Os carros da Belíndia

Há quase dois meses, neste espaço, ao comentar a morte do Fusca, escrevi que o mercado automotivo brasileiro tem um apego por modelos defasados tecnologicamente. O leitor Luiz Henrique Withers, presidente do MG & MP Lafer Auto Clube do Paraná, protestou contra o teor do meu texto. Ele argumentou, com razão, que tal “escolha” não se dá por mera simpatia do brasileiro por carros ultrapassados, mas pela falta de poder aquisitivo do consumidor. O País é um dos recordistas mundiais de desigualdades sociais, aprofundadas pela política econômica neoliberal dos últimos governos.

“É um País de terceiro mundo com pequenos bolsões de riqueza e prosperidade, sendo assim chamado de Belíndia, um misto de Bélgica com Índia. Só que a porção Índia é infinitamente maior que a porção Bélgica. Se existem alguns afortunados da porção Bélgica que podem adquirir os BMWs, Mercedes e Ferraris, a grande porção Índia ainda se locomove em Brasílias, Fuscas, Unos, Monzas, etc. e tal”, escreveu o leitor.

Eu acrescentaria: há milhões de brasileiros no Nordeste, por exemplo, que andam a pé ou em lombo de jegue. A realidade é que grande parte da população não tem condições de comprar sequer uma bicicleta, quanto mais um automóvel, ainda que velho. Um carro pequeno zero quilômetro, versão “popular”, com motor de até 1.000 cm3 (1,0 litro) de cilindrada, pode custar o mesmo que um médio de luxo importado seminovo.

Meu artigo se referia aos carros novos, em produção. É óbvio que manter um modelo antigo em linha é mais barato do que lançar um novo, pois dessa forma a montadora economiza os investimentos necessários para produzir um modelo novo. Mas, na maioria das vezes, as montadoras instaladas no País lançam um novo carro sem descontinuar seu antecessor. Resultado: o modelo novo acaba ficando mais caro. Se houvesse a pura e simples substituição de um carro por outro, a montadora poderia apostar na economia de escala para reduzir o preço do novo produto.

Outro caso estranho é o do Gol e seus derivados, a perua Parati e a picape Saveiro. Eles foram reestilizados várias vezes, mas até hoje a montadora insiste em manter o motor e o câmbio na posição longitudinal, o que é injustificável em carros de tração exclusivamente dianteira, pois gera perda de energia na transmissão e rouba espaço interno do veículo. Se a família Gol tivesse tração traseira ou 4×4 integral, o motor longitudinal faria sentido. Mas não é o caso. Será que a mudança da posição do motor, de longitudinal para transversal, teria encarecido o carro? Não acredito. Acho que a falha foi mantida por falta de exigência do consumidor.

Quanto ao acesso da população ao automóvel e outros bens de consumo, o que se espera é que o governo Lula resgate as bandeiras históricas do PT e elimine o desemprego, o arrocho salarial e a violenta desigualdade social que assola o País.

Ari Silveira

(ari@oestadodoparana.com.br) é chefe de Reportagem de O Estado.

Voltar ao topo