqui, o trabalho visou à estabilização e recuperação da credibilidade (bagunçada pela incerteza do que a vitória de Lula poderia representar em 2002). Mas o governo da esperança “foi eleito para fazer mudanças, fazer o País prosperar e crescer e reduzir a desigualdade social”. E está na hora de agir, portanto. Palmas.

Também no Ministério da Fazenda – caixa central da República – ouve-se o espocar de champanhes, abertos para comemorar o aumento no volume do dinheiro arrecadado durante o mês de outubro que passou: 20% a mais que no mês anterior. Não é pouco. Prova de que o espetáculo do crescimento, para embalar o sonho de comerciantes e politiqueiros neste fim de ano de pouco agouro, já teria começado… Não teria sido em vão, portanto, o programa de microcrédito, lançado dias atrás pelo presidente Lula, com o objetivo de encorajar trabalhadores e pequenos consumidores a avançar no vermelho, atirando parcelas futuras sobre a garantia da folha de pagamento. Bancos e comerciantes agradeceram de verdade…

No contrapé do otimismo oficial, subitamente adquirido por força da frustração de promessas em vão renovadas, vem agora o vice-presidente da República, o empresário José Alencar, e estraga tudo. Pede ao consumidor que não compre a prazo; que resista às tentações natalinas e àquelas brasilienses. Tudo “para evitar que haja uma transferência da renda para o sistema financeiro” – o único até aqui contemplado com o espetáculo prometido. E explica os motivos de sua já conhecida convicção: “Eu tenho de dizer isso, infelizmente. Gostaria de dizer o contrário: comprem, comprem, comprem. O Brasil precisa consumir muito. Para promover o desenvolvimento, tem de haver consumo. Mas para haver consumo, tem de haver um consumo com capacidade para evitar transferência de renda para o sistema financeiro”. Antes do espetáculo começar, “temos que nos libertar desse regime de juros e toda a sociedade pode colaborar nisso, resistindo”. Enquanto só os grandes lucram à custa do povo, ficamos, assim, entre Furlan e José Alencar, sem saber quem é o mais ousado.

Voltar ao topo