Órgãos de Relação Externa dos Estados

Conforme a concepção dos Estados viesse a sofrer uma evolução, no sentido de despregar-se da figura do governante, para constituir um conjunto de serviços e funções, a serviço de um povo, da mesma forma, seus representantes, sem perderem alguns privilégios e prerrogativas, próprios a suas funções, diante dos ordenamentos jurídicos locais, começaram a ter sua função regulamentada em normas internacionais precisas. Portanto, os diplomatas passariam a ser definidos não mais como mandatários dos soberanos, mas como órgão s dos Estados, em suas relações internacionais.(1)

De origem costumeira, as regras sobre a condução da representação do Estado no exterior estão atualmente previstas em dois grandes tratados internacionais, que amplamente regulamentam o assunto: Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961, e Convenção de Viena sobre relações consulares, de 1963. Ambas estabelecem normas para o exercício do duplo direito de legação: direito de um Estado enviar um representante seu a outro Estado e direito deste Estado receber o representante daquele.

Através da missão diplomática, o Estado acreditante (aquele que envia) realiza sua representação política perante o outro Estado da comunidade internacional (Estado acreditado, que recebe a missão), com objetivo de cumprir as seguintes funções: representar o Estado acreditante no território do Estado acreditado, fazer negociações e estimular o desenvolvimento das relações amistosas, principalmente nas áreas econômicas, culturais e científicas. Por consentimento mútuo e mediante um procedimento formal e solene, os Estados dão início às suas relações diplomáticas. A partir daí, o agente diplomático acreditado passa a gozar de uma série de privilégios e imunidades, para que bem desempenhe suas funções. Com algumas exceções previstas na Convenção de 1961, ele possui imunidade de jurisdição civil, administrativa e penal, dispõe de isenções fiscais e goza da inviolabilidade pessoal.

Já a repartição consular é responsável pela re-presentação administrativa do Estado, que pode ser realizada por cônsules de carreira ou cônsules honorários. Estes são escolhidos dentre pessoas ilustres no Estado receptor, não têm necessariamente a nacionalidade do Estado que envia e têm residência permanente no Estado receptor. Já os primeiros, são funcionários do Estado que envia, possuem a nacionalidade deste e têm residência apenas temporária no Estado receptor. Os funcionários consulares são responsáveis por inúmeras atribuições burocrático-adminstrativas, tais como: representar os interesses dos nacionais do Estado que envia, prestando-lhes assistência (inclusive em casos de sucessão por morte; em questões judiciais; em situações envolvendo nacionais menores de idade), fomentar relações entre os dois Estados, informar decisões judiciais, cumprir atos rogatórios, emitir passaporte aos seus nacionais e vistos aos que vão viajar para o seu país, dentre outras. Os privilégios e imunidades dos representantes consulares são concedidos apenas no uso de suas funções, o que afasta a imunidade de jurisdição penal e a extensão de tais prerrogativas aos familiares.

O local da missão diplomática e a sede da repartição consular são invioláveis. Eles devem ser protegidos pelo governo local e dispõem do direito de usar escudo e bandeira do país que representam.

Todas essas prerrogativas enquadram-se na teoria funcional, pois são concedidas não com o intuito de “beneficiar indivíduos, mas assegurar o eficaz desempenho das funções” (preâmbulo das supracitadas Convenções). Vale mencionar que a imunidade de jurisdição no Estado estrangeiro não afasta a jurisdição no país de origem, além de que ela pode ser objeto de renúncia expressa pelo Estado que envia o seu representante, sendo necessária uma renúncia para a imunidade de jurisdição e uma nova renúncia para a imunidade de execução.

Cabe lembrar que existe, ainda, a diplomacia realizada perante uma Organização Internacional – cujas regras vão estar previstas em seu tratado constitutivo e normas internas. Por outro lado, a diplomacia de cúpula (feita pelo Chefe de Estado, Chefe de Governo, Ministros de Estado, dentre outros) e as missões diplomáticas temporárias continuam seguindo os usos e costumes internacionais.

Qualquer que seja a forma de representação do Estado, na prática tais privilégios sempre são respeitados, tendo em vista que configuram direitos e benefícios atribuídos ao exercício de uma função primordial, que é a atuação de um agente em nome de um Estado da comunidade internacional, incluindo aí seu governo, território e população. Eles justificam-se porque “os embaixadores são os olhos e ouvidos das nações”. (Francesco Guicciardini)

(1) SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 260.

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Privado da UFPR e Direito Internacional Público das FIC.

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