Os prazos reduzidos pelo Novo Código Civil e a crise na aplicação da regra transitória de prescrição

Com a vigência do Novo Código Civil, questões jurídicas práticas exigem de todos os operadores do Direito a tarefa de interpretar as regras de transição de prescrição ao mesmo tempo em que as aplicam. A matéria ainda haverá de ser objeto de intensos estudos nas Faculdades de Direito nos próximos anos.

Porém, hoje, a nova regra transitória e a falta de manuseio amiúde do instituto de prescrição intertemporal provocam apressadas conclusões, prejudicando os interesses das relações jurídicas.

É que o legislador em raríssimas ocasiões nos oferece textos de lei claros e diretos; são comuns os redigidos de modo confuso e indireto, impondo antes da interpretação científica, outra para captar o sentido da sentença gramatical.

O artigo 2.028 do NCC é um excelente exemplo disso: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”. O legislador do novo Código não foi direto e claro no texto desse artigo, como exige a LC 95/1998 (alterada pela LC 107/2001), que regula o Parágrafo Único do art. 59 da Constituição Federal de 1988.

O art. 2.028 seria melhor assim: Serão os da lei anterior os prazos reduzidos por este Código se na data de sua entrada em vigor já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Ou, de modo direto no mesmo sentido: Quando por esta lei os prazos da lei anterior forem reduzidos, serão estes contados até a data da entrada em vigor deste Código, e o que restar pelo novo prazo. Parágrafo Único: Se já houver transcorrido mais da metade do tempo dos prazos da lei revogada, por esta serão contados.

Quando art. 2.028 do NCC fala em “lei revogada”, se refere tanto aos prazos da parte revogada do Código Comercial quanto aos prazos prescricionais e dos decadenciais do antigo Código Civil. Agora, o NCC separa os prazos de natureza prescricional que estão regulados dos artigos 189 a 206, dos decadenciais, que estão expressamente fixados em artigos esparsos.

O legislador ao listar os casos de prazos prescricionais nos arts. 205 e 206 no NCC, comparados àqueles de mesma matéria revogados, os fez com nova redação (algumas aglutinadas), com a criação de casuísticas antes não particularizadas (chamados de “casos especiais de prescrição”), com a redução da maioria daqueles prazos e com a ampliação de poucos, e repetição de alguns.

Assim, diz o art. 2.028 em estudo: se um caso de prazo prescricional iniciar no antigo CC e esse tempo tiver fluído por mais da metade contará o dessa lei.

Entretanto, são nas casuísticas novas criadas pelo art. 206 do NCC que surgiram as apressadas interpretações das quais nos referimos.

Exemplo: há profissionais entendendo como prescrita a pretensão à reparação civil se um fato danoso tiver acontecido em 1999. Ou seja, acham que o novo inciso V do parágrafo 3º. do art. 206 do NCC (“prescreve em três anos a pretensão de reparação civil”) incidirá sobre o prazo já transcorrido a partir da vigência do NCC, e, por isso, prescrita já estaria a pretensão na hipótese, porque em janeiro de 2003, quatro anos já teriam se passado. Não é assim, está errado, e é bem simples de se justificar.

Fosse assim, estaríamos admitindo a retroatividade da lei nova sobre fato consolidado antes de sua vigência (o tempo prescricional transcorrido). A lei não pode retroagir para atingir o ato ou fato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. “O tempo prescricional transcorrido é ato ou fato jurídico perfeito” (diz Maria Helena Diniz).

Aproveitando a hipótese do exemplo dado oferecemos solução prática: o fato, digamos, um acidente de trânsito com tudo de ruim, aconteceu em 1999. Vigia o CC/1916. O prazo para a pretensão à reparação civil era então de 20 anos, iniciado em 1999 fluiria até 2019. Sobreveio a lei nova, que reduziu os prazos, em particular os de ações pessoais, de 20 anos para 10 anos (art. 205), e criou casuísticas antes inexistentes, como por exemplo, o de reparação civil em três anos.

Ninguém tem direito adquirido à totalidade de prazos prescricionais em curso, e por isso a lei nova (NCC) pôde reduzi-los, atingindo-os a partir de sua vigência, criando, porém, a regra de transição inserida no art. 2.028.

Cabe aqui um comentário paralelo: A maioria entende que o NCC vige desde o dia 11/01/2003, porém há teses interessantes que afirmam ser desde o dia 12/01/2003 (vide Júris Síntese 39, e RT 805/28). Aderimos ao dia 12 de janeiro.

A regra de transição dos prazos prescricionais impõe interpretá-la de modo a tornar-se útil à vontade da lei, e aqui está o núcleo deste trabalho.

Aquele fato – o acidente de trânsito, gerador de reparação civil – se deu em 1999 e se enquadrava no caso de prescrição ordinária de pretensão para as ações pessoais em 20 anos, porque inserido na regra geral do antigo artigo 177 do CC/1916. Hoje, na vigência do NCC aquele prazo foi reduzido para 10 anos, se seria em 2019 agora será em 2009.

Não poderia, assim, como já dissemos, ser aplicado o casuísmo dos três anos (“prescrito estaria”), do inciso V do § 3º. do art. 206 do NCC. Por três motivos: 1] o da não-retroatividade da lei nova sobre a antiga; 2] o prazo prescricional transcorrido na lei antiga valeu até o dia 11/01/2003, e, a partir do dia doze foi reduzido para dez anos, contados aquele ainda restariam mais seis anos, até 2009; 3] alguém pode dizer então, que o prazo seria de três anos a partir de 12/01/2003, restando não mais seis anos, mas sim, apenas mais três anos, porque a lei nova vigoraria para os casos de reparação civil pelo caso prescricional nela prevista. Não poderia. É que a regra transitória do art. 2.028 do NCC impede isso. Este artigo trata de prazos: os da “lei anterior; revogada” e os “deste Código”. Quando menciona expressamente “os prazos da lei anterior” (aqui o CC/1916, em particular) há de se enquadrar os atos e fatos jurídicos acontecidos e iniciados sob sua vigência na prescrição ordinária do art. 177 c/c o art. 179 ou nas casuísticas, chamadas de “casos especiais de prescrição, ou numerus clausus” do art. 178.

Isso quer dizer que, ações pessoais referentes a casos de reparação civil em geral que não estivessem previstos eventualmente tanto nos casos especiais do artigo 178 quanto em lei especial, seriam enquadradas na prescrição ordinária do art. 177. Esse artigo se reporta ao artigo 205 do Novo Código Civil, que reduziu de 20 ou de 15 anos para 10 anos os casos de prescrição ordinária, quando tiver que ser aplicada a regra de transição.

Não se aplica o prazo novo de três anos para a pretensão de reparação civil para os atos e fatos acontecidos antes da vigência da lei nova, porque quando vigia a lei revogada não havia caso de prescrição especial para reparação civil, e por isso, se o caso era de prazo prescricional ordinário, também o é na lei nova. Sempre para a transição.

O novo prazo de prescrição especial de três anos do inc. V, do § 3.º. do art. 205 do NCC aplica-se exclusivamente para os atos ou fatos ocorridos a partir da data de vigência da lei nova.

Oportuno dizer que esse tipo de interpretação se amolda a todas as hipóteses de redução de prazos transitórios (prescricionais ou decadenciais) entre os dois códigos civis, antigo e novo.

O prazo já consumado na vigência da lei anterior consumado está. Se o tempo do prazo prescricional da lei anterior não correu mais da sua metade no dia 12/01/2003, aplica-se a lei nova. Se o tempo restante, por exemplo, fosse de apenas um mês para completar 10 anos, apenas isso restaria, um mês. Não há de se admitir, todavia, que o legislador ampliou o prazo por mais `x’ tempo, por eventual casuística nova, então antes inexistente. Não. Assim ficaria sem sentido a regra transitória do art. 2.028.

Na hipótese de ampliação de prazos [ex: CC/1916 – art. 178, § 5.º., de 6 meses; NCC – art. 206, § 1.º. – para um ano], o raciocínio é simples: prevista a casuística em ambos os códigos a aplicação é imediata; o prazo é acrescido pelo restante do tempo se no dia 12/01/2003 já não estiver consumado o prazo anterior.

O prazo prescricional, pelo ideal de justiça, além de ser matéria de defesa, também serve para que utopicamente as pessoas de bem e de boa-fé aguardem o cumprimento espontâneo da prestação dos que lhes devem. Por isso, quem tem prazo há de ser respeitado.

Samir El Hajjar

é advogado em Curitiba.

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