Os bárbaros não perguntam antes

Após a queda do muro de Berlim, há catorze anos, desenhava-se um mundo em que os Estados Unidos seriam hegemônicos e dariam as cartas sem oposição. Foi decretada a queda do socialismo stalinista e a vitória do capitalismo americano. O capitalismo mostrou-se capaz de criar avanço tecnológico e consumo em escala maior, com liberdade. Se há consenso nisso, não se pode esquecer que à custa de um abismo social crescente.

Questões defendidas pela esquerda pareciam relegadas à lata de lixo. Foi decretado o salve-se quem puder, o mundo sem ideologia. Catorze anos depois o que se vê é o mundo confuso e os Estados Unidos mais perdidos que antes, quando sabiam quem era o inimigo. A hegemonia militar americana não foi traduzida em poder político hegemônico. Talvez hoje os EUA tenham menos poder que antes, quando havia a União Soviética e um muro a separar dois sistemas.

Os EUA moviam Alemanha, França, Inglaterra, Japão, como simples peões. Até a China por temer o poder soviético aliava-se vez e outra com os EUA. Agora, sem o poder soviético, essas potências se colocam no outro lado da mesa, para dizer não aos americanos. Os EUA estão cada vez mais sozinhos. E não há hegemonia quando se está sozinho. As principais nações do mundo estão tentando dizer que não há hegemonia e que uma nova ordem precisa ser construída. Que os americanos podem ter ogivas nucleares, mas não têm contra quem usá-las; esses instrumentos bélicos se tornaram obsoletos; se usados acabarão com a espécie humana, incluindo os americanos. O melhor é sentar e conversar de novo.

Uma outra questão tão ou mais importante que essa se coloca em Davos. Da mesma forma que não pode haver mundo equilibrado e saudável com a postura bélica bizarra de Washington, também não se pode haver mundo saudável com o crescente abismo entre ricos e pobres. Ou melhor, uma riqueza que não traduz em benefícios para a humanidade. Esta é uma outra guerra, sem nações, mas envolvendo todos os povos, de todas as nações, incluindo os próprios EUA.

A queda do muro de Berlim representou o fim de um sistema que não estava dando certo. Davos é um muro que representa um sistema também pressionado e que deve cair, mais cedo ou mais tarde, porque não está dando certo e está produzindo a semente de sua destruição, a miséria, a fome, o desespero. E a história mostrou em Berlim que quando um sistema não dá certo, o muro cai. Os velhos chavões de esquerda se tornam atuais, porque eram atuais antes da União Soviética e de seus satélites.

Assim como aconteceu na União Soviética, cedo ou tarde acontecerá nos países industrializados e ricos. A cabeça de seus líderes vai rolar se não se sentarem, enquanto há tempo, para encontrar um mundo mais humano. E vai rolar da forma mais terrível, como rolaram a dos stalinistas em Moscou, dos aristocratas em Paris, dos romanos sob os bárbaros, entre outros. Ou se constrói uma civilização humana ou a barbárie se impõe. E os bárbaros não perguntam antes. O 11 de setembro de 2001 foi um aviso de sua ousadia e criatividade desesperada. Não adianta dizer que é coisa do mal, de Saddam ou de Satã. Esta é retórica de derrotados. O grande Satã do mundo é a miséria. É a fome. É o desespero.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado

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