Os dilemas de Lula

Não há dúvidas de que, ao menos do ponto de vista da diplomacia brasileira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sólidos motivos para comemorar os seus 10 primeiros meses de mandato. Além de ter conquistado uma posição de respeito como líder dos países em desenvolvimento junto às Nações Unidas, Lula vem conseguindo quebrar todas as resistências das comunidades política e econômico/financeira ao seu governo.

Prova desta mudança de paradigmas foi a drástica queda do “Risco-Brasil”, taxa medida pelo J. P. Morgan que indica o grau de confiança dos investidores no País: 589 pontos. A taxa divulgada essa semana foi a menor dos últimos cinco anos.

Não é diferente o que vem acontecendo no Brasil. Prova disso é a tendência das indústrias nacionais de ampliar sua produção de 5% a 10%, para fazer frente a um previsível aumento do volume de vendas no varejo neste final de ano.

Este cenário favorável, porém, lança duas enormes armadilhas para o governo Lula. A primeira delas é que tanto a confiança do mercado financeiro como do empresariado no governo é extremamente volúvel. Diante do menor risco de que os seus interesses sejam ameaçados por ações tomadas pelo Palácio do Planalto, não há nenhuma dúvida de que este otimismo vai se converter na mais contundente crítica, com conseqüências desastrosas para as bolsas de valores, a política de atração de investimentos internacionais e a geração de empregos no País.

Na prática, isto significa que Lula só está merecendo a confiança da comunidade internacional porque seus interesses corporativos continuam sendo satisfeitos. Ocorre, porém, que esses interesses não coincidem com os da grande maioria da sociedade.

Um exemplo de como esses interesses diversos podem gerar focos de atrito é o aumento da produção industrial. A expansão da indústria só é positiva quando, além de levar a um acréscimo de receita gerado pela expansão de impostos como o ICMS e o IPI, resulta em um aumento efetivo da mão-de-obra e da massa salarial – e não do aumento da robotização das indústrias, como tem ocorrido cada vez mais nos modernos parques indutriais instalados no País.

É exatamente nisto que consiste o segundo dilema de Lula. Está chegando cada vez mais próximo o momento em que a aliança tática firmada pelo Palácio do Planalto com o empresariado nacional será colocada à prova. Isto deverá ocorrer quando Lula começar a adotar medidas que levem a um aprofundamento da distribuição de renda e da redução das desigualdades socioeconômicas. Ou seja: quando o governo cobrar do empresariado que faça a sua parte no processo de melhoria da qualidade de vida da população em geral.

Fazer a sua parte, no caso dos empresários, significa muito mais do que pagar os impostos em dia e gerar mão-de-obra. Significa oferecer ao trabalhador condições reais para uma vida mais digna. E uma vida mais digna, de acordo com levantamento feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos) significa, por exemplo, um salário-mínimo de R$ 1,3 mil – rendimento obtido por menos de 10% da população brasileira. Não é pequeno o desafio que o governo tem pela frente. A nossa esperança é que ele tenha a coragem suficiente para enfrentá-lo.

Aurélio Munhoz

(politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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