Os santos do presidente

Tony Blair, primeiro-ministro britânico, não contando com o apoio de seu povo para engajar-se na guerra que George Buch quer empreender contra o Iraque, advertiu: ?A situação é gravíssima?. Tomemos emprestada a advertência, embora ela seja mais uma escusa para a belicosidade dos dirigentes norte-americano e inglês do que verdade, para qualificar a situação atual do Brasil. Do Brasil de Lula, que, além dos muitos e cada vez mais graves problemas enfrentados pelo novo governo, tem ainda pela frente a ameaça de guerra. E o nosso País, mesmo que não guerreie, vai penar com a alta do petróleo, escassez de investimentos, retração no mercado interno, negativas de créditos e mais alguns efeitos de onda, que poderão não ser bombas em nossas plagas, mas causarão estragos, com certeza. Sem guerra, já vamos de mal a pior. Com guerra, Lula – que já advertiu que não é capaz de fazer milagres – terá de agarrar-se a todos os seus santos. Ou pelo menos tentar.

O presidente brasileiro, santificado pelo voto maciço nas urnas e pela fé popular, ao instalar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, confessou que está tendo de tomar medidas dramáticas porque enfrenta uma situação gravíssima. Referia-se, em especial, aos cortes no orçamento, que, por baixo, superam os R$ 14 bilhões, seja ou não verdade que, por equívoco, o governo anterior errou nos cálculos das despesas previstas. O conselho, que tem nada menos de 82 membros, é de certa forma o estoque de santos com que espera contar o presidente brasileiro. Composto por pessoas de diversas origens, escolhidas não importa se são ou não do PT, se amigas ou não do presidente, como ele mesmo explicou, tem desde empresários, aliás em maioria, até líderes sindicais e pessoas cuja formação intelectual e política, como Delfim Neto, jamais se esperaria estarem à disposição de um governo petista para ouvir suas preces e dar suas bênçãos.

Diz um ditado que ?quem quer fazer, faz; quem não quer, cria uma comissão?. José Serra, durante a campanha, já criticava o adversário que o venceu nas urnas, por falar na prática de comissões consultivas. Esta, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, é mais que uma simples comissão. É uma multidão, pois tem quase uma centena de membros. Mesmo antes de instalado, o conselhão começou a receber críticas dos sindicalistas, que acham que tem empresários demais. Críticas no Congresso, que entende que o grande conselho deve ser o parlamento eleito e nada justifica um outro, paralelo e outorgado. Tem razão, em termos, pois a verdade é que, no Brasil, o Congresso muito colaborou e não raras vezes atrapalhou o progresso, ou melhor, a sobrevivência do País. No mais, um conselho tão heterogêneo como o criado por Lula só pode ajudar quando se querem reformas profundas no País que reclama, se não um novo pacto social, como sonha Lula, pelo menos consenso ou um convencimento majoritário. De outro lado, serve para diluir responsabilidades numa administração em que a população e, de certa forma, até o estafe de Lula, concentram nele todas as esperanças, autoridade, sabedoria e, se fracassar, também a culpa. Cada vez que um ministro de Lula é indagado sobre algum problema, diz que pode ser solucionado assim ou assado, mas acaba transferindo a responsabilidade final para o presidente. Não que ele não a tenha, mas parece claro que, porque ?a situação é gravíssima?, ninguém quer assumir a responsabilidade de descascar o abacaxi.

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