Os velhinhos venceram

O governo Lula perdeu a sua primeira grande batalha – a contra os velhinhos. Primeiro, tendo que cancelar a ordem de bloqueio dos pagamentos aos que têm mais de 90 anos. Um absurdo e um abuso contra a lógica, que manda espremer o miolo dos cartórios faltosos com as informações dos mortos em lugar de privar nonagenários ainda vivos de sua única fonte de sustento. Segundo, tendo que ampliar o prazo para que aposentados em determinadas épocas possam ir à Justiça buscar diferenças que o governo sabe que lhes é de direito, mas que, por mera medida de economia, não quer generalizar. Também aqui um absurdo e um abuso. Contra direito líquido e certo, o governo da esperança estava transformando o fim da vida das pessoas no terror das filas madrugueiras que se prolongavam sob o sol escaldante e iam terminar nos acessos de tosse provocados ou acentuados pelo sereno.

Como num campo de batalha, o governo tentou resistir. Mas foi vencido pela lógica da derrota inevitável. Mesmo assim, empurrou o problema com a barriga, concedendo prazo maior para que as filas se diluam no tempo, esticando também assim o prazo para a decisão judicial líquida e certa que haverá de obrigá-lo ao pagamento com juros, multa e correção monetária. Quando os cinco anos do novo prazo passarem, muitos dos velhinhos que amanheceram nas filas do front da batalha pelo reajuste já não mais estarão aí para contar a história para netos e bisnetos. Nem para receber eventuais diferenças.

A sensibilidade social do governo Lula foi, assim, posta à prova. Checada e pesada na prática, descobriu-se que ela advém mais do calcanhar-de-aquiles de todo político (os índices de popularidade) que de convicções pessoais, humanas ou de estadista. “Não dá para passar várias semanas vivendo sob uma tensão dessas”, disse Lula ao companheiro ministro Ricardo Berzoini, da Previdência, dias depois de tê-lo enchido de adjetivos encomiásticos, incluindo aquele de “extraordinário”. “Primeiro com os velhinhos acima de 90 anos e, agora, com aposentados que se amontoam em filas”… a ordem, enfim: Companheiro, “arrume a sua casa, porque isso gera desgastes para o governo”. Na casa do dedicado Berzoini só existem cifras. Direitos são favas contadas.

Num primeiro tempo, a tensão foi dissipada. O novo prazo descontraiu o ambiente e aliviou a carga (e o volume de impropérios) sobre os mandatários da equivocada política. Mas por detrás de biombos, balcões e muros gradeados, olhos desconfiados espiam no silêncio acentuado pelas cãs brancas e se questionam: Mas por qual motivo não mandam pagar o que me devem? Por qual motivo roubar de um velhinho? Por que confundir o problema criado por aposentadorias milionárias de marajás do serviço público com essas de pouco valor que mal ajudam no regime medicinal de todo mês?

Pode não ser assim. Mas é a imagem que fica. Reforçada pelo que disse o próprio ministro Berzoini (“estamos garantindo o livre acesso à Justiça. Os segurados vão agora ter tempo para se informar”), em contraposição ao anúncio de uma possível negociação, um “espaço aberto para um eventual entendimento”. De fato, sem negociação, a prorrogação do prazo apenas nos livra, como disse um magistrado, de “uma situação de pânico”. Mas nessa negociação anunciada – como já anteciparam o ministro (“as duas partes terão de ceder”) e associações de aposentados (“ninguém vai ceder em valores, apenas em prazos”) – que prevaleça o bom senso que até agora faltou ao Planalto. Ou seja: esse “extraordinário ministro” Berzoini deve desistir das intenções de fazer os aposentados abrir mão de valores e cumprir sua lição de casa, mandando pagar (se não der numa vez, em duas ou mais) todos os valores roubados pelo Estado a quem contribuiu e agora precisa da contrapartida do sistema. De outra forma, ficará difícil entender que exista algo diferente na cabeça desse “grande líder sindical”. Que tem por chefe outro “grande líder sindical” de outrora.

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